divórcio ou casamento eterno?...

2009-12-15

CinV (68) Estilo circular

Até agora tenho procurado analisar a encíclica número a número, mas neste capítulo vou sentir dificuldade dado o modo de exposição, a que ontem chamei de circular. Isto significa que cada número não trata apenas de um assunto, seguindo um método pedagógico, mas vai utilizando os vários conceitos, intercambiando-os ou associando-se de modos variados, repetindo-os em contextos diferentes. Este é um aspecto que deverá ser tido em conta na leitura da encíclica.
Mesmo correndo o risco de me repetir, gostaria de exemplificar o que acabo de dizer com o modo como aparecem e se articulam, por exemplo, o dom, a gratuidade e a fraternidade, valores que tornam este um dos capítulos mais interessante do ponto de vista doutrinal, insistindo na lógica da gratuidade, que contrapõe a qualquer outra e que considera indispensável estender a todos os âmbitos da vida pessoal e social.

Logo a abrir temos uma associação clara entre dom e gratuidade em contraposição com a mentalidade utilitarista da vida: “A caridade na verdade coloca o homem perante a admirável experiência do dom. A gratuidade está presente na sua vida sob múltiplas formas, que frequentemente lhe passam despercebidas por causa duma visão meramente produtiva e utilitarista da existência” (34).
A esta trilogia acrescenta pouco depois a justiça, colocando-a ao mesmo nível: “a unidade do género humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação da palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que o desenvolvimento económico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade” (34).
Como se de uma sinfonia se tratasse, introduz uma “nova variação” ao falar de “uma economia da gratuidade e da fraternidade” que deve regular não só a sociedade civil mas também o mercado e o Estado, associando-lhe um novo conceito, o da “reciprocidade fraterna” (38), em contraponto com o actual espaço económico onde predomina uma lógica mercantilista, que tende a espalhar-se por todos os âmbitos da vida pessoal e social. Por isso, insiste que também “nas relações comerciais, o princípio de gratuidade e a lógica do dom como expressão da fraternidade podem e devem encontrar lugar dentro da actividade económica normal. Isto é uma exigência do homem no tempo actual, mas também da própria razão económica.” (36).

Por aqui se vê, como não é fácil a análise número a número. Contudo, cada número tem cambiantes e novidades que a visão de conjunto nem sempre permite destacar.
Dada esta justificação, vou preparar-me para continuar estas minhas notas sobre uma encíclica que merece uma leitura cuidada e que, como já foi dito por vários comentadores e políticos, é uma contributo fundamental, neste tempo de crise, não só porque aponta as causas mas sobretudo porque propõe soluções.

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