divórcio ou casamento eterno?...

2006-11-30

CV(29) Mimos

Mais uma semana no hospital que passou "na forma do costume" ou talvez melhor do que o habitual.
Neste episódio da minha crónica da vitória (CV) queria, primeiro, recordar os dois irmãos que tiveram de ficar mais algum tempo (um deles até a semana inteira) porque têm tido dificuldade em controlar a febre. Como eu, estariam ansiosos pelos mimos da sua casa, mas tiveram de ficar. Eu, porém, pude vir e nem sempre contabilizo estes pequenos gestos tão importantes para quem está num hospital.
E também dar conta de um episódio que se passou com um outro irmão de enfermaria. Já com a terceira idade às costas, é claramente um homem da civilização rural: é o primeiro a pedir para fechar a televisão e a luz e é sempre o primeior a ir correr o estore para ver o raiar do dia; portanto, trabalhador de sol a sol ou de crepúsculo a crepúsculo. Este seu ritmo circadieno está portanto muito marcado por este fototropismo de que a civilização urbana inverteu a polaridade, certamente pressionada, entre outras coisas, por uma indústria do lazer cujos objectivos me escuso de comentar...
Mas voltando ao senhor António (já agora como mandam as regras, nome fictício), o médico chegou junto dele e deu-lhe a boa nova:
- Já marquei a sua operação. É dia 30 de Novembro.
E acrescentou com o ar de quem dá um rebuçado:
- Pode ir para casa até à vespera!
Antes que o senhor António abrisse a boca, a enfermeira acrescentou lesta:
- A mulher prefere que ele fique aqui, porque, diz ela, se lhe acontece alguma coisa em casa não tem quem a ajude.
Fiquei a olhar e a pensar. Eu estou sempre pronto para vir para casa, porque tenho em casa a segurança e a certeza de que se me acontecer alguém - mulher, filha, irmã(o)s, amigos - me levará em 5 minutos ao hospital; de que tenho n pessoas que me apaparicam, escolhendo a melhor comida, fechando a porta da cozinha por causa dos cheiros, me "proibiem" de descascar batatas porque posso cortar-me.
Mimos atrás de mimos, numa catadupa de exageros, que acabam por me criar dependências abusivas a que nem sempre sei resistir. Qunado esboço uma ligeira recusa logo me cai em cima aquela tirada de alto conteúdo filosófico: "Mimos nunca foram demais".
É... Só que também parece que estão muito mal distribuídos. Não será possível caminharmos para uma democratização do mimo? Democratização aqui quer dizer igualdade de oportunidades! E sem querer lá vem a martelada de S. Mateus: Tinha fome e (não) me destes de comer, ...
Entretanto, o senhor António perguntou lá do fundo dos seus pensamentos:
- Que dia é hoje?
E várias vozes, baralhadas pela rotina de dias passados num hospital:
- 20... 21...
Ganhou o 21.
Então o senhor António começou a desfiar o rosário dos dias - 21, terça; 22, quarta; 23, quinta; 24, sexta; 25, sábado; 26, domingo; 27, segunda; 28; terça; 29, quarta; 30, quinta - e publicitou a sua conclusão:
- Então é de quinta a oito!
Com a seernidade do filósofo e a simplicidade e a paciência do agricultor que lança a semente à terra e espera pacientemente que o tempo faça o seu trabalho.
A simplicidade e apaciência de que eu dou bem fraco testemunho.

2006-11-17

Padres casados

Bento XVI convocou uma reunião ao mais alto nível sobre este problema e temas associados.
Penso que é importante não meter a cabeça na areia mas enfrentar sem dramatismos problemas que realmente existem e devem ser analisados.

1.Relativamente aos padres que não exercem o seu ministério, normalmente porque casaram, gostaria de recordar dois números.
Segundo o Anuário Católico de Portugal (2006), em 2003 havia em todo o mundo 268 041 pares diocesanos e 137 409 "religiosos", o que dá um total de 405 450 padres.
Segundo estimativas que correm pelos jornais, haverá padres sem poderem exercer cerca de 150 000.
Perante tais números, uma Igreja, onde o analfabetismo religioso é aflitivo, deveria pensar bem: ser legítimo ter tanta gente teológica e pastoralmente qualificada sem poder dar o seu contributo, atendendo a que a exigência do celibato nem é evangélica nem existe sequer nas Igrejas católicas do Oriente.

2. Não creio que o celibato seja a principal causa da falta de vocações sacerdotais. Parece-me que haverá outras razões mais fundas:
- dificuldade em aceitar compromissos para toda a vida;
- falta de vitalidade das comunidades cristãs;
- atmosfera relativista e permissiva da sociedade de hoje;
- "falta de fervor cristão";
- dificuldade em evangelizar um mundo em profunda mudança;
- depois haverá outras mais superficiais como a diminuição do estatuto social do clero; a desistência de alguns padres; a falta de modelos fortes de padre visíveis na sociedade de hoje.

3. Como a Eucaristia é o elemento estruturante da Igreja e de qualquer comunidade cristã, é urgente encontrar uma solução para o presidente da Eucaristia. Continuar a exigir um modelo tridentino de presidente celibatário, com não sei quantos anos de estudos teológicos (absolutamente indispensáveis para uma boa catequese, mas não necessários para presidir à Eucaristia) está visto que não resolve.
Uma solução já pedida por muitos bispos consistiria em ordenar como presidente da Eucaristia líderes das comunidades locais, depois de naturalmente uma preparação mínima e desde que sejam "bons" cristãos. Algo que encaixaria numa expresão ambígua mas muito utilizada: viri probati, "homens que deram provas". Homens e... também mulheres, embora devamos ir de forma faseada de modo a não escandalizar uma Igreja onde a esmagadora maioria ainda tem muito de conservadora e cuja trajectória espiritual e eclesial deve ser respeitada.

2006-11-08

CV (28) Escorregadela

Passei o último comentário a referir a minha "valentia" face ao tratamento e afinal logo na semana seguinte o médico informou-me de que, além da hemoglobina bastante baixa, para o que me deu duas unidades, havia o problema da baixa das plaquetas.
Por isso sugeria mais uma semana de recuperação, o que não terá especial incidência no desenvolvimento do tratamento, e mandou-me para casa.
Assim, depois do adiamento de oito dias, voltarei na próxima semana ao hospital, espero eu, para continuar a minha caminhada.
Mais um tópico para a minha reflexão.
É bom que não esqueçamos a nossa finitude e as nossas limitações tão profundas. Além disso, o nosso organismo não é de ferro. E se aguenta durante um certo tempo, também esse tempo é limitado e é bom estarmos sempre preparados para isso. Como, aliás, recomenda a parábola das virgens (im)prudentes .
Entretanto a vida continua e também a luta que, espero eu, se concretiza com resultados positivos. Assim Deus o queira!

A crise do dia a dia

Um dos aspectos que me preocupa na actual situação portuguesa é que as dificuldades económicas nos levam a alimentar mitos e a não tomar as atitudes mais condizentes com a construção de uma sociedade mais justa.
Concretamente
- a ideia que fazemos de Estado, como uma entidade abstracta que nos deve dar todos os serviços que desejamos mas para o qual não temos quaisquer deveres, esquecendo que o dinheiro que o Estado gere é o que sai dos nossos (de todos nós) bolsos;
- a ideia que temos de um igualitarismo, que não dá valor ao mérito e onde todos devem receber o seu vencimento independentemente do modo como trabalham ou não trabalham.
E por outro lado a dificuldade em exercer a cidadania perante um governo nestas circunstâncias: como conciliar a necessidade de denunciar e condenar as decisões injustas e a necessidade de dar um apoio mínimo já que não é possível a nenhum governo tomar decisões difíceis se não tiver o suporte e não sentir um apoio mínimo dos cidadãos?
Gostava de ouvir os meus amigos sobre estas temas.
Escrevi a minha última crónica para o Correio de Coimbra desenvolvendo estes tópicos. Para começar o debate e apresentar a alguém mais interessado os meus argumentos aí lhe deixo o artigo, a que dei o título: "Tempo de crise, tempo de coragem":
Era bom que as crises, das pessoas ou das nações, pudessem terminar pela força da palavra de um ministro ou de um qualquer decreto governamental.
Infelizmente não é assim. E porque não é assim, temos que encontrar soluções ajustadas a estas situações dolorosas e difíceis que, aliás, fazem parte do evoluir da vida e da história.
Os tempos que a nossa sociedade atravessa exigem de todos, governantes e cidadãos, muita coragem, muito discernimento e muito bom senso. Olhando para o nosso quotidiano diria que temos de desmontar um mito, resistir a duas tentações e assumir um compromisso.
Um dos mitos mais perigosos para um bom exercício da cidadania é a ideia que muitos têm do Estado: uma entidade que paira sobre a sociedade e cuja função é pagar os ordenados aos seus funcionários e assegurar a saúde, educação, transportes, segurança social a todos os cidadãos e que, para estes serviços, dispõe de fundos próprios, uma espécie de mina de ouro sem fundo que só a má gestão dos governantes impede de cumprir a sua função. Temos muita dificuldade em interiorizar que o dinheiro, de que o Estado dispõe, lhe é dado por nós, os cidadãos que pagam os seus impostos (porque há cidadãos que procuram fugir a esse dever moral e cívico). Olha a novidade, dir-me-ão. Teoricamente talvez a maioria o saiba, mas a sua prática desmente que realmente acreditem nisto ou até que o reconheçam.
As duas tentações que teremos de evitar prendem-se com a ideia que temos de comunidade e de igualdade. A (nossa) sociedade não pode ser apenas uma entidade jurídica com normas mais ou menos formais, mas "deve ser considerada, antes de tudo, como uma realidade de ordem primacialmente espiritual" (PT 36). A preocupação não pode esgotar-se na atenção aos interesses pessoais ou grupais, mas em estabelecer relações entre as pessoas e os grupos baseadas na verdade, justiça, amor e liberdade (PT 35). Daqui decorrem para os cidadãos obrigações de intercomunicação de bens e dons, resultante da reciprocidade de direitos e deveres, de participação crítica e responsável, pois a vida em sociedade exige a colaboração de todos, e de solidariedade efectiva e honesta.
Um slogan muito batido é o de “a trabalho igual, salário igual”. Nisto estaremos todos de acordo. O problema é que o dito slogan objectivamente quer dizer “a função igual, salário igual”, o que altera substancialmente o seu significado. Porque se é justo que o trabalho igual seja igualmente remunerado, já não é tão claro para a função igual remuneração igual. Todos sabemos que na mesma função há os que assumem a sua tarefa com dedicação, criatividade e capacidade de decisão, os que a assumem apenas com dedicação, os que fazem o indispensável para “não dar muito nas vistas” e até os que não fazem praticamente nada. Daí a reacção tão pronta e violenta à ideia da avaliação (ignoro o argumento clássico de que pode ser mal realizada, já que por esta ordem de ideias nunca se poderia tomar nenhuma decisão pois todas incorporam em si a possibilidade de algum aspecto perverso, que o só os ajustamentos futuros irão rectificando). Se todos fossem cumpridores, por que haveriam de temer-se a avaliação?
Finalmente os tempos de crise exigem uma grande dose de coragem: dos governantes, e dos cidadãos. Aos governantes pede-se que definam políticas capazes de ajudar a sair da crise, saibam resistir às inevitáveis “manifestações de rua” corporativistas, pois as dificuldades sempre criam descontentamento, e dêem prioridade absoluta ao cumprimento da justiça social, com uma especial atenção à pessoas e às regiões mais desfavorecidos. Aos cidadãos pede-se a coragem de não atirarem para os outros o ónus de uma crise, de que todos somos responsáveis (é bom não o esquecer) e que tem que ser distribuída proporcionalmente por todos, pois somos interdependentes e solidários. Mas também devem ter a capacidade de discernimento no sentido de, sem deixarem de estar atentos e de denunciar com veemência às más decisões governativas, serem capazes de perceber as linhas de fundo e, se for caso disso, dar um suporte crítico a quem tem de governar. Pois é absolutamente impossível tomar decisões, muitas delas difíceis, se os governantes não sentirem um mínimo de apoio e de solidariedade nacionais.
Este exercício de discernimento exige coragem mas também informação fidedigna. Infelizmente, demasiadas vezes, nem o governo nem as oposições nem a comunicação social têm sido suficientemente esclarecedores, mais preocupados em destacar aspectos secundários e até insignificantes ou manipular as questões com vista à obtenção de dividendos particulares. Este é também um exercício muito exigente porque, utilizando duas imagens populares, é preciso não confundir a árvore com a floresta nem deitar fora a criança com a água do banho.

CV (27) Um primeiro balanço

Já devia ter vindo aqui dar notícias.
Mas depois de uma semana no hospital demoro algum tempo a reagir e a retomar a normalidade.
Quanto ao meu tratamento, já entrou numa rotina que tem pouco de novidade e não tenho muito para descrever.
Desta vez, porém, o médico veio dizer-me que já tinha os resultados de uma TAC pulomonar feita há cerca de um mês para controle. E começou por uma frase simpática: "Estou muito contente com o resultado, pois algumas manchas pulmonares já desapareceram e a maior está mais pequena. Portanto estamos no bom caminho... Vamos continuar o tratamento".
Curiosamente eu que deveria ter dado saltos de alegria, pois os resultados são animadores, a verdade é que o que reteve a minha atenção foi o "Vamos continuar o tratamento!".
Realmente, apesar de ainda só ter pouco mais de quatro meses de tratamento, sinto alguma saturação, embora me vá animando dizendo que só assim poderei vencer esta doença. E vou procurando não contar o tempo nem imaginar quanto mais terei de continuar. Mas faz-me bem desabafar!
Outro aspecto positivo é que, apesar deste "cansaço da situação" e de um certo cansaço físico que se vai prolongando, as análises feitas mostram que estou a suportar razoavelmente bem o tratamento: sobretudo os parâmetros renais; a nível sanguíneo os valores têm sido mais baixos, mas não muito afastados do normal.
Para mim este aspecto é também muito importante, porque o médico, antes de começar a quimio, disse-me: "Em princípio este tratamento tem muitas hipótese de permitir controlar (não disse curar!?) a situação, mas há uma condição: é saber se você aguenta o tratamento!".
Graças a Deus e apesar de todos estes enjoos e más disposições tenho ido resistindo. E peço a Deus que assim continue. Mas Ele lá sabe...