CinV (48) SOLIDARIEDADE DA VERGONHA
Nem de propósito (refiro-me à coincidência dos meus apontamentos sobre a fome) decorreu em Roma a Cimeira Mundial sobre a Segurança Alimentar, que abordou três dos principais desafios deste século, intimamente interligados: a segurança alimentar, a biodiversidade e as alterações climáticas.
Dos líderes do G20 e do G8 poucos se dignaram aparecer. Aliás, mesmo quando aparecem, é para prometer o que não têm intenção de cumprir, sobretudo quando se trata de pobreza. Há cerca de dez anos, todos os países se comprometeram, na ONU, com a aplicação, em prazos bem definidos, dos Objectivos do Milénio. O primeiro deles é (era) “erradicar a pobreza extrema e a fome”, para metade, até 2015. Este objectivo está a ser escandalosamente ignorado. Mais de mil milhões de pessoas continuam a não ver estas duas metas satisfeitas. A principal causa é a falta de vontade política dos governantes e dos governados, sobretudo dos países desenvolvidos.
O que quero destacar nesta Cimeira é a participação de Bento XVI, que quis estar presente para chamar a atenção para este gravíssimo problema, para recordar que “a fome é o sinal mais cruel e concreto da pobreza. Não é possível continuar a aceitar a opulência e o desperdício, quando o drama da fome adquire cada vez maiores dimensões”. Foi lá para interpelar solenemente os governantes (e, no fundo, cada um de nós): “O que pode orientar a conduta dos Estados no que diz respeito às necessidades dos mais pobres?”
Mas antes de responder, o Papa quis chamar a atenção para o aspecto fatalista que tanto sossega a nossa consciência quando falamos de pobreza. Por isso, recordou que “existe o risco de que a fome se considere como algo estrutural, parte integrante da realidade socio-política dos países mais débeis, objecto de um sentimento de resignada amargura, se não de indiferença. Não é assim, nem deve ser assim. Para combater e vencer a fome é essencial começar por redefinir os conceitos e os princípios aplicados até agora nas relações internacionais, assim como responder à pergunta: o que pode orientar a atenção e a consequente conduta dos Estados relativamente às necessidades dos últimos? A resposta não se encontra na linha de acção da cooperação, mas nos princípios que devem inspirá-la: só em nome da comum pertença à família humana universal se pode pedir a cada povo, e portanto a cada país, que seja solidário, isto é, esteja disposto a assumir as responsabilidades concretas perante as necessidades dos outros, para favorecer uma verdadeira partilha fundada no amor.
O Papa, por tem uma visão universal dos problemas, não podia deixar de recordar a importância que neste assunto representam o mundo rural e os escandalosos subsídios oferecidos aos agricultores ricos do Norte que “afundam” ainda mais os países pobres do Sul: “Para combater a fome promovendo um desenvolvimento humano integral é também necessário entender as necessidades do mundo rural, assim como impedir que a tendência a diminuir as ajudas dos doadores crie incertezas no financiamento das actividades de cooperação: deve evitar-se o risco de que o mundo rural possa ser considerado, de modo míope, como una realidade secundária. Ao mesmo tempo, deve favorecer-se o acesso ao mercado internacional dos produtos provenientes das áreas mais pobres, hoje em dia obrigados a estreitas margens. Para alcançar estes objectivos é necessário resgatar as regras do comercio internacional da lógica do lucro, como um fim em si mesmo, orientando-as em favor da iniciativa económica dos países mais necessitados de desenvolvimento, que, dispondo de maiores entradas, poderão caminhar para a autosuficiência, que é o prelúdio da segurança alimenta.”
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