divórcio ou casamento eterno?...

2008-08-07

Leigos: Privatização da fé

Tirando algumas excepções, a maior parte das vezes mal compreendidas e até hostilizadas, talvez possa dizer-se que o maior "pecado" dos leigos nestes últimos anos seja o que chamaria a "privatização da fé".
A fé nunca é privada, pois influencia o comportamento público do crente, tal como as respectivas ideologias ou o ateísmo marcam a vida do mação, do agnóstico ou do ateu. Por isso, não me preocupa muito o esforço de tantos não crentes para empurrar a nossa fé para o privado. Isso não é possível, a menos que sejamos nós, os próprios cristãos, a fazê-lo. O pior, realmente, é a privatização que muitos cristãos fazem da sua fé, resumindo-a aos sacramentos e quanto muito em mandar os filhos à catequese, ignorando quase por completa todas as implicações sociais que ela acarreta na sua vida como cidadãos: “Assim como o corpo sem alma está morto, a fé sem obras é morta” (Tg 2,26).

Comportamento ético
O comportamento da esmagadora maioria dos cristãos parece tomar como norma da sua vida não a radicalidade do Evangelho mas os modelos dominantes. E, portanto, não dão quaisquer sinais públicos da sua fé que lhes impõe um estilo de vida diferente.
É caso para nos perguntarmos, com I. Camacho, “se esta deformação não terá a sua raiz numa tradição que sempre insistiu, de facto, demasiado numa praxis moral muito heterónoma e menos atenta à formação de uma verdadeira consciência moral, amadurecida e responsável. Pois é bem possível que o que ocorre agora entre pessoas de formação cristã seja resultado da substituição das vozes autorizadas de antes (hierarquia, confessores, directores espirituais, …) pelas de agora (opinião pública, meios de comunicação social, publicidade, …), mas mantendo-se dentro do mesmo esquema”.

Compromisso no mundo
Durante muitos séculos pontificou o célebre aforismo “fora da Igreja não há salvação”. O Concílio, sem o rejeitar (LG 14) e além de acrescentar que fora da Igreja “há muitos elementos de santificação e verdade” (LG 8), tem uma passagem onde é claro que “fora do mundo não há salvação”: “O cristão que descuida os seus deveres temporais falta aos seus deveres para com o próximo, falata aos devres para com o próprio Deus e põe em risco a sua salvação eterna (GS 43: o sublinhado é meu).
Também os Bispos no Sínodo de 1987 recordavam que “a luta pela justiça é uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho” (JM 6), o que nos obriga a estar nas várias frentes públicas onde se luta contra as injustiças.
E os Bispos no Sínodo de 1971 insistiam que “o modelo de santidade dos fiéis leigos deve integrar a dimensão social da transformação do mundo segundo o plano de Deus”.
Também João Paulo II, quando nos veio visitar em Maio de 1982, nos deixou este “recado”: “Fiéis à Verdade, irmãos e irmãs, continuemos a participação na realeza de Cristo, servindo como Ele, Senhor e Mestre, fez e ensinou. Este é o caminho: cristãos no aconchego da intimidade pessoal; cristãos no interior do lar, como esposos, pais e mães e filhos, em “igreja doméstica”; cristãos na rua, como homens e mulheres situados; cristãos na vida em comunidade, no trabalho, nos encontros profissionais e empresariais, no grupo, no sindicato, no divertimento, no lazer, etc.; cristãos na sociedade, ocupando cargos elevados ou prestando serviços humildes; cristãos na partilha da sorte dos irmãos menos favorecidos; cristãos na participação social e política; enfim, cristãos sempre, na presença e glorificação de Deus, Senhor da vida e da história”.

Política
Desataco “esta arte nobre e difícil” (GS 75) porque a política tem uma importância específica e insubstituível numa sã organização da sociedade e porque, por razões várias, sofre de um crescente desprestígio e do consequente desinteresse dos cidadãos por ela.
Torna-se, por isso, importante combater duas situações demasiado generalizadas, ambas versões modernas da “fuga do mundo”:
- o absentismo: embora muitas vezes se possa legitimamente atribuir à degradação da própria democracia (cf. CA 47), deve-se também sobretudo ao facto de muitos cristãos serem especialmente sensíveis apenas a três centros de interesse nesta sociedade tão individualista: a família, o trabalho e o consumo;
- o abandono do compromisso político: resulta geralmente do facto de a transformação da realidade ser muito lenta e difícil e das frustrações de quem esperava que a democracia acelerasse este processo transformador; cansados desta demora e dos resultados sempre parciais e limitados, muitos cristãos abandonam a luta política, renunciando a dar o seu contributo para uma sociedade sempre necessitada de renovação.
Infelizmente há ainda uns tantos cristãos que apostam quase tudo na política não para dar testemunho dos valores evangélicos mas por carreirismo e interesses egoístas. Esses é que lá não faziam falta nenhuma!

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