divórcio ou casamento eterno?...

2012-11-10

ILETRADO DA VIDA


Bom dia!

Já não venho aqui há bastante tempo. Coisas de saúde ou… de falta dela. E de algumas sequelas dessa falta. Em fins de maio fiz uma operação da qual ainda não me recompus.
Entretanto, entre altos e baixos, fui pensando, o que às vezes não tem sido fácil. Vou partilhar, ao sabor da espuma dos dias, algumas dessas reflexões.
Tenho pensado na minha vida, nas sete décadas da vida que tive e que tenho. E pouco a pouco fui-me dando conta de que sou um iletrado da vida. Isto é, não se trata de não saber ler ou escrever, trata-se de não saber como viver o dia a dia sobretudo quando as dificuldades surgem e se demoram a martirizar-nos. Esta minha dificuldade prende-se certamente com uma vida “boa” que tive: nunca passei fome, passei alguns anos sem grande carinho (quando saí de casa para estudar), tive uma ou outra doença mais ou menos banais, mas nunca fui submetido a duras penas que, penso eu, teriam ajudado a temperar a minha resistência às inevitáveis dificuldades da vida. E agora perante uma situação desconfortável, de limitações físicas, que me incapacitam de me deslocar, sinto essa dificuldade saltar-me para a vontade de fazer coisas, de me entusiasmar com o que antes me motivava, e até para a vontade de pensar ou de escrever. Certamente isto terá também a ver com a velhice que vai surgindo lentamente, mas que também poderá ser desencadeada por algum factor como uma doença mais grave. Não sei. É nesta fase do pensar-me que me encontro.
A primeira leitura da liturgia de hoje, tirada de uma carta de S. Paulo, dá uma achega ao meu debate interno: "No meu caso, aprendi a ser autónomo nas situações em que me encontre. Sei passar por privações, sei viver na abundância. Em toda e qualquer situação, estou preparado para me saciar e passar fome, para viver na abundância e sofrer carências” (Fil. 4,12). Este aprender a bastar-se a si próprio não se resume a um mero exercício físico (e até nisso fui falhando sobretudo a partir de uma dada altura porque tinha quem me “tratasse da vida”), vai muito para lá disso: é uma disposição subjectiva em virtude da qual a pessoa sabe viver sabiamente (passe a tautologia) com a sua sorte, sabe ser “manso” no sentido evangélico (cf Mt 5,5; 11,29), sabe dar a volta às situações de modo a tirar delas o melhor proveito e não se deixar abater por essas contrariedades. Eu pensava que estava preparado para isso. E agora verifico que não, que não sei viver “na pobreza e na abundância”. Verifico que me falta essa “autarkía”, essa auto-suficência, virtude tão do agrado dos filósofos estóicos. Eu gostaria agora de tê-la aprendido não no sentido da auto-suficência absoluta, tipo “o sábio é o que se comporta como um relógio nas tempestades: continua a marcar os minutos com regularidade”. Mas antes, e volto a citar S. Paulo: “De tudo sou capaz naquele que me dá força” (Fil 4,13).
E esta justificação de Paulo atira-me para outra dimensão e para outra reflexão. Afinal o que significa Deus para mim? O que faço da “força que ele me dá”? Quem é Deus sobretudo no silêncio da noite ou na passagem por algum deserto ou na beleza de um espectacular pôr de sol? Onde está Ele nos momentos mais difíceis? Mas tem que estar? E como? O que significa a palavra do próprio Jesus, também em dificuldades: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Mas terá mesmo abandonado? Certamente que me abandonou se eu espero que Ele me cure, altere as leis naturais da evolução natural do meu corpo.
Então como me acompanha Ele? E aqui surge o problema da fé. Como acredito? O que exijo de Deus? Quem é Deus para mim? Não estou a fabricá-lo à minha medida? Mas a fé não é fazer de Deus meu criado. A fé é crer no Grande Mistério, que nos acompanha sempre, sem sabermos bem como. É a medida da nossa fé que nos permite superar estas perguntas interesseiras, este Deus-ao-meu-serviço. Sempre escrevi e falei contra esta antropomorfização de Deus, essa captura de Deus na lâmpada de Aladino. E acredito num Deus que eu não entendo mas que me ama amorosamente, que me ama amorosamente como Zé … embora isto seja mais fácil de escrever que de viver.
Isto tudo para dizer que também esta fase me está a ajudar a purificar a minha fé e a aprofundar a minha ideia de DEUS. Também em coisas de fé me sinto iletrado: acredito que Deus é Pai, é Amor, é o Senhor da história. Acredito porque nos foi revelado por Jesus Cristo, “o Filho único que no-lo deu a conhecer” (Jo 1,18). O problema é que muitas vezes acredito mais com a inteligência do que com o coração. E isso tem a ver com a espiritualidade, para a qual somos tão mal preparados, ou, pelo menos eu, me sinto mal preparado ou iletrado.

E já estou outra vez cansado!!!

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