divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-14

CinV (67) Capítulo III

O próprio título “Fraternidade, Desenvolvimento económico e Sociedade Civil”, só por si, faz-nos logo suspeitar da riqueza de temas que serão tratados. Contudo, ainda fica muito por imaginar, pois este capítulo é um verdadeiro entrançado onde continuamente se cruzam e repetem motivos como o dom, a gratuidade, a fraternidade e a justiça em contraponto com o mercado e a globalização económica.
Estes valores, tão queridos para a doutrina da Igreja, tornam-se as ideias força, que, ao longo de todo o capítulo, se vão enredando numa circularidade, mais típica de João Paulo II: a mesma ideia é analisada numa perspectiva, depois aparentemente abandonada, para ser retomada acrescentando algo de novo.
Assim vemos que a “economia da gratuidade e da fraternidade” deve presidir não só à sociedade civil, mas também ao mercado e ao Estado. Até porque “quando o Estado e o mercado se põem de acordo” as consequências prontamente ferem gravemente a cidadania: definha a solidariedade entre os cidadãos, diminui a participação e a adesão ao bem comum, enfraquece o serviço gratuito, que “são realidades diversas do «dar para ter», próprio da lógica da transacção, e do «dar por dever», próprio da lógica dos comportamentos públicos impostos por lei do Estado”. Porque falha no seu fundamento, o mercado ignora o bem comum, separando o “agir económico do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição”. E ao violar a justiça, o mercado põe em causa a coesão social e origina uma grave falta de confiança, ambas, curiosamente, indispensáveis ao seu próprio bom funcionamento. Além disso, a lógica mercantilista não só se opõe à lógica do dom e da gratuidade (e este é “o grande desafio que temos diante de nós”), mas ignora também que toda a decisão económica tem consequências morais, alargando a brecha entre a economia e a ética.
Por isso, este tempo de globalização exige uma nova cultura empresarial, pois “a gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários da mesma, mas deve preocupar-se também com as outras diversas categorias de sujeitos que contribuem para a vida da empresa: os trabalhadores, os clientes, os fornecedores dos vários factores de produção, a comunidade de referência”. Mas requer também profundas mudanças no modo de conceber a empresa. A deslocalização das empresas e a excessiva liberdade do mercado de capitais são particularmente geradoras de injustiças quando se pensa que “investir é apenas um facto técnico e não humano e ético”.
Para se poder dar uma resposta adequada a estes graves perigos exige-se uma “autoridade política” que proceda “à realização duma nova ordem económico-produtiva, responsável socialmente e à medida do homem”. Não é aceitável que a actual economia globalizada elimine a função dos Estados ou os obrigue a uma cooperação mais intensa ao serviço do seu interesse. Os riscos de tal cooperação estendem-se mesmo às ajudas internacionais impedindo-as de “apoiar a consolidação de sistemas constitucionais, jurídicos, administrativos nos países que ainda não gozam de tais bens” e de “reforçar as garantias próprias do Estado de direito”.
A globalização, que está na base de tantas injustiças nacionais e internacionais, “é um fenómeno pluridimensional e polivalente, que exige ser compreendido na diversidade e unidade de todas as suas dimensões”. Os seus riscos e perigos só “poderão ser superados apenas se se souber tomar consciência daquela alma antropológica e ética que, do mais fundo, impele a própria globalização para metas de humanização solidária”.

Procurei, um pouco atabalhoadamente, elencar alguns dos problemas abordados neste capítulo. Agora é tempo de os analisar com mais detalhe.

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