CinV (46) Manutenção da vida: luta contra a fome (nº 27)
Antes propriamente de comentar este nº da encíclica, gostaria de fazer uma reflexão prévia sobre pobres e pobreza.
Começo por me situar. Não sou pobre. Nunca fui pobre. Tive dificuldades para tirara um curso universitário. Mas nunca passei fome, nem dormi na rua. Por isso, não sei o que é ser pobre. Assim sendo, tem pouco significado o que diga sobre este tema. Porque é um conhecimento teórico, embora ele me entre todos os dias pelos olhos dentro.
E, no entanto, este é o tema sobre o qual mais tenho escrito e falado. E falei tantas vezes de pobre, de opção pelos pobres, que estou a ficar enxuto de palavras, como a viúva fica sem lágrimas de tanto chorar. Reconheço que é muito grave que já não saiba o que hei-de dizer sobre o assunto mais sério por que passa a humanidade. Já procurei mudar de palavras, alterar o estilo, renovar o modo de abordagem, mas os resultados cabem numa mão cheia de nada.
No meu último livro sobre a DSI introduziu duas "novidades", que causaram estranheza e até objecção de alguns leitores.
A primeira tem a ver com o título “Em nome de Jesus Cristo”. A esta observação é muito fácil de responder e passo a palavra ao meu advogado, João Paulo II: “Daqui resulta que a doutrina social, por si mesma, tem o valor de um instrumento de evangelização: enquanto tal, anuncia Deus e o mistério da salvação em Cristo a cada homem e, pela mesma razão, revela o homem a si mesmo. A esta luz, e somente nela, se ocupa do resto: dos direitos humanos de cada um e, em particular, do “proletariado”, da família e da educação, dos deveres do Estado, do ordenamento da sociedade nacional e internacional, da vida económica, da cultura, da guerra e da paz, do respeito pela vida desde o momento da concepção até à morte” (CA 54). É, portanto, à luz de Jesus Cristo, que a DSI procura iluminar todos os âmbitos da vida e da sociedade. É certo que para muitos cristãos, o critério habitual é a voz do dono do partido ou a sugestão subliminar da propaganda ou a pressão da opinião dominante. Mas, nada disto pode ser o critério último, pois como diz Bento XVI: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (DCE 1). Isto é, o encontro com Jesus Cristo
A segunda tem a ver com a colocação lógica dos valores e princípios da DSI. Comecei, como todos, pela dignidade da pessoa, critério primeiro na avaliação de qualquer gesto, acontecimento, legislação ou decisões pessoais e dos vários poderes políticos. E imediatamente a seguir coloquei a “opção pelos pobres”. Geralmente esta opção, em documentos oficiais e nos outros, aparece como consequência ou corolário da solidariedade ou do destino universal dos bens. Mas eu penso que a esta opção radical pelos pobres não é, não pode ser, mero corolário de nenhum outro princípio ou valor. Faz parte da natureza e da essência da Igreja, tanto como as suas outras características de una, santa, católica e apostólica. Felizmente que encontrei um teólogo que diz isso mesmo mas de modo mais científico: “A opção pelos pobres não significa um processo exclusivamente pastoral, de extensão da Igreja a mais um novo campo de evangelização, mas significa fundamentalmente um processo interno de mudança radical e de conversão profunda da Igreja na sua totalidade. A opção pelos pobres não é para a Igreja uma opção acidental, preferencial ou privilegiada, mas uma opção constitutiva, estrutural e essencial” (P. Richard).
Dada a importância do assunto, gostaria de desenvolver um pouco mais a razão de ser desta minha posição, meramente pessoal, mas que julgo bem fundamentada.
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