divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-13

Desconstrução da Consciência Ética

Vivemos uma situação de baixa, baixíssima, densidade ética. A nossa sociedade vive sem critérios, num verdadeiro desnorte no rumo a seguir. E não se trata apenas do “cidadão” comum, mas atravessa toda a sociedade até ao topo passando pelos vários níveis intermédios.
Estamos a viver uma das crises mais graves e a pior não será a económica ou financeira. Olhemos os nossos políticos, porque, sendo tão mediáticos, tornam-se exemplo a seguir.
Que regras pautam os partidos? Terão os deputados consciência do que é o serviço público? Que respeito têm uns pelos outros? Estão os nossos governantes a servir o interesse nacional ou a tentar acalmar, com cedências inaceitáveis, os corporativismos tão abundantes na sociedade e sem preocupação com o bem comum? Temos um primeiro-ministro com “falta de carácter”? Se temos, será só ele, ou muitos outros, incluindo os que os acusam? E se temos, por que o elegemos ou isso não tem qualquer significado para nós? Por que é tão difícil legislar contra a corrupção, que tanto mina a nossa sociedade e contamina as relações sociais a todos os níveis? E poderia multiplicar os exemplos "por aí abaixo".

Parece-me que estamos na fase terminal da desconstrução da consciência ética, que deveria presidir à organização da nossa sociedade.
Eu diria que perdemos a noção do “remorso”, uma campainha de alarme da nossa conduta, tal como a dor é um indicativo do nosso estado de saúde. Hoje quase ninguém sente remorso. E, portanto, nada temos a emendar. Habituamo-nos a fazer aquilo de que gostamos, acicatados por uma cada vez mais eficiente máquina geradora de necessidades artificiais, irresistivelmente agradáveis, e por uma indústria de entretenimento assente no estímulo ao uso e abuso de “drogas” alienantes, geradoras de “felicidades” artificiais e efémeras, que só degradam a pessoa e a tornam receptiva ao “vício”. Perante vícios tão atractivos, a “virtude” é preterida, os valores éticos são ignorados e as normas “seguras” para um futuro melhor são abandonadas.
Esta desconstrução nota-se também na dificuldade em suportar qualquer contrariedade ou “sacrifício”. Perdemos o estofo interior para suportar dificuldades, que fazem parte estruturante da vida. Para remediar multiplicamos as substâncias psicotrópicas e anti-depressivas.

Consequência desta falta de remorso e da incapacidade de aceitar ser contrariado, o outro está a tornar-se para nós um adversário ou um inimigo. Começámos pelo individualismo, que se fechava em si mas ainda via gente à sua volta, passámos ao indiferentismo que, se vê, não olha, para acabarmos no desejo de abater o outro. A situação piora, quando o outro tem ideias diferentes das minhas. Este é um dos grandes dramas da nossa vida política: há intervenientes que não consideram os outros como colegas de caminhada para a construção de um país mais justo, mas inimigos a abater ou até a “ferir de morte”. Bento XVI diz que “a sociedade globalizada faz-nos vizinhos mas não irmãos” (CV 19). Mas eu penso que nem vizinhos somos, pois não conhecemos os que vivem perto e até sucedeu já alguém morrer em sua casa e os vizinhos só descobrirem dias, meses ou até anos depois. Que vizinhança é esta!?

Neste contexto, a atribuição do Prémio Pessoa a D. Manuel Clemente ganha um significado muito relevante. Ele foi escolhido pelo seu sentido de humanidade, bom senso, atenção aos sinais dos tempos de cada instante histórico, espírito aberto sempre preocupado em fazer pontes, pela sua intervenção decidida contra a exclusão e marginalização, a sua capacidade de tolerância, a sua coragem de dar sempre a cara na defesa dos seus princípios. E até a sua noção de felicidade é instrutiva: “estar com as pessoas”; "estar" no sentido de “serviço, de promoção e desenvolvimento”.
D. Manuel Clemente, nesse seu “firme propósito” de simplicidade, humanidade e sentido de serviço, é um bom exemplo para imitarmos na luta contra este marasmo que nos cerca. O seu Prémio é um desafio para ele, mas sobretudo para todos nós, incluindo os seus colegas bispos.

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