Bolinhosween
Neste fim de semana fui dar uma voltinha por este nosso Portugal. E uma das coisas que me chamou a atenção foi verificar que o antigo costume infantil dos “bolinhos e bolinhós” fora entusiasticamente substituído por um novo costume: crianças e adultos percorriam as ruas em pequenos grupos com carantonhas importadas das Américas.
Não é que eu seja um esforçado amante dos “bolinhos”, mas não deixa de ter um significado, talvez mais profundo do que parece, esta colonização do Halloween.
A minha “admiração” vem da facilidade com que ignoramos costumes nossos com longa tradição por outros vindo de longes terras. Vistas bem as coisas, nem sei por que me hei-de admirar depois de ver a sofreguidão com que se bebe uma Coca-cola, se espera na bicha de um Mac-drive, se importa a modalidade dos mac-jobs, tal como importámos telenovelas brasileiras e recentemente séries americanas.
De qualquer modo, admiro-me (ainda mantenho alguma capacidade de me admirar, às vezes de boca aberta, outras do fundo do coração) com a facilidade com que somos levados, como comunidade, por estas e outras coisas mais ou menos inofensivas.
Acusar-me-ão de não ter percebido a força da globalização, a pressão tão irresistível da publicidade que transforma insignificâncias em necessidades fundamentais, as poderosas TIC (tecnologias de informação e comunicação). É possível! Mas a verdade é que, embora procure estar aberto ao ritmo do mundo, quando vejo desaparecer algo que fez parte da minha história pessoal, sinto que um pouco de mim se perdeu. Pieguices… mas a verdade é que me sinto muito filho do passado, com o que teve de bom e de mau, apesar de querer muito ser filho do presente para poder ser, também, muito filho do futuro.
O Halloween não tem importância. É só um motivo para falar de outras coisas muito mias importantes, como a minha (nossa) identidade. Hoje parece que só sabemos viver o presente (imediatismo), que é reaccionário olhar o passado (quem quer voltar àqueles tempos tão “fechados” com talas de valores a tolher-nos a insatisfação "ulisseica" de saber o desconhecido e o desejo de sermos prometeicos?) e que é “utópico” olhar o futuro (ainda não existe, esquecendo, voluntariamente ou não, que somos nós os seus fazedores). O pior é que assim ficamos sem saber fazer as perguntas certas, tão simples quanto eternas, “donde venho?” e “para onde vou?”, sem cujas respostas não posso responder ao “quem sou?”. Será por isso que a humanidade anda à deriva sem bússola num mar encapelado por constantes desafios e Adamastores?
Para mim, recordar e sentir-me filho do passado não significa, longe disso, que as soluções para os problemas de hoje têm de ser as do passado. Mais: acredito que as soluções do passado tiveram a sua época, responderam a desafios específicos desse tempo, cumpriram a sua missão e fazem parte, agora, do museu da história. Por isso, uma das minhas preocupações como católico é que a Igreja não tenha (pelo menos, parece não ter) capacidade de “perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de forma a poder responder, de modo adaptado a cada geração, às interrogações permanentes dos homens” (GS 4). Talvez, porque, lá bem no fundo, não acredita que “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS 1). Ou, pior ainda, porque está tão virada para o seu passado normativo (estruturas, doutrina. dogmas) e não para o único eterno, que é Jesus, o Cristo, que mal vê o presente e, quando o vê, ele já passou a passado.
Não discuto a criatividade de iniciativas do tipo “Sentinelas de amanhã”, de várias dioceses italianas: substituir as caveiras ou máscaras “irreverentes próprias das festas de Halloween” por histórias e virtudes dos santos da preferência de cada um, festejando o Holyween. Até porque, há alguma diferença entre hallow e holy?
O que está em jogo é "só" a nossa fidelidade a Jesus Cristo e aos homens e mulheres de hoje.
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