A Igreja e a Mudança
Hoje vou dedicar-me a citações.
E começo por uma observação do teólogo G. Gennari, que chama a atenção para o facto de a Igreja não ter estado verdadeiramente no meio do mundo e dos acontecimentos ser uma das principais razões para os reiterados atrasos históricos da Igreja: “Nascia a sociedade burguesa e os homens da Igreja, separados do povo, defendiam as sociedades aristocráticas. Nasciam as sociedades nacionais e democráticas e os homens da Igreja, separados do povo, defendiam os monarcas e o concerto europeu saído do congresso de Viena. Nascia a sociedade industrial e os homens da Igreja, separados do povo, elogiavam e defendiam a sociedade agrícola. Nascia a sociedade científica e os homens da Igreja, separados do povo, só viam os riscos das ciências para a fé e a vida cristã. Tenta nascer a sociedade em que a mulher seja verdadeiramente igual ao homem e os homens da Igreja, separados do povo, parecem cortejar ainda uma cidade em que o primeiro posto corresponda ao homem varão. Tudo isto, porque separados do povo, fechados numa atmosfera sacral ou burocraticamente mundana apesar das aparências espirituais e vítimas de um eficientismo eclesiástico, que não é por ser tecnologicamente moderno que está mais próximo do Evangelho, carecemos dos meios de compreensão e discernimento, de simpatia real para compreender, isto é, para discernir e depois interpretar os acontecimentos”.
E para nos reportarmos à actualidade mais recente nada como fazer algumas citações da Carta Pastoral do Cardeal Patriarca publicada no passado 18.Maio, porque ela abre com um conjunto de observações que bem podem servir de regras para pautar a nossa conduta neste tempo de mudanças. Passo às citações:
- “O mundo mudou; a Igreja, para continuar a ser fiel à sua missão de enviada ao mundo, como mensageira da salvação, precisa de mudar, de se adaptar às exigências dessa missão. O desafio à mudança aparece como exigência da fidelidade da Igreja. “Aggiornamento”, o pôr-se em dia para a missão, tornou-se a palavra de ordem” (2);
- “O mundo mudou, continua a mudar, e a Igreja precisa de estar atenta às mudanças dentro dela própria, sugerida pela sua missão no mundo. A Igreja não copia as mudanças do mundo, por vezes tem mesmo de denunciá-las: só a sua verdade interna e o imperativo da sua missão a podem fazer mudar” (3), pois
- “A Igreja não muda porque o mundo muda; a Igreja muda para poder ser mensageira da esperança num mundo em mudança. Este não lhe é indiferente, pode mesmo sugerir-lhe, no ritmo alucinante da aventura humana, sinais para a adaptação da Igreja à sua missão. Foi o desafio lançado a toda a Igreja pelo Concílio, saber discernir, na actual aventura humana, “sinais dos tempos”, sugestões à mudança na Igreja, exigida pela missão (3).
Esta passagem sugere-me uma outra da sua tese sobre “Os sinais dos tempos”: “(A Igreja) deve aceitar que, de certo modo, seja o mundo a fixar a ordem do dia da sua vida eclesial, não no que diz respeito à essência do conteúdo do Evangelho, mas no que diz respeito à sua tradução, no plano da linguagem e das formas de testemunho” ( p. 275).
- “Meio século depois (do Concílio), os efeitos da mudança contínua alteraram o rosto da comunidade humana, mudaram os valores das civilizações e traçaram um novo quadro para o sentido da vida, individual e colectiva. E os cristãos não ficaram imunes a esta transformação. Mudaram ao ritmo da sociedade, encontrando, em geral, a chave da interpretação da vida e da história na mudança da sociedade e não no Evangelho e na fé como fonte de uma compreensão global da existência. Tudo isto levou progressivamente a uma ruptura entre a religiosidade praticada e o sentido ético que inspira os comportamentos pessoais e fornece os critérios da busca do sentido, do discernimento dos acontecimentos e da história. A Igreja, pela mudança global e pela mudança interna com critérios culturais profanos, foi perdendo espaço na sociedade como principal fonte inspiradora de valores da humanidade. Ao contrário, a sua palavra e doutrina é frequentemente vista com desconfiança ou mesmo rejeitada por uma sociedade que considera ter encontrado a sua autonomia na construção da verdade.
Neste quadro, de pouco servem à Igreja, na realização da sua missão no mundo, lutas frontais com poderes estabelecidos ou outras compreensões estruturadas da sociedade. Tais reacções da Igreja não estão isentas do que resta de uma lógica de poder na sociedade. Ela não pode cruzar os braços e renunciar à sua mensagem, mas deve fazê-lo por outro caminho: o da fidelidade interna a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho e o do serviço à sociedade, à pessoa humana, suscitando pelo amor e pelo serviço, as sementes de esperança que ainda não morreram no coração dos homens. A autenticidade do seu serviço à humanidade deve impor-se por si, e não por mera lógica de poder” (4).
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