Sociedade plural e democrática
Houve tempos, longos tempos na história em que as sociedades eram muito hierarquizadas, muito “arrumadinhas”, com cada um no seu lugar, uma espécie de “cada macaco no seu galho”. Só em casos excepcionais, geralmente feitos de guerra, podia haver alguma mobilidade entre as várias “castas”.
Mas a a humanidade foi evoluindo e percebendo, também do ponto de vida prático, que todos eram iguais: todos, isto é, primeiros os homens com posses, depois os outros homens e finalmente as mulheres, que parecem condenadas a ocupar sempre a última carruagem da história. Esperemos que brevemente a história passe a ter só uma carruagem!
Ao passar a sermos todos iguais em direitos e deveres, uma das consequências é que cada um tem a liberdade de pensar e de agir de acordo com critérios diferentes, já que neste mundo não há absolutos. E talvez sejam os crentes os únicos que admitem um único absoluto: Deus.
O facto de cada um ter mundividências diferentes, leva-o a comportamentos diferentes, que só são legítimos desde que não ponham em causa o bem comum e a ordem pública. Nem sempre é fácil e nada como o caso do véu muçulmano em França para o demonstrar.
Mas deixando de lado estes “pequenos episódios”, há dois aspectos que gostaria de referir: o modo como cada um vê o outro e o modo como cada um olha a sociedade.
Vou tendo a sensação de que, de um modo geral, estamos a deteriorar a nossa imagem do outro, no qual vemos muito mais um rival perigoso dos nossos interesses do que um companheiro igualmente interessado num mundo mais justo e humano. Olhamos o imigrante como uma ameaça, não só por que vem ocupar-nos postos de trabalho e aumentar a instabilidade social, mas porque pode introduzir valores que podem conflituar com os nossos. Basta pensar nas últimas directrizes europeias sobre imigração a que muitos não hesitaram em chamara “a directriz da vergonha”. No nosso país encaixotamos os “outros” – ciganos, africanos – numa qualquer “Quinta da Fonte”, sem um esquema coerente de integração, baseados na política ateia de “seja o que Deus quiser”.
Não não são apenas os “outros”, pois também olhamos mesmo os “cidadãos como nós” mais como competidores perigosos que nos podem ocupar um lugar no mercado de trabalho, no acesso à universidade, nas listas de espera dos hospitais. É como se se tratasse de alguém de quem devo defender-me e vencer, a qualquer preço, nesta sociedade que não oferece saída para todos.
No fundo, quem é o outro para mim? Um inimigo abater? Um rival a desviar do meu caminho? Um companheiro de caminhada sem o contributo do qual a sociedade será sempre mais pobre?
É certo que ninguém, enquanto cidadão, tem a obrigação de amar os seus concidadãos. Essa obrigação advém-lhe das suas convicções religiosas ou ideológicas. Só as religiões e equivalentes são éticas de máximos e só elas podem obrigar a amar o outro. As sociedades baseiam-se na justiça que “apenas” obriga cada cidadão a respeitar o outro, por si só ou como membro de um grupo, a promover os seus direitos inalienáveis e a tomar como critério de convivialidade a dignidade inalienável de cada pessoa, cada grupo e cada povo. Uma sociedade justa é aquela que dá igual espaço a cada cidadão, lhe dá iguais oportunidades e distribuiu com equidade e proporcionalidade os seus bens e dons.
Uma sociedade justa não obriga amar os outros, mas obriga a aceitá-los na sua plenitude de pessoa e de cidadão, na defesa, promoção e respeito pelos seus direitos fundamentais.
Certamente que aqui as religiões têm um papel fundamental, não para imporem a suas propostas mas para contribuírem com elas para uma base comum de convívio, de fraternidade e de solidariedade. Nem sempre este exercício é fácil de alcançar. Sobretudo quando séculos de história apontaram noutro sentido.
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