divórcio ou casamento eterno?...

2012-11-16

Confusões

Como disse, Jesus ensinou-me quem era o Pai, sobretudo com a parábola do Filho pródigo. Mas na minha oração, eu, com relativa frequência, confundia Jesus e o Pai. Nas palavras ou nos silêncios a confusão aparecia. Só de passagem, acho que só comecei a rezar realmente, quando estabeleci ou aceitei esta relação eu-tu, com Jesus ou com Deus.
Afinal o próprio Jesus já deixara clara essa “confusão”: “Disse-lhe Filipe: «Senhor, mostra-nos o Pai e isso nos basta!» Jesus disse-lhe: «Há tanto tempo que estou convosco e não me ficaste a conhecer, Filipe? Quem me vê, vê o Pai. Como é que me dizes então ‘mostra-nos o Pai’? Não crês que Eu estou no Pai e o Pai está em Mim? As coisas que Eu vos digo não as manifesto por Mim mesmo: é o Pai que, estando em Mim, realiza as suas obras. Crede-me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim»” (Jo 14,8-11). Jesus está tão intimamente ligado ao Pai que quem vê um vê o outro. É essa intimidade que o leva a dizer “Abbá”.
E nos permite que também nós tratemos Deus por “Abbá”, Pai, paizinho, ao ensinar-nos o “Pai-nosso”. De qualquer maneira não tenho ideia de inicialmente ter percebido que aquele “nosso” do Pai-nosso não era um adjectivo majestático mas uma real extensão a todos da sua qualidade de filhos de Deus. Foi noutro contexto que eu interiorizei essa ideia. Talvez porque o Pai-nosso era uma oração tão repetida que eu a dizia sem pensar. Este era um dos perigos da catequese do “meu tempo”: decorar fórmulas de que não sabíamos o significado; memorizar a letra da doutrina sem descer ao espírito, repetir e “saber de cor a doutrina”. Ainda me lembro de ficar perplexo por Deus “ser encarnado” e não de outra cor qualquer. Parece anedótico, mas não é. Durante algum tempo também me era difícil de entender porque seria Nossa Senhora bendita “em três (entre) mulheres”. Por que apenas entre três mulheres e que mulheres? Felizmente que estes casos concretos rapidamente se esclareceram. Mas estes são exemplos ridículos de muitos outros não tão ridículos que me/nos foram ficando da catequese da minha infância. Muita ganga foi preciso tirar para chegar ao miolo, ao essencial. Como poderia viver-se um cristianismo a sério nesses tempos?!
Mais tarde, encontrei passagens nas quais S. Paulo explicava esta “extensão” do Pai a todos nós. Na carta aos romanos: “Todos os que são movidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Na verdade, vós não recebestes um espírito de escravos para cair de novo no temor; recebeste, pelo contrário, um espírito de filhos adoptivos, pelo qual chamamos «Abbá, Pai». O próprio Espírito atesta, em união com o nosso espírito, que somos filhos de Deus e, se somos filhos, somos também herdeiros. Herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois sofremos com Ele para também com Ele sermos glorificados” (Rom 8,14-17). Na carta aos gálatas: “Mas, ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, submetido à Lei para remir os que estavam sob a Lei a fim de que recebêssemos a adopção filial. E, porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama «Abbá, Pai», de modo que já não és escravo, mas filho; e, se és filho, também és herdeiros, pela graça de Deus” (Gal 4,4-7).
Uma outra ideia que nestas passagens me chamou a atenção foi a da passar de servos/escravos (no grego, doulos) que têm medo a filhos que têm amor. Aos filhos dá-se mais que aos servos: “Pois Deus não nos deu um espírito de timidez (ou melhor, cobardia: deilía), mas de fortaleza, amor e domínio próprio. Portanto não te envergonhes de dar testemunho de nosso Senhor” (2Tim 1,7-8a).
E chamou-me a atenção porque eu utilizava muitas a palavra de Lucas: “Somos servos (escravos, mas não se pode seguir sempre uma tradução literal!) inúteis, que fizemos o que tínhamos de fazer” (Lc 17,10). Não gostei, a princípio, daquele “inúteis”, mas acabei por assumir a situação como disponibilidade para cumprir a vontade de Deus. Mas havia aqui coisas que não percebia. E fiquei a saber que ler a Bíblia poderia tornar-se um exercício complicado. Mas nem por isso deixava de ser a Palavra de Deus, que me animava, me dava forças e segurança.
Alguns anos depois de ter saído do Seminário, voltei lá para ir fazendo algumas cadeiras. E escolhi começar pelas que tratavam das várias secções da Bíblia. Claro que não fiquei a saber muito mais, até porque não as fiz todas pois entretanto surgiram afazeres familiares que me impediram de continuar. Mas ajudou-me um pouquinho.

0 Comentários:

Enviar um comentário

<< Home