divórcio ou casamento eterno?...

2009-09-28

CinV (29) O progresso como vocação (nº 16)

Para Paulo VI, “o progresso é, na sua origem e na sua essência uma vocação” (PP 16), como se depreende da sua afirmação: “Nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação” (PP 15). É também por isso, certamente, que considerava toda a pessoa como criadora: “Deus, que dotou o homem de inteligência, de imaginação e de sensibilidade, deu-lhe assim o meio para completar, de certo modo, a sua obra: ou seja, artista ou artífice, empreendedor, operário ou camponês, todo o trabalhador é um criador” (PP 27). E João Paulo II qualificava o trabalho, qualquer trabalho, antes de mais como uma vocação, já que é “uma peculiar resposta do homem ao dom de Deus (a terra)” (CA 31) e ao mandato originário de Deus de cultivar e guardar o jardim (Gn 2,15). Mais ainda, trata-se mesmo de uma vocação religiosa: «Só o Cristianismo deu um sentido religioso ao trabalho e reconhece o valor espiritual do progresso técnico. Não há vocação mais religiosa que o trabalho» (Discurso aos jovens ingleses; Maio.1982).
Bento XVI explicita toda a força desta definição: “Dizer que o desenvolvimento é vocação equivale a reconhecer, por um lado, que o mesmo nasce de um apelo transcendente e, por outro, que é incapaz por si mesmo de atribuir-se o próprio significado último”.

O desenvolvimento ou progresso são palavras-chave que orientaram sobretudo os países ocidentais ao longo dos últimos séculos. Atribuíram-lhe vários significados, alguns absolutistas e legitimadores de toda a exploração não só das pessoas, como dos povos e até da natureza.
Apresentá-lo como vocação dá-lhe uma carga humanista (e não só) que não se compagina com absolutismos mas que exige a sua subordinação ao bem das pessoas, dos povos, da natureza e da humanidade. Daqui decorrem inclusivamente consequências ecológicas: “O carácter moral do desenvolvimento também não pode prescindir do respeito pelos seres que formam a natureza visível, a que os Gregos, aludindo precisamente à ordem que a caracteriza, chamavam o "cosmos". Também estas realidades exigem respeito, em virtude de três considerações. A primeira refere-se às vantagens de tomar ainda maior consciência de que não pode fazer-se impunemente uso das diversas categorias de seres, vivos ou inanimados - animais, plantas e elementos naturais - como bem lhe parecer, em função das próprias exigências económicas. A segunda consideração funda-se, por sua vez, na convicção, cada vez maior, da limitação dos recursos naturais, alguns dos quais não são renováveis, como se diz. Usá-los como se fossem inexauríveis, com absoluto domínio, põe em perigo seriamente a sua disponibilidade, não só para a geração presente, mas sobretudo para as gerações futuras. A terceira consideração relaciona-se directamente com as consequências que têm um certo tipo de desenvolvimento, quanto à qualidade da vida nas zonas industrializadas” (SRS 34).
É também por isso que João Paulo II condena as concepções iluminista, que supõe um processo rectilíneo, quase automático e de per si ilimitado, e economicista, a da mera acumulação de bens (SRS 27), contrapondo a concepção cristã de desenvolvimento nas suas várias dimensões (ver comentário CinV (8)), e destacando a sua ligação íntima com a obra da Criação e com o mandato divino de a continuar: “A história do género humano delineada pela Sagrada Escritura, mesmo depois da queda no pecado, é uma história de realizações contínuas, que, embora postas sempre em crise e em perigo pelo pecado, se repetem, se enriquecem e se difundem como resposta à vocação divina, assinalada desde o princípio ao homem e à mulher (cf. Gn 1,26-28), e impressa na imagem por eles recebida. É lógico concluir, ao mesmo para os que crêem na Palavra de Deus, que o "desenvolvimento" de hoje deve ser considerado como um momento da história iniciada com a criação e continuamente posta em perigo pela infidelidade à vontade de Criador, sobretudo por causa da tentação da idolatria; mas que corresponde fundamentalmente às premissas iniciais. Não cumpriria a vontade de Deus criador quem quisesse renunciar à tarefa, difícil mas nobilitante, de melhorar a sorte do homem todo e de todos os homens, sob o pretexto do peso da luta e do esforço incessante de superação, ou mesmo pela experiência da derrota e do retorno ao ponto de partida. Quanto a este ponto, na Encíclica Laborem Exercens, fiz referência à vocação do homem para o trabalho, a fim de acentuar o conceito de que é sempre ele o protagonista do desenvolvimento”(SRS 30).

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