divórcio ou casamento eterno?...

2009-11-26

CinV (54) Direito à vida

A discussão sobre o direito à vida não pode esgotar-se no aborto e na eutanásia. Deve estender-se a todo o arco da vida humana, como aliás, agora, já é frequente nos documentos do Magistério. Contudo, a minha reflexão de hoje tem subjacente esta redução, até porque se trata de um assunto importante no diálogo da Igreja com a sociedade.
Numa sociedade secularizada e plural nas suas opções éticas, tenho sempre dificuldade em discutir este tema porque não sei se estamos a fazê-lo no plano ético ou legislativo e porque me sinto muito dividido e com mais dúvidas do que certezas quanto à legislação humana.
Claramente, e não só como cristão, para mim não há dúvidas, quando me coloco no plano ético. E considero que a Igreja deve ser fiel às suas convicções, procurando estar aberta aos sinais dos tempos, dada a sua historicidade, e ser capaz de responder de modo adequado a cada época às eternas questões das pessoas (cf. GS 4).
O Concílio, na linha de uma tradição bimilenar, definiu o aborto como “crime abominável” (GS 51). E sobre isto não tenho dúvidas, embora não possa nem deva condenar ninguém.
No plano legislativo, se bem entendo, o que se tem discutido, utilizando uma linguagem popular, é se a mulher que aborta (o homem, nestas coisas, não é considerado, como se nada tivesse a ver com o caso!) deve ou não ser penalizada. São usados argumentos de ordem higiénico-sanitária, do âmbito psicológico e também do exercício da “compaixão”, área a que sou muito sensível, dado o exemplo de Jesus. Essa sensibilidade pode encontrar-se também no próprio Código de Direito Canónico: por um lado, faz uma afirmação absoluta - “Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae” (can. 1398) - que naturalmente vincula todos os católicos; por outro, apresenta 10 circunstâncias atenuantes (can. 1324) e 7 nas quais não há lugar a qualquer pena (can. 1323). Se a Igreja reconhece tantas atenuantes, é aceitável que uma sociedade civil, onde se cruzam tantas mundividências, aprove legislação, que seja, embora sempre no plano da penalização civil e nunca no ético, diferente da da Igreja.
Além disso, a própria Igreja admite situações em que este direito pode ser preterido: uma, muito recordada, é, embora apenas em situações extremas, a da aceitação da pena de morte (Catecismo, nº 2267). Mas há outras situações, muito mais delicadas e difíceis de entender pelos não cristãos. Uma é a morte pelo martírio em defesa da fé: “a vida do corpo na sua condição terrena não é um absoluto para o crente, de tal modo que lhe pode ser pedido para a abandonar por um bem superior” (EV 47). Aliás, absoluto, para nós, só Deus. Um outro exemplo: a morte é aceitável e até recomendada, embora de outros tempos (agora não sei como é!?), quando está em perigo a preservação da virgindade, de que S.ta Maria Goretti é o exemplo mais conhecido.

O debate complica-se com o problema do início da vida, que para mim é a concepção. Mas nem todos os legisladores pensam o mesmo. Nem todas as instâncias internacionais sabem bem quando começa a vida humana. Há até moralistas católicos que falam não do momento da concepção, mas da nidificação. Aliás, a Igreja, que sempre condenou o aborto, logo desde o princípio, com o “não matarás o filho no seio de sua mãe” (Didaké I,2; datado de finais do séc. I, inícios do II), proclamou, num dos concílios de Mâcon (séc. VI), se não estou em erro e cito de cor, que “a alma era infundida por Deus no corpo do “homem” 30 dias depois da concepção e no da “mulher”, 40 dias depois (!?)”.
Concluindo: 1) sou decididamente contra o aborto; 2) particularmente os cristãos devem ter consciência que qualquer lei despenalizadora não autoriza nenhum cristã(o) a praticar o aborto; 3) sinto-me dividido, no plano cívico, porque é minha obrigação cristã amar toda a gente, nomeadamente estas mulheres, vítimas de circunstâncias várias e tantas vezes em condições que escapam ao seu controlo, e porque o meu / nosso modelo de vida deve ser o modo como Jesus sempre olhava amorosamente os mais maltratados pela sociedade, civil ou religiosa.

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home