Noticias a mais ou a menos
Os meios de comunicação social têm uma missão nada fácil.
Mas dispõem também de um poder único: há muito já que Paulo VI falava de um “novo poder” com aspectos muito positivos, mas que acarreta também “uma grave responsabilidade moral” por causa das reacções que pode suscitar e os valores que acaba por impor: “Entre as mudanças maiores do nosso tempo, nós não queremos deixar de salientar a importância crescente que assumem os meios de comunicação social e o seu influxo na transformação das mentalidades, dos conhecimentos, das organizações e da própria sociedade” (OA 20).
A recente enxurrada de notícias a propósito de umas toneladas de carne importada da Irlanda contaminada com dioxinas é um bom exemplo para analisar esta dupla vertente.
A pergunta que me coloco é esta: “qual é o interesse para o bem público divulgar que andam por aí perdidas umas toneladas de carne com dioxinas?”. Mais ainda quando se diz sem mais que as dioxinas são responsáveis, pelo menos potenciais, pelo cancro. Houve um especialista que teve o bom senso de explicar que para ultrapassarmos a dose letal precisaríamos de comer, para aí, uma tonelada de carne por dia! E de esclarecer que o perigo está não no facto de se comer uma vez mas na acumulação ao longo do tempo. Porque as dioxinas têm tendência a acumular-se na gordura do corpo em vez de serem eliminadas.
Por isso me pergunto se estas notícias não deviam ser silenciadas, a menos que a situação assumisse ou ameaçasse assumir uma situação calamitosa. Não bastaria, entretanto, informar as autoridades sanitárias para que actuassem rapidamente na defesa e segurança da saúde pública e acompanhar rigorosamente a sua intervenção sem tanto alarido?
Dar assim uma notícia não se correrá o perigo de criar o pânico, sobretudo em tempos de crise e de acrescida sensibilidade às notícias, e pôr em causa a carne de porco?
Em entrevistas que ouvi, alguns recordaram campanhas noticiosas anteriores: a dos frangos com furano que ia dando cabo dos industriais dos galináceos ou a das vacas loucas que quase acabou com a carne de vaca no mercado!
Isto é, as pessoas já pensam na história popular do “Aí vem lobo!” que, por ser tantas vezes repetida sem fundamento, perdeu a sua eficácia e ninguém acreditou no pobre pastor quando o seu rebanho foi mesmo atacado pelos lobos!
Bem sei que nem sempre é fácil discernir o que deve ser noticiado, mas deve haver ao menos um mínimo de bom senso e mais respeito pela dignidade e estabilidade das pessoas.
Até porque estes exageros não acontecem só com este caso. Quantas vezes são noticiadas e repetidas cenas de crime, que podem estimular potenciais criminosos e criar um clima de insegurança? Numa “cultura do aparecer” quantos poderão ser tentados a repetir o gesto só para aparecerem na televisão e se falar deles?
É pois bom não esquecer que estamos efectivamente numa “cultura do aparecer”. Já todos vimos ao que se expõem as pessoas para "ir à televisão". O caso mais típico é o dos concursos onde pessoas com licenciatura não se “envergonham” de mostrar a sua ignorância pelo prazer de aparecer… e também “ganhar algum”. Mesmo fazendo uma figura triste.
Mas será que hoje, numa sociedade tão permissiva, “tolerante” e indiferente como a nossa, ainda haverá quem repare em “figuras tristes”?
Ou não serão as “figuras tristes” motivo de orgulho e de admiração dos colegas menos corajosos?
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