Cinv (47) Opção pelos pobres
O meu grande argumento é que esta é a opção radical do nosso Deus: se Deus não optasse pelos pobres não seria Deus. Nos três Códigos legislativos do AT, Javé “justifica”, embora com cambiantes diferentes, essa sua prioridade pelos pobres:
- no Código da Aliança (Ex 21-34), no qual se privilegia a vida em detrimento da propriedade: “Não oprimirás nem humilharás o emigrante porque emigrantes fostes vós no Egipto. Não explorarás as viúvas nem os órfãos, porque, se os exploras e eles me gritarem por auxílio, eu escutá-los-ei. Acender-se-á a minha ira e far-vos-ei morrer à espada, deixando as vossas mulheres viúvas e os vossos filhos órfãos” (Ex 22,20-23);
- no Código Deuteronómico (Dt), revisão da antiga tradição legal feita depois da destruição da Samaria, que contém muitas leis destinadas a garantir uma economia que permita aos pobres ter uma vida minimamente digna: “Não defraudarás o direito do migrante e do órfão nem tomarás como penhora as roupas da viúva; lembra-te que foste escravo no Egipto e que lá te redimiu o Senhor teu Deus; por isso eu te mando que cumpras esta lei” (Dt 24,17s);
- no Código de Santidade (Lev 17-27), pós-exílico: “Eu sou o Senhor, vosso Deus, que vos tirei do Egipto para vos dar a terra de Canaã e ser vosso Deus. SE o teuirmão empobrecer, junto de ti, e se se vender a ti, não exigirás dele um trabalho de escravo.Estará contigo como um jornaleiro, comoum inquilino, servirá em tua casa até ao ano do Jubileu. Então sairá de tua casa, assim como os seus filhos; voltará para a suafamília e recobrará os bens de seus pais. Porque são meus servos, que fiz sair da terra do Egipto, não devem ser vendidos como se vende um escravo. Não o domines com dureza para temeres o teu Deus... Porque os israelitas me pertencem como servos: são servos meus, que tirei do Egipto. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 25,38-43.55).
É esta a atitude de Javé que, por exigências da Aliança, todo o israelita deve pôr em prática. Se não o fizer o seu culto nunca será aceite (cf., por exemplo, Is 1,11-20).
Por isso, o AT apresenta uma concepção de justiça muito diferente da nossa. A justiça não é primariamente o direito daqueles que possuem, mas é, antes de tudo, o direito daqueles que nada têm, o direito que tem qualquer membro da comunidade em dificuldade pelo simples facto de pertencer à comunidade. Não se trata tanto de uma justiça de troca, mas de dom (Dt 24,19-22; Lv 19,9s). Esta justiça não humilha porque é fruto de um direito daquele que recebe: um direito que nasce não da propriedade e do contrato, mas da simples necessidade. Por isso,
- não se fala do direito do possuidor mas antes do direito do que nada possui (Dt 24,10-13,6; Am 4,1-3; 5,11-15; 8,4-7);
- não se exclui o estrangeiro (Ex 23,9), o mais desprotegido dos cidadãos;
- não se faz acepção de pessoas (Dt 10,17-18).
O fundamento deste direito do pobre está, como já vimos, na condição de estrangeiro que o povo israelita tinha no Egipto e da qual Javé o libertou: "Não oprimirás nem humilharás o emigrante porque emigrantes fostes vós no Egipto" (Ex 22,21; cf Dt 24,17-18).
Esta atenção especial aos que sofrem é, insisto, uma opção querida por Deus, é uma característica essencial de Deus. Temos aqui uma nova imagem de Deus. Um Deus que não é neutro, que intervém na história, optando gratuita e livremente não pelos poderosos, mas pelos oprimidos: neste caso, contra o faraó. “Deus é o Deus que faz justiça, no tempo presente e no tempo futuro, a favor dos pobres, para que se estabeleça em Israel um ideal de fraternidade e de amor. E nisto reside precisamente a diferença com a literatura pré-clássica, porque, enquanto nesta, os faraós e os poderosos providenciam em ajudar os necessitados numa sociedade de classes injusta, imutável e permanente, na Bíblia, a legislação é contra o sistema de classes: as leis do código da aliança, referentes aos escravos, ao ano sabático, aos privados de terra e de bens, têm por fim favorecer a igualdade e acabar com as diferenças sociais” (Carreira das Neves).
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