Opção pelos pobres: Dificuldades
João Paulo II (SRS 42) explicou o que se deve entender por opção pelos pobres: é uma opção preferencial e não exclusiva, firme e irrevogável, baseada na Palavra de Deus e não em critérios políticos ou sociológicos. E traçou os seus conteúdos: é uma forma especial de primazia no exercício da caridade cristã; refere-se à vida do cristão enquanto imitação da vida de Cristo; aplica-se igualmente às nossas responsabilidades sociais, isto é, ao nosso viver e às decisões que temos de tomar quanto à propriedade e uso dos bens. Finalmente definiu o seu âmbito: as imensas multidões de famintos, de mendigos, sem tecto, sem assistência médica e os sem esperança de um futuro melhor.
Nem sempre é fácil cumprir estes critérios, atendendo a que as comunidades cristãs, como referi, são muitas, têm muita gente, como mundividências naturalmente diferentes, embora se espere que saibam sempre dar prioridade à dignidade da pessoa necessitada.
As instituições cristãs de solidariedade correm o risco de nem sempre estarem efectivamente ao serviço dos pobres.
Uma primeira dificuldade é que, nalguns casos, parecem mais preocupadas em reger-se pela lógica de mercado do que da solidariedade. É evidente que ninguém pode servir se não tiver condições económicas para isso. E aqui a questão que se coloca é: onde está o apoio da comunidade cristã? A comunidade sente como sua aquela obra? Se não, como podem elas dar testemunho evangélico no apoio e acolhimento dos mais necessitados.
Uma segunda vem do perigo da burocracia, que pode levar, sem dar por isso a uma crescente desumanização, de que se queixava D. José Policarpo: “Dentro da Igreja estou igualmente preocupado com a demasiada profissionalização da parte assistencial: são grandes estruturas, com regras técnicas, com mecanismos estereotipados, com máquinas administrativas muito pesadas, onde, às tantas, a vertente do voluntariado não é realçada. Ele ainda existe e favorecemo-lo, mas é certo que passámos de uma fase, em que tudo era feito fundamentalmente a partir do voluntariado, para uma fase de aperfeiçoamento técnico na prestação de serviços sociais. O equilíbrio entre ambos tem de se manter. E o voluntariado é um potencial enorme para resolver este tipo de situações sociais”.
Uma terceira é que a de poder ficar-se por um mero exercício assistencial. Eu sei que hoje a maior parte das instituições superaram ou estão em vias de superar esta tentação. Mas o exercício não é fácil e é necessário estar-se muito atento. As palavras de Bento XVI são certamente muito animadoras: “A natureza íntima da Igreja exprime-se num tríplice dever: anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), celebração dos Sacramentos (leiturgia), serviço da caridade (diakonia). São deveres que se reclamam mutuamente, não podendo um ser separado dos outros. Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de actividade de assistência social que se poderia mesmo deixar a outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável da sua própria essência (DCE 25).
Daqui decorre uma outra dificuldade, muita real e presente nas comunidades cristãs: perceber que o agente principal de toda esta actividade é a própria comunidade e não os seus grupos, por muitos e bem organizados que eles sejam. Não se trata de ter na paróquia um grupo dedicado esta nobre tarefa, mas de ser toda a comunidade a sentir-se a primeira responsável por esse trabalho. Os nossos Bispos são muito claros nesta denúncia: “O agente principal é, sem dúvida, a comunidade cristã. Se a comunidade cristã, enquanto tal, não se envolve de forma participativa e corresponsável na concretização da pastoral social, jamais se passará do patamar das “acções pontuais” para o testemunho de uma Igreja realmente comprometida com Jesus Cristo e, por isso mesmo, “perita em humanidade”, capaz de tornar visível o Evangelho e de construir na caridade o mundo novo da justiça e da santidade que é o Reino de Deus”.
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