divórcio ou casamento eterno?...

2009-11-06

CinV (42) Centralidade da pessoa

Todo o nº 25 tem como pano de fundo uma ideia estruturante de toda a encíclica. Trata-se da centralidade da pessoa como critério último e permanente que deve presidir e definir toda a actividade e toda a organização das políticas económico-sociais, até porque a pessoa, contra o que parecem indicar muitos agentes económicos, é o “principal capital”: “Queria recordar a todos, sobretudo aos governantes que estão empenhados a dar um perfil renovado aos sistemas económicos e sociais do mundo, que o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: «com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social» (GS 63)” (25).
Aliás já João Paulo II insistira muito nesta ideia central: “Efectivamente, a riqueza principal do homem é, em conjunto com a terra, o próprio homem. É a sua inteligência que o leva a descobrir as potencialidades produtivas da terra e as múltiplas modalidades através das quais podem ser satisfeitas as necessidades humanas. É o seu trabalho disciplinado, em colaboração solidária, que permite a criação de comunidades de trabalho cada vez mais amplas e eficientes para operar a transformação do ambiente natural e do próprio ambiente humano” (CA 32).
Tudo o que fomos construindo ao longo da história foi obra das pessoas, da pessoa. Naturalmente tivemos que contar com um conjunto de instrumentos, mas também estes foram inventados, descobertos e construídos pelo homem. Naturalmente que a técnica e os saberes foram fundamentais, mas tanto uma com os outros foram resultado da criatividade, da reflexão, do estudo. do trabalho do homem. Também é certo que descoberta puxa descoberta, saber puxa saber, mas o motor desta espiral é a inteligência e o engenho humanos. As empresas, mais ou menos deslocalizadas, só existem porque há pessoas a trabalhar nelas, desde os gestores, os administradores aos trabalhadores “mais simples”. Não há actividade humana que não tenha por detrás de si uma pessoa.
Por isso não se percebe, mesmo que olhemos apenas numa perspectiva meramente economicista, por que se desperdiça tanto o trabalho humano, por que há tanto desemprego, por que não se “aproveita” o saber e o saber fazer que todos nós, com mais ou menos talentos, temos. É um dos mistérios (ou talvez não) da moderna organização sócio-económica.

Para os cristãos a actividade humana adquire um valor transcendente e torna-se um dever irrenunciável, pois resulta do mandato divino de continuarmos a obra criadora, mesmo nas mais pequenas coisas: “Uma coisa é certa para os crentes: a actividade humana individual e colectiva, aquele imenso esforço com que os homens, no decurso dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida, corresponde à vontade de Deus. Pois o homem, criado à imagem de Deus, recebeu o mandamento de dominar a terra com tudo o que ela contém e governar o mundo na justiça e na santidade (Gn 1,26s). Isto aplica-se também às actividades de todos os dias. Assim, "os homens e as mulheres que, ao ganhar o sustento para si e suas famílias, realizam as suas actividades de modo a bem servir a sociedade, podem ver, com justiça, no seu trabalho um prolongamento da obra do Criador, um serviço aos seus irmãos e uma contribuição pessoal para a realização dos desígnios de Deus na história” (GS 34).

Esta perspectiva é hoje particularmente importante, porque no passado outros foram os factores a que se deu prioridade: “Mas é importante notar a existência de diferenças específicas entre essas tendências da sociedade actual, e as do passado, mesmo se recente. Se outrora o factor decisivo da produção era a terra e mais tarde o capital, visto como o conjunto de maquinaria e de bens instrumentais, hoje o factor decisivo é cada vez mais o próprio homem, isto é, a sua capacidade de conhecimento que se revela no saber científico, a sua capacidade de organização solidária, a sua capacidade de intuir e satisfazer a necessidade do outro” (CA 32).

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