divórcio ou casamento eterno?...

2012-11-20

Deus

Estas minhas “confusões” que referi (à falta de melhor termo) foram (e são) importantes para ir crescendo na fé. O itinerário para e com Deus é um caminho que se vai fazendo caminhando. Nele encontrei de tudo: rectas abertas que me extasiaram, ambientes repousantes que me deram a paz e o sossego, curvas que me entonteceram e às vezes desesperaram. Mas tudo isto vai purificando o meu conceito de Deus, como amigo íntimo ou como o Grande Mistério. É um caminho sempre novo. E único pois cada um faz a sua caminhada única e irrepetível na busca desse Deus que me/nos busca. Ao mesmo tempo que eu ia aprofundando os meus conhecimentos (da inteligência e do coração) sobre Jesus e ia enriquecendo a minha relação eu-Tu com Jesus e com o Pai de Jesus, era-me apresentado um (o) Deus transcendente, tão transcendente que não o podíamos descrever, imaginar, entender em toda a sua dimensão infinita. O Indizível. “Deus é inacessível. Não repares, portanto, no que as tuas faculdades podem compreender nem os teus sentidos experimentar, para que não te satisfaças com menos e assim perderes a presteza necessária para chegares a Ele” (S. João da Cruz) Havia aqui uma outra “confusão” para o meu espírito. Esta situação decorria também das primeiras palavras do Pai-nosso. “Pai Nosso que estás nos céus”. Estar nos céus é qualquer coisa de longínquo, de afastado, lá no alto. Até porque, na altura (e também agora para alguns) no imaginário dos cristãos, havia uma espécie de tríptico vertical: o(s) céu(s), em cima; a terra, no meio; o(s) inferno(s), no fundo. O Símbolo dos Apóstolos ainda tem reminiscências disto: “foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos (descendit ad inferos); ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. Esta imagem também não ajudava muito, pois não nos era explicado, por exemplo, o que significava “sentado” ou “à direita do Pai”. E assim era a minha catequese, ou antes, o que eu ia “percebendo”. Por isso, estas orações tornavam-se uma repetição corrosiva. Esta imagem transcendente de Deus e de Jesus ocupava muito espaço na catequese e na formação. Era quase um monofisismo que esquecia que Jesus, além de Deus, era homem de carne e osso. Então apareceu a tradução portuguesa de um livro de Nikos Kazantazkis, “A Última Tentação”. Embora podendo cair no outro monofisismo (apenas o lado humano), foi um livro que me apaixonou mais por Jesus de Nazaré. Eu precisava também de um Deus humano, que estivesse mais próximo de nós, que não fosse apenas Transcendente. É evidente que o Deus é o mesmo, mas esse mistério da Santíssima Trindade não era (é) muito fácil de entender. Por alguma razão é um mistério. Eu acho que estas “confusões” foram-me ajudando a perceber melhor quão longe eu estava de Deus e como precisava de me aproximar dele cada vez mais. Percebi que estas coisas não eram lineares, que não podia submeter Deus, que não podia pô-lo ao meu serviço, que não o podia normalizá-lo como normalizamos tudo. O que é importante é que eu tenha espaço para Deus, para ouvir o que Ele me diz, para Ele poder estar comigo, para Ele ser Ele e não uma criação minha. Querer aprisionar Deus é um dos grandes perigos de todos os tempos, de todas as hierarquias e de todos os crentes. Voltando às minhas “confusões, aquelas palavras de S. João da Cruz (Monte de Perfección) são significativas pois também elas jogam com “confusões”: “Para chegares a saborear tudo, / Não queiras ter gosto por nada. // Para chegar a conhecer tudo, / Não queiras saber de coisa nenhuma. // Para chegar a possuir tudo, / Não queiras possuir coisa nenhuma. // Para chegares a seres tudo, / Não queiras ser nada. // Para chegares ao que queres, / Hás-de ir por onde não queres. // Para chegares ao que não sabes, / Hás-de ir por onde sabes. // Para chegares ao que não possuis, / Hás-de ir por onde possuis. // Para chegares ao que não és, / Hás-de ir por onde és.” Termino com o belíssimo hino de S. Paulo: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada? (…) Porque estou certo que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, presente em Cristo Jesus Nosso Senhor” (Rom 8, 35.38-39).

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

A simplicidade, a sabedoria e até mesmo a candura com que (te) expões e nos facilitas os caminhos para as nossas procuras e percursos em busca de Alguém que não vemos ou não queremos ver são esmagadoras pela profundidade que lhes está inerente. "Obrigas-nos" a um tempo de silêncio, a um tempo de interioridade, a sair do nosso conforto, do nosso comodismo,... De repente, dei por mim a perguntar: "e comigo como foi?" E é tão difícil clarificar, é tão difícil vencer inércias... Escancaraste as portas e não nos deixaste ficar no nosso cantinho enganador. Entraste candidamente, mas de rompante, para nos desassossegar e inquietar!
Obrigada pela abertura de caminhos.

Lena

21/11/12 05:41

 
Anonymous Anónimo disse...

Muito obrigada por mais esta partilha. O Zé torna muito claro o que é tão complicado. Se tivesse sido há poucos dias ainda tinha sido melhor: há uma frase sua que nos tinha dado um jeitão para a catequese!
Fico à espera do próximo post.
E também espero que o meu comentário não desapareça, porque geralmente entro em conflito com a máquina...
Um abraço.
CG

23/11/12 00:05

 

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