divórcio ou casamento eterno?...

2009-10-16

CinV (35) Progresso e Caridade (nº 19)

O subdesenvolvimento não tem apenas e primariamente causas do âmbito material. Há outras causas bem mais gravosas e com efeitos mais profundos.

1ª A falta de vontade política em resolver o problema. Aliás esta fora já uma queixa de João Paulo II: “Se durante os anos decorridos desde a publicação da Encíclica de Paulo VI o desenvolvimento não se verificou — ou se verificou em medida escassa, irregular, se não mesmo contraditória — as razões não podem ser só de natureza económica. Como já se fez alusão, acima, intervêm nele também motivações políticas. As decisões que impulsionam ou refreiam o desenvolvimento dos povos, outra coisa não são, efectivamente, senão factores de carácter político. Para superar os mecanismos perversos, já recordados, e substituí-los com outros novos, mais justos e mais conformes ao bem comum da humanidade, é necessária uma vontade política eficaz. Infelizmente, depois de se ter analisado a situação, é forçoso concluir que ela foi insuficiente” (SRS 35). Foi insuficiente e continua insuficiente. Veja-se, a título de exemplo, o que se passa com os Objectivos do Milénio, aprovados pela ONU em 2000: erradicar a pobreza extrema e a fome; alcançar o ensino primário universal; promover a igualdade de género e dar poder às mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater a Sida, a malária e outras doenças; assegurar a sustentabilidade ambiental; promover uma parceria mundial para o desenvolvimento. O que se tem feito? Com que eficácia? E a que velocidade?

2ª Bento XVI encontra uma outra causa “no pensamento, que nem sempre sabe orientar convenientemente o querer; por isso, para a prossecução do desenvolvimento, são necessários «pensadores capazes de reflexão profunda, em busca de um humanismo novo, que permita ao homem moderno o encontro de si mesmo» (PP 20)”. Isto é, temos muitos técnicos mas poucos sábios. Já o Concílio reconhecia que “nosso tempo precisa de uma tal sabedoria, para que se humanizem as novas descobertas dos homens. Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria. E é de notar que muitas nações, pobres em bens económicos, mas ricas em sabedoria, podem trazer às outras inapreciável contribuição” (GS 15).

3ª “A falta de fraternidade entre os homens e os povos” (PP 66) é talvez a causa mais profunda, já que sem um espírito de fraternidade falta a solidariedade, a compaixão, o cuidado pelo outro, a preocupação pelo bem de todos e de cada um: “Esta fraternidade poderá um dia ser obtida pelos homens simplesmente com as suas forças? A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade. Esta tem origem numa vocação transcendente de Deus Pai, que nos amou primeiro, ensinando-nos por meio do Filho o que é a caridade fraterna”.
Esta expressão deveria fazer-nos meditar profundamente: a nossa sociedade, com todo o seu aparato jurídico quando muito torna-nos vizinhos (e às vezes bem mauzinhos!) mas nunca nos tornará irmãos. Enquanto não sentirmos a sociedade como uma comunidade moral em vez de apenas jurídica jamais conseguiremos construir uma comunidade à medida da pessoa, de todas as pessoas e da pessoa na sua totalidade.
Este é um contributo imprescindível que o cristianismo e outras religiões têm de dar: todos somos filhos do mesmo Pai e, portanto irmãos e herdeiros de Terra que é de todos, com igual direito à felicidade. A fundamentação cristã da igual dignidade entre todas pessoas assenta em três argumentos muito fortes e que não dependem das qualidades nem dos méritos de cada um: todos fomos criados por Deus à sua imagem e semelhança; todos fomos redimidos pelo sangue de Cristo e todos somos chamados à felicidade eterna. Não precisamos de converter ninguém a esta certeza, mas temos a obrigação acrescida de a testemunhar e colocar como norma suprema da nossa vida nas nossas relações com os outros e no nosso compromisso “único e insubstituível” para a construção de um mundo e de um futuro melhores, em colaboração e diálogo leal com todos os homens e mulheres de boa vontade.

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