Analfabetismo religioso
Como referi atrás “é evidente que, para que se realize a dita pastoral de solidariedade, é fundamental que os cristãos saibam quem são e o que são (identidade), saibam ler evangelicamente a realidade (leitura dos sinais dos tempos) e saibam o que devem testemunhar (missão).
Ora infelizmente é facto reconhecido que o analfabetismo religioso é uma realidade profunda a que é urgente dar resposta pronta e rápida sobretudo para um tempo de crise como o nosso. Aliás Bento XVI bem alertou os nossos bispos para esta situação: “À vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses, talvez valha a pena verificardes a eficácia dos percursos de iniciação actuais, para que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas comunidades, a maturar cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de maneira adequada ao nosso tempo”.
Em primeiro lugar deve ter-se presente qual é o verdadeiro objectivo da formação cristã. E João Paulo II define-o com muita clareza: “A formação dos fiéis leigos tem como objectivo fundamental a descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade cada vez maior para vivê-la no cumprimento da própria missão”. E continua: “Não se trata, no entanto, apenas de saber o que Deus quer de nós, de cada um de nós, nas várias situações da vida. É preciso fazer o que Deus quer” (ChL 58)
Será que os cristãos, hoje, sabem realmente o que é ser cristão aqui e agora?
E começo por me referir à própria “catequese clássica”, em moldes cada vez mais adequados ao nosso tempo e às situações concretas dos evangelizandos. E depois podemos perguntar ainda: quantos cristãos, por exemplo, lêem a Bíblia? Quantos a meditam e procuram tirar dela os ensinamentos perenes que devem nortear a nossa vida? Quem aprofunda a Pessoa de Jesus Cristo e a sua mensagem libertadora, sabendo que,como diz Bento XVI,“no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (DCE 1)? Quem procura perceber “esta medida alta da vida cristã comum” (NMI 31) que são as Bem-aventuranças?
Mas nestes últimos anos houve alterações profundas introduzidas pelo Concílio. Quem faz uma adequada e séria catequese conciliar (é mais que sabido que a esmagadora maioria dos cristãos não conhece os documentos e muito menos os conteúdos da doutrina conciliar), como tanto recomendaram os padres sinodais, em 1985: “Estas e outras falhas manifestam a necessidade de aceitação mais profunda do Concílio, que exige quatro passos progressivos: um conhecimento mais amplo e mais profundo do Concílio; a sua assimilação interior; a sua reafirmação amorosa; a sua actuação … Sugere-se pôr em prática nas Igrejas particulares um plano pastoral para os próximos anos que tenha como objectivo um novo, mais amplo e mais profundo, conhecimento e aceitação do Concílio. Isto se alcançará, antes de mais, por uma nova difusão dos próprios documentos, pela publicação de estudos que os expliquem e os tornem acessíveis à compreensão dos fiéis. A doutrina conciliar deve ser proposta de modo adequado e contínuo, por meio de conferências e cursos, na formação permanente dos sacerdotes e seminaristas, na formação dos religiosos e religiosas bem como dos fiéis adultos!. (Doc. Final I, 5.6)?
E quanto à Doutrina Social da Igreja, quantos leram, meditaram e procuram pôr em prática os seus ensinamentos que são a tradução para hoje da mensagem evangélica já que propõe as consequências directas da mensagem cristã “na vida da sociedade e enquadra o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de Cristo Salvador” (CA 5)? E quem os ajuda a fazer esta leitura, esta meditação, este aprofundamento da fé e a sua aplicação pública concreta?
Já, em 1961, João XXIII afirmava: “De novo afirmamos, acima de tudo, que a doutrina social cristã é parte integrante da concepção cristã da vida. Embora saibamos com satisfação que esta doutrina já de há muito é proposta em vários Institutos, insistimos na intensificação de tal ensino, por meio de cursos ordinários e em forma sistemática, em todos os Seminários e em todas as escolas católicas de qualquer grau que sejam. Inclua-se também nos programas de instrução religiosa das paróquias e das associações do apostolado dos leigos; propague-se através dos meios modernos de difusão: imprensa diária e periódica; obras de divulgação e de carácter científico; rádio e televisão" (MM 222-223).
Apesar desta recomendação com quase 40 anos e das interpelações constantes tanto de Paulo VI como sobretudo de João Paulo II, verifica-se que o projecto de formação cristã dos adultos proposto pelos nossos Bispos, no nível básico, para o qual se propõem 50 a 60 encontros, ao longo de 2 anos, não há um único momento dedicado à DSI (Instrução Pastoral “A formação cristã de base dos adultos”, 5b)
Sem uma catequese sistemática e completa é muito difícil aos cristãos, sobretudo aos leigos, que são “obrigados” a viver no mundo, fazer uma adequada leitura dos sinais dos tempos. E sem essa leitura, mais difícil ainda se torna dar, em cada momento, a resposta pastoral mais adequada para uma colaboração cristã na construção de duma sociedade mais humana.
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