divórcio ou casamento eterno?...

2007-02-20

Quaresma

Vou aproveitar esta semana para dar umas voltas.
Antes, porém, gostaria de partilhar estas palavras de S. João Crisóstomo para irmos meditando durante a Quaresma. São tiradas da Homilia L das dedicadas ao Evangelho de S. Mateus

E não pensemos que basta para a nossa salvação apresentar no altar um cálice de ouro e pedrarias depois de termos despojado viúvas e órfãos. Se queres honrar a Eucaristia, apresenta a tua alma, pela qual foi oferecida. A tua alma é que há-de ser de ouro. Pois se ela é pior que o chumbo ou que uma pedra, de que vale então o vaso de ouro? Não nos preocupemos apenas em apresentar vasos de ouro mas vejamos se procedem do justo trabalho. Porque mais precioso que o ouro é o que nada tem a ver com a avareza. A Igreja não é um museu de ouro e prata, mas uma reunião de anjos. Almas é o que precisamos pois Deus as prefere aos vasos sagrados.
Não era de prata a mesa nem o cálice no qual o Senhor, na última ceia, deu aos seus discípulos o seu próprio sangue. E, no entanto, que precioso era tudo aquilo e que venerável e quanto estava cheio do Espírito Santo! Quereis verdadeiramente honrar o corpo de Cristo? Não consintais que permaneça despido. Não o honreis com roupas de seda aqui dentro, enquanto, lá fora, o deixais perecer de frio e nudez. Porque o mesmo que disse: "Este é o meu corpo" e com a sua palavra firmou a nossa fé, é o mesmo que disse: "Vistes-me com fome e não me destes de comer".
O sacramento não necessita de preciosos ornamentos mas de uma alma pura; os pobres, pelo contrário, precisam de muito cuidado. Aprendamos, pois, a pensar discretamente e a honrar Cristo como ele quer ser honrado. Porque para quem se quer honrar, a honra mais grata é a que ele mesmo quer, não a que nós imaginamos. (...)
Ao falar assim, não é minha intenção proibir que se façam semelhantes oferendas. O que peço é que, conjuntamente com elas, e mesmo antes delas, se pratique a esmola. Num caso só quem dá é que aproveita; no outro, aproveita quem dá mas também quem recebe. Nas oferendas pode tratar-se apenas de ostentação; na esmola, a caridade é tudo. Que aproveita ao Senhor que a sua mesa esteja cheia de vasos de ouro se Ele se consome de fome? Sacia primeiro a sua fome e, depois do que sobrar, ornamenta a sua mesa. Fazes um copo de ouro e não dás um copo de água fria? E que proveito haverá em cobrir o seu altar com panos recamados de ouro se a Ele não o procurais nem lhe arranjais abrigo? (...)
Pensa tudo isto de Cristo. Ele anda errante e peregrino, necessitado de tecto, e tu, que não o acolhes a Ele, entreténs-te a ornamentar o pavimento, as paredes e os capitéis das colunas e em dependurar lâmpadas de ouro. Mas a Ele não queres nem vê-lo nas cadeias da prisão.

2007-02-16

Dois anos de Quioto

Faz hoje dois anos que entrou em vigor o protocolo de Quioto.
Só quero deixar algumas perguntas:
- temos consciência de que cada um dos nossos gestos tem repercussões irreperáveis no estado do nosso planeta?
- alguma vez pensamos que cada gesto destruidor do ambiente põe em causa as gerações futuras?
- temos consciência de que as gerações futuras estão ainda mais desprotegidas que o feto na barriga da mãe?
- estamos disponíveis para aceitar medidas drásticas que os governos necessitem implementar para nos obrigar a cumprir o protocolo de Quioto, já que por vontade nossa, continuaremos com o mesmo estilo de vida?
- e já agora: o que está cada um de nós a fazer para melhorar o ambiente?

2007-02-15

The day after 2

Algumas comunidades e grupos católicos vão deparar-se com um problema delicado.
O facto de muitos votarem Não, alguns votarem Sim e outros se terem abstido pode ser ocasião ou para uma caça ás buxas ou para o revigoramento da fraternidade eclesial.
Temos aqui um verdadeiro desafio para provar a autenticidade do nosso viver o Sermão da Montanha:
"Amai os vossos inimigos" (Mt 5,44), que neste caso deve ser traduzido por "Amai os que não têm a mesma opinião que vós" é um grande desafio sobretudo numa comunidade em que todos amam Jesus Cristo que quer que "nos amemos uns aos outros como Ele nos amou" (Jo 13,34).
O "não julgueis" (Mt 7,1-5) torna-se também muito ou ainda mais complicado porque um grupo pode julgar-se na posee da verdade mais que o outro. Para esta situação talvez valha a pena ter em conta alguns pontos:
- este referendo não era sobre a moral cristã;
- esta matéria, não sendo um dogma de fé, deve também ter em linha de conta a evolução dos saberes científico, antropológico, filosófico, teológico e a leitura dos sinais dos tempos (cf. GS 4);~
- o cristianismo não é tanto uma ética (que também é) mas sobretudo o seguimento de uma Pessoa, Jesus Cristo; e aqui podemos perguntarmo-nos: quem ama mais (ou melhor) Jesus Cristo: os do não, os do sim ou os que se abstiveram?
- em casos de divergência a Gaudium es Spes dá regras muito oportunas:
Muitas vezes, a concepção cristã da vida incliná-los-á para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis, porém, com não menos sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente. Embora as soluções propostas por uma e outra parte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos facilmente vinculadas à mensagem evangélica, devem no entanto, lembrar-se de que a ninguém é permitido, em tais casos, invocar exclusivamente a favor da própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre esclarecer-se mutuamente num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de mais, ao bem comum. (GS 43)
Em virtude da sua missão de iluminar o mundo inteiro com a mensagem de Cristo e de reunir num só Espírito todos os homens de qualquer nação, raça ou cultuta, a Igreja constitui um sinal daquela fraternidade que torna possível e fortalece o diálogo sincero.
Isto exige, em primeiro lugar, que, reconhecendo toda a legítima diversidade, promovamos na própria Igreja a estima mútua, o respeito e a concórdia em ordem a estabelecer entre todos os que formam o Povo de Deus, pastores ou fiéis, um diálogo cada vez mais fecundo. Porque o que une entre si os fiéis é bem mais forte do que o que os divide: haja unidade no necessário, liberdade no que é duvidoso e em tudo caridade (GS 92);
- finalmente há os exemplo que a Bíblia nos fornece:
- a 1ª leitura de domingo: David poupa a vida a Saul (1Sam 26);
- Rom 14.
- e já agora, Deus não faz acepção de pessoas (Act 10,34), nem nos incumbiu de arrancar o joio que cresce no meio do trigo (Mt 13, 24ss), por um razão muito simples: é que só Ele sabe verdadeiramente o que é joio e o que é trigo.

The day after 1

Terminado o referendo, para lá de vários que teremos de ir fazendo agora a propósito da lei gostaria de deixar três notas:
1ª O grau de tolerância que de um modo geral se verificou, durante a campanha e no rescaldo dos resultados foi elevado. Felizmente enganei-me e ninguém foi buzinar para a Baixa. E isto foi muito bonito.
2ª Os católicos não devem sentir-se derrotados nem desmoralizados (porque não estava em referendo a moral católica e portanto o aborto para os católicos continua a ser um pecado grave)... antes pelo contrário (porque, como cidadãos que são, deram o seu contributo para o debate propondo com dignidade o seu ponto de vista).
3ª Além disso, penso que os católicos tiveram uma dupla vitória:
- da parte da Igreja em geral as intervenções nao foram impositivas; parece que começamos a perceber nomeadamente a hieraraquia (apesar de alguns exageros iniciais) que vivemos numa sociedade plural e que portanto a opinião da Igreja não tem que prevalecer, mas é uma entre outras. Deve ser proposta, "oportuna e inoportunamente", mas não imposta;
- neste campanha, a palavra e a iniciativa foram dos leigos, que souberam mobilizar-se sem esperarem "ordens superiores"; e isto era uma exercício pouco frequente na Igreja, contrariamente ao que proclamou o Concílio:
As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da fé e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em idear novas iniciativas e levá-las à realização. Compete à sua consciência previamente bem formada, imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre (GS 43).

2007-02-09

Aborto. 7. Balanço de véspera

Em vésperas de referendo e depois de ouvir tantas coisas de um lado e de outro, vou fazer o meu balanço. Não vou repetir as razões pelas quais sou contra o referendo (ver Aborto 1.) e que poderão levar-me, de uma forma consciente e não por medo de tomar uma decisão, à não participação. Se participar, são as seguintes as condicionantes para o meu voto.

A distinção entre vida e vida humana (um dos argumentos do SIM) parece-me artificial: por exemplo, se “vida humana” significa ter a autonomia suficiente, que permita ser um sujeito (agente da história) livre (imune de coacções ilegítimas) e consciente (sabendo o que está a fazer) (a “minha” definição de ser humano), até onde teríamos de ir?

A vida tão defendida pelo NÃO parece esquecer a qualidade de vida: não basta garantir a vida na barriga da mãe; é preciso que se nasça com garantias mínimas de uma vida digna e em condições de ser o tal “sujeito livre e consciente”. Por isso, eu critico que este esforço se esgote na defesa “desta vida”, esquecendo, por exemplo, a luta contra a pobreza extrema ou contra a poluição que está a degradar o nosso mundo, violando o direito de muitas pessoas que, por ainda não terem nascido, são de todas as mais desprotegidas.

A resposta SIM à pergunta acaba com o aborto clandestino até às 10 semanas, mas permite todos os abortos, podendo criar um direito que será difícil de incluir numa ética de mínimos que qualquer sociedade deve respeitar.

A resposta NÃO à pergunta torna impossível apoiar medicamente a mulher que aborta e há circunstâncias, para lá das permitidas pela actual lei, em que o aborto se torna inevitável.

Pessoalmente sou defensor de um modelo tipo alemão: a mulher, antes de abortar, tem uma moratória durante a qual é acompanhada, num Centro especializado, para reflectir e analisar calmamente as várias opções, liberta de pressões exteriores e da angustiante solidão para decidir. Embora o SIM não garante nada disto, abre essa possibilidade.
É que ficarmo-nos pelo aborto é muito pouco e não vai resolver eficazmente o problema, porque não ataca as suas causas. Fica-se pelos efeitos.
Há, pois, todo um trabalho enorme a fazer a montante: informação adequada, educação sexual séria e integrada, valorização da maternidade, legislação que defenda a mulher grávida, adequada rede de creches, políticas familiares transversais, isto é, que se harmonizem com políticas habitacional, de transportes, de serviços, … Ora estas medidas já podiam ter sido tomadas pelos actuais deputados. Por isso, é legítimo suspeitar se, mesmo no caso de ganhar o SIM, eles não irão apenas legislar sobre o aborto (descriminalizando-o nas dez semanas), deixando tudo o resto na mesma. Ora a parte substancial do problema está nesse resto que só não foi já abordado, porque os que o podem fazer não quiseram.

O facto da Igreja católica se ter intrometido no debate veio exacerbar alguns intervenientes. A Igreja tem naturalmente o direito e o dever de proclamar a sua doutrina, não para a impor mas para dar o seu contributo. Assim como os que não concordam com a Igreja têm o direito e o dever de afirmar a sua opinião, não para a impor mas para dar o seu contributo. Tal como a Igreja não deve condenar os outros, também os outros não têm o direito de a condenar. Até porque não só ninguém tem a verdade toda, como a nossa não é necessariamente a melhor. Por isso era já tempo de todos acabarmos com esta visão maniqueísta da história.

Contudo, o que me preocupa não é o problema ético, porque este é da esfera individual e está ligado a uma ética de máximos que só obriga quem adere a uma religião.
O que me preocupa é o conteúdo da ética de mínimos que deve regular a sociedade: ao ignorar a vida do feto (caso do SIM) podemos entrar num plano inclinado em que o sentido da vida se vai diluindo, tal como ao absolutizar esta vida (caso do NÃO), corremos o risco de degradar a qualidade de vida ao longo de toda… a vida.
Este debate não é (só) um problema de fé; é um problema de cidadania, de organização social onde há crentes e não crentes, todos com o mesmo direito a dar o seu contributo, de acordo com a sua consciência. Ao Parlamento cabe definir, no confronto dos vários pareceres e opiniões, o mais adequado para que a nossa sociedade seja o mais justa, o mais solidária e o mais humana possível.

2007-02-08

Aborto. 6: Pluralismo

Num dos comentários anteriores, coloquei uma questão, que merece um esclarecimento.
A resposta ao referendo pode ser sim ou não mesmo para os católicos porque não põe em questão o núcleo duro da fé.
Um dos problemas mais confusos para muitos católicos é o desconhecimento de que há uma hierarquia de verdades. Isto é, nem todas "valem" o mesmo.
O que um católico efectivamente não pode pôr em questão é o núcleo duro, que está compendiado no Credo.
Naturalmente que depois há círculos concêntricos cada vez mais alargados cujo grau de adesão é crescentemente menos exigente e onde o papel da consciência de cada um tem um papel fundamental, como aliás na aceitação ou não do núcleo duro. Até porque ninguém é obrigado a ser católico para se salvar. Os caminhos da salvação são múltiplos e os mais diversificados e só Deus os conhece.
Claro que, como disse no referido comentário, cada um deve ter o cuidado de formar adequadamente a sua consciência, sobretudo quando se diz "aderente" a uma crença ou a uma religião.
Mas cada um de nós, mesmo quando entra na Igreja é convidado a tirar o chapéu não a cabeça.
Neste refrendo é importante que não se confundam as coisas e se respeite a liberdade que a fé deixa a cada um.

2007-02-07

Aborto. 5: O que é a vida que está em debate

É muito importante este ponto, porque considero que talvez esteja aqui a maior divergência entre os apoiantes sinceros do Não e os do Sim.
Os apoiantes do Não parecem muito subsidiários da doutrina da Igreja que durante muitos anos defendeu o direito à vida “apenas” em dois momentos chave: “na barriga da mãe” (aborto) e no leito do moribundo (eutanásia). E continua com algumas incoerências: pena de morte que apesar de muitas vozes em contrário se mantém no Catecismo da Igreja Católica (nº 2267) ou a recusa do preservativo considerado hoje um factor importante na defesa contra a Sida.
Os apoiantes do Sim parecem valorizar toda a vida e as suas difíceis circunstâncias, secundarizando excessivamente porque são fundamentais, estes dois momentos.
E, no entanto, aqui cito João Paulo II, “o titular deste direito é o ser humano, em todas as fases do seu desenvolvimento, desde a concepção até à morte natural, e em todas as suas condições, tanto de saúde como de doença, de perfeição ou de deficiência, de riqueza ou de miséria” (ChL38; cf. GS 27).
Não é este o caminho que deveria ser seguido? Não é pouco humano dar excessiva importância ao argumento de que não se sabe quando começa a vida? A vida, julgo eu, começa num momento de ruptura com o não vivo e não a meio de um processo de crescimento. Será tão importante centrar a discussão sobre o sistema nervoso central: quando funciona (em plenitude?)? Não estaremos a reificar demasiado o ser vivo?

Aborto 4: Algumas perguntas

Será que o embrião/ feto é apenas uma “coisa” com que a sociedade não tem que se interessar e que a própria mulher pode jogar fora só porque veio em má altura ou, pior ainda, não lhe apetece ter um filho?

Admitir o aborto sem quaisquer condicionalismos, não é transformar o aborto num simples contraceptivo, numa altura em que já há tantos?

Proclamar sem mais “Sim ao Aborto” não é contribuir para uma cultura da irresponsabilidade sobretudo entre a malta nova? Que tipo de valor pela vida estamos nós a transmitir, num tempo em que a cultura da morte é mais valorizada que a cultura da vida? Exemplos: a maneira assassina como se conduz nas estradas, a falta de segurança no trabalho; a facilidade com que se mata para roubar meia dúzia de euros numa bomba de gasolina; o Bullying, mas também, agora a nível da qualidade de vida, a violência com que resolvemos assuntos particulares, a violência doméstica, etc..
Não será altura de implementar, para lá de uma informação bem estruturada, uma mais eficaz e séria educação sexual (que não se resuma a ensinar a pôr o preservativo nem se fique pela genitalidade, mas também não esqueça o “sexo seguro”), uma educação para a valorização do “ter filhos” e da família não apenas como realização pessoal mas como responsabilidade social?

Será o argumento da humilhação da mulher de maior peso que a morte de um (potencial) ser vivo?

Ficarão salvaguardados os gravíssimos problemas resultantes de abortos clandestinos, quando se sabe que é exactamente a partir das dez semanas que o aborto se torna particularmente complicado, já que antes das dez semanas bastará um tratamento medicamentoso, que deve naturalmente ser devidamente acompanhado, enquanto que depois desta data é exigida uma intervenção cirúrgica?

Como podem, concretamente os católicos, serem tão taxativamente pelo Não, e não lutarem, com igual veemência e empenho, contra a lei eclesiástica que proíbe os contraceptivos artificiais, possivelmente uma das principais causas de gravidezes indesejadas entre os católicos?

Num mundo onde há tantas dificuldades, tanta falta de apoio e de acolhimento, onde está a nossa capacidade de manifestar a misericórdia infinita de Deus que perdoa à mulher adúltera?

E já agora uma questão muito delicada para os católicos: bastará apelar à sua consciência e ignorar a doutrina da Igreja?
- cada um de nós será julgado pela sua consciência e o julgamento da sua consciência é superior a qualquer imposição exterior; esta é uma doutrina segura e indiscutível. Argumentos:
- “Mais vale obedecer a Deus que aos homens” (Act 4,19; 5,29);
- “No íntimo da sua consciência, o homem descobre a presença de uma lei que ele não deu a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz, impelindo-o a amar e a realizar o bem e a evitar o mal, ressoa no momento oportuno na intimidade do seu coração: “Faz isto, evita aquilo”. Porque se trata de uma lei inscrita por Deus no coração do homem, no seu cumprimento está a dignidade humana e é segundo ela que será julgado” (Gaudim et Spes, 16; sublinhado meu);
- “Recebida uma ordem encontramo-nos num dilema: se formos contra a nossa consciência, pecamos; se desobedecermos ao nosso superior, também pecamos. Dos dois, o primeiro é pior pois que o ditame da consciência vincula mais que o decreto da autoridade exterior” (S. TOMÁS DE AQUINO, Questiones disputatae XVIII, de Veritate, 5);
- MAS como formamos a nossa consciência: apoiados na opinião dominante, na publicidade, no politicamente correcto, naquilo que mais me agrada (eu quero; eu posso)? Qual é o factor de maior peso: o dos valores tradicionais, baseados na sabedoria dos povos e das religiões, ou o dos novos valores que querem fazer avançar a humanidade para novos caminhos e se sentem manietados pelo peso do passado? Como concilio estes dois contributos?
Até porque novos caminhos aí vêm: eutanásia, poligamia ,..

2007-02-06

Aborto: 3. Abuso dos Partidos

A que propósito vêm os partidos como tal ocupar os tempos de antena? Não é o referendo um instrumento de cidadania que foi criado (pensava eu!?) para a sociedade civil se exprimir em liberdade e não estar sistematicamente condicionada pelos dirigentes nacionais dos partidos que sabem tudo sobre tudo, que não deixam o cidadão pensar, que têm as respostas certas e os argumentos irrefutáveis?
Depredadores para quem qualquer coisa serve para sacarem mais um tempo de antena: que excelente conceito de participação cívica e de democracia participativa, com que muitos dirigentes partidários enchem a boca mas, como se vê, é só palavreado (Não são eles profissionais do discurso!?)!

Aborto: 2. A pergunta

Este comentário sobre a pergunta é uma demonstração clara da segunda razão que atrás aduzi contra o referendo.
Eu que também sou claramente pela despenalização da mulher, preferia uma pergunta deste tipo:
Concorda com a despenalização da mulher que, por opção sua, realiza a interrupção voluntária da gravidez, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Apesar de ela me colocar um problema: devido ao pressuposto atrás enunciado, sinto dificuldade em aceitar que o aborto se faça sempre que a mulher assim decida, sem qualquer limitação, no que parece uma liberalização total sem condicionantes.
Mas reconheço que mesmo esta pergunta não é suficiente, porque se o aborto é crime a mulher não pode ir a um estabelecimento oficial cometer um crime, pelo qual depois será despenalizada. Portanto entendo que a pergunta deva ter uma formulação como a que tem:
Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado.
Mas a pergunta assim incide claramente sobre o aborto e, como explicou Vital Moreira, um reputado jurista, o que subjaz à pergunta é a descriminalização do aborto. Ora para mim, como cidadão e sobretudo como crente, o aborto é um crime. Aceito perfeitamente que para outros não seja. Têm o mesmo direito que eu a ter a sua opinião. Assim como reconheço, pela doutrina da legítima autonomia das realidades terrestres (GS 36), que o Parlamento tem toda a legitimidade para tomar a posição que achar mais adequada para o bem da sociedade e dos seus cidadãos. Mais, o Parlamento é a instância apropriada para o fazer, no confronto dos vários pareceres, todos eles, não duvido, igualmente honestos e preocupados com a resolução de um problema social e pessoal muito grave, pesando as várias dimensões e circunstâncias sobre a matéria. É, por isso, a instância apropriada para encontrar as soluções mais adequadas para a despenalização da mulher sem, assim eu gostaria, descriminalizar o aborto, nomeadamente acrescentando novas circunstâncias atenuantes, para lá das três já existentes na lei.
Mas eu, como cidadão, que não quero descriminalizar o aborto, que para mim significa eliminar um ser vivo, mas quero despenalizar a mulher, o que vou fazer, perante a pergunta em apreço, que, por muito que se diga, não é tão clara nem tão inequívoca como alguns afirmam?

Aborto: 1:Legitimidade do Referendo

Devo dizer que tinha decidido só falar deste tema, depois do referendo, por duas razões.
Primeira: Porque, possivelmente, como nos diz o passado, depois do referendo, os vencedores vão buzinar para a Baixa (“somos campeões!”) e os vencidos recolhem a casa para se refazerem do cansaço; mas o fundo da questão já não vai interessar a ninguém. Apetecia-me chamar um nome feio a isto, mas vou ver se me porto bem e me deixo de moralismos!
Segunda: Porque, pessoalmente não considero legítimo o referendo, porque se o referendo quer abordar
- a dimensão ética: as normativas morais/éticos não são referendáveis;
- a dimensão legislativa: há instâncias próprias da sociedade para o fazer, além de que a complexidade não permite a um simples inquérito público dar especial contributo;
- a dimensão política: seria transformar a questão numa luta partidária e na exploração da emotividade popular, como a realidade veio lamentavelmente confirmar e ultrapassar as minhas expectativas.
Tem-me sido contraposto que, mesmo que tenha razão, a verdade é que o referendo está aí e que não votar seria demitir-me da minha condição de cidadão. Embora não concorde de todo com esta posição (porque se acho que este referendo não é legítimo deveria coerentemente recusá-lo), admito que há algum fundamento para tal argumentação.
Por outro lado, decidi-me a dar a minha opinião porque vários amigos insistiram que, mesmo que não fosse votar, devia dar a minha opinião e contribuir para o debate, nem que seja só para discordar do Referendo.
Assim sendo, vou fazer alguns comentários, mas quero deixar claro desde já que parto de um pressuposto básico: eu acredito que há vida desde a concepção até à morte natural. E ainda mais agora que senti tão de perto o valor da vida, este pressuposto adquiriu uma força acrescida.

CV (33) Boa nova

Pois, foi ontem ao almoço que a Fátima, minha mulher, interrompeu a refeição para dizer:
- Tenho uma boa notícia. O TAC que o pai fez revelou que já não tinha manchas pulomonares. O médico deu-lhe três meses sem tratamento, no final dos quis vai reeptir o TAC para ver aevolução da situação.
Ficámos todos meio sem jeito a absorver a informação.
Interiormente não senti campainhas a tocar, estrelas a brilhar, risos a soar. Nada de especial. Apenas os olhos ficaram ligeiramente marejados de lágrimas e as pernas tiveram uma ligeira tremura. Depois foi de novo o mesmo que antes.
Pelo meio um simples "Louvado seja Deus!".
Depois começamos a congratularmo-nos e os risos vieram-nos à cara.
Mas... eu continuava sem grande reacção.
A única coisa quer decidi foi avisar os amigos.
Então fui pensando que certamente todos ficariam contentes, que passariam a estar mais alegres, que a dor que foram partilhando comigo iria desaprecer por algum tempo pelo menos.
Pensei no que seria bom para minha mulher que todos os dias de hospital dava voltas à cabeça para me arranjar uma comida que me soubesse bem, se levantava mais cedo para inclusivamente me levar o pequeno almoço. Como seria libertador para ela não ter de me obrigar a comer e sujeitar-se a ouvir uma palavra minha azeda e mal criada. Como seria repousante para ela não estar todos os dias com aquele a tensão que era ver-me mal e às vezes tão antipátrico.
Pensei nos meus filhos que davam a sua juda à mãe, não só indo de vez em quando levar-me a comida e visitar-me, mas, espero, fazendo um esforço para que a mãe pudesse suportar melhor a sua cruz.
Pensei na minha irmã que praticamente todos os dias ia visitar-me e ajudar a Fátima a levar por vezes a comida e a sua tentativa de inventar comidas que eu suportasse, incluindo as papas.
Pensei nos outros irmãos que iam ou telefonavam todos os dias a dar força.
Pernsei especialmente na minha mãe que não só sofre corajosamente em silêncio com a doença do filho, mas sofre sobretudo por não poder visitar-me, estar ao pé de mim, dar-me forças com a sua presneça sempre amorosa e compreensiva. O que ela deve ter sofrido por não poder estar junto do filho!
Pensei em tanta gente que me telefonava a saber do meu estado de saúde e que depois comunicava a outros.
Pensei também nos médicos e enfermeiros para quem as melhoras de um doente seu são sempre uma vitória do seu esforço e dedicação.
Pensei que o mundo está tão cheio de solidariedade, amizade, dedicação e que nós encontramos os (tele)jornais tão cheios de manifestações do mal.
Depois, pouco a pouco, fui interiorizando que ia passar três meses sem tratamento, que ia poder ter uma vida quase normal, que, apesar de não poder esquecer que tudo está ainda tão pouco clarificado, estou a passar por um estado de libertação.
Pensei que passou um ano que ando nesta vida e que havia sete meses que mantinha este ritmo: uma semana de tratamento no hospital, duas de recuperação em casa.
Pensei que temos de viver cada dia com mais amor, mais solidariedade, mais participação na construção de um mundo melhor, porque não vamos ficar cá para sempre.
Pensei tanta coisa.
Pensei que o Deus em que acredito é muito bom, porque me deu força para ir suportando tudo isto: a tensão da doença, a agressão do corpo, a reacção psicológica, a dor de fazer sofrer as pessoas que amo muito, a sensação de inutilidade tão derrotista e acabrunhante, a desregulação da vida.
Pensei que sem os amigos possivelmente não teria resistido, pois a minha fé em Deus é demasiado pequena para precisar desses apoios todos.
Pensei num pôr do sol, nas longas viagens de Verão que o ano passado não pude ter,...
Pensei que, apesar de tudo, a vida é bela, cada vez mais bela.