divórcio ou casamento eterno?...

2008-08-18

Tempo de recuperação

Boas férias. Boas, isto é, muita paz, muita alegria e algum tempo para paragem interior.
O stresse e a velocidade não tardam.
Também vou parar duas semanas.
Um abraço para todos e todas.

2008-08-16

Testemunho cristão hoje

Depois de uma referência aos tempos difíceis da queda do império romano do ocidente, é oportuno recordar algumas palavras de Bento XVI proferidas na Homilia no Hipódromo de Randwick (Austrália; 20.Jul.2008).

O amor de Deus pode propagar a sua força, somente quando lhe permitimos que nos mude a partir de dentro. Temos de O deixar penetrar na crosta dura da nossa indiferença, do nosso cansaço espiritual, do nosso cego conformismo com o espírito deste nosso tempo. Só então nos será possível consentir-Lhe que acenda a nossa imaginação e plasme os nossos desejos mais profundos. Eis o motivo por que é tão importante a oração: a oração diária, a oração privada no recolhimento dos nossos corações e diante do Santíssimo Sacramento e a oração litúrgica no coração da Igreja. A oração é pura receptividade à graça de Deus, amor em acto, comunhão com o Espírito que habita em nós e nos conduz através de Jesus, na Igreja, ao nosso Pai celeste. Na força do seu Espírito, Jesus está sempre presente nos nossos corações, esperando serenamente que nos acomodemos em silêncio junto d’Ele para ouvir a sua voz, permanecer no seu amor e receber a «força que vem do Alto», uma força que nos habilita a ser sal e luz para o nosso mundo (…)
Amados jovens, permiti que vos ponha agora uma questão. E vós o que é que deixareis à próxima geração? Estais a construir as vossas vidas sobre alicerces firmes, estais a construir algo que há-de durar? Estais a viver a vossa existência de modo a dar espaço ao Espírito no meio dum mundo que quer esquecer Deus ou mesmo rejeitá-Lo em nome de uma falsa noção de liberdade? Como estais a usar os dons que vos foram dados, a «força» que o Espírito Santo está pronto, mesmo agora, a derramar sobre vós? Que herança deixareis aos jovens que virão? Qual será a diferença impressa por vós?
A força do Espírito Santo não se limita a iluminar-nos e a consolar-nos; orienta-nos também para o futuro, para a vinda do Reino de Deus. Que magnífica visão duma humanidade redimida e renovada entrevemos na nova era prometida pelo Evangelho de hoje! (…)
Uma nova geração de cristãos, revigorada pelo Espírito e inspirando-se numa rica visão de fé, é chamada a contribuir para a edificação de um mundo onde a vida seja acolhida, respeitada e cuidada amorosamente, e não rejeitada nem temida como uma ameaça e, consequentemente, destruída. Uma nova era em que o amor não seja ambicioso nem egoísta, mas puro, fiel e sinceramente livre, aberto aos outros, respeitador da sua dignidade, um amor que promova o bem de todos e irradie alegria e beleza. Uma nova era na qual a esperança nos liberte da superficialidade, apatia e egoísmo que mortificam as nossas almas e envenenam as relações humanas. Prezados jovens amigos, o Senhor está a pedir-vos que sejais profetas desta nova era, mensageiros do seu amor, capazes de atrair as pessoas para o Pai e construir um futuro de esperança para toda a humanidade.
O mundo tem necessidade desta renovação. Em muitas das nossas sociedades, ao lado da prosperidade material vai crescendo o deserto espiritual: um vazio interior, um medo indefinível, uma oculta sensação de desespero. Quantos dos nossos contemporâneos escavaram para si mesmos cisternas rotas e vazias (cf. Jer 2, 13) à procura desesperada de sentido, daquele sentido último que só o amor pode dar!? Este é o dom grande e libertador que o Evangelho traz consigo: revela a nossa dignidade de mulheres e homens criados à imagem e semelhança de Deus; revela a sublime vocação da humanidade, que é a de encontrar a própria plenitude no amor; desvenda a verdade sobre o homem, a verdade sobre a vida (…)
Também a Igreja tem necessidade desta renovação. Precisa da vossa fé, do vosso idealismo e da vossa generosidade, para poder ser sempre jovem no Espírito (cf.
Lumen gentium, 4).

2008-08-15

Testemunho cristão ontem

A propósito dos primeiros séculos do cristianismo e o seu testemunho, parece-me interessante citar um texto de van Doren[1], com ligeiras adaptações. Insere-se no seu comentário à Cidade de Deus de Santo Agostinho. Refere-se, portanto, aos tempos da queda do império romano, isto é, a um mundo em profundas mudanças. Faz a comparação de dois estilos de vida.
Apesar de se referir a um tempo já muito longínquo, aponta linhas que parecem ainda bem actuais. Com a diferença de que, hoje, os cristãos e os outros cidadãos poucas diferenças apresentam entre si.

Hoje em dia vivemos num mundo profundamente devotado às coisas materiais, à semelhança do mundo romano tardio. Por exemplo, os Romanos do século IV eram obcecados pela saúde, pela dieta e pelo exercício. Passavam mais tempo nos banhos e nos ginásios que em igrejas ou bibliotecas. Eram devotados ao consumo. Um indivíduo podia conquistar reputação por gastar mais que o vizinho, mesmo que tivesse de pedir dinheiro emprestado para o fazer. E, mesmo que nunca pagasse aos credores, continuava honrado por ter feito uma tentativa nobre de fazer boa figura no mundo.
Entusiasmavam-se com viagens, notícias e divertimentos. As mais importantes produções culturais da época romana tardia, desde os livros aos espectáculos nos teatros e nos circos que ocupavam um lugar central em todas as cidades e vilas romanas, eram ficções divertidas sobre a paz e felicidade fantasiosas que não existiam nas suas vidas reais. Fascinavam-se com a fama e não se importavam com o modo como esta era obtida. Se um indivíduo fosse suficientemente famoso, o facto de ser um patife ou pior era ignorado ou relevado.
Acima de tudo, os Romanos preocupavam-se com o sucesso, que interpretavam como sendo viver para o bem-estar do presente e não pensar no amanhã. Eram orgulhosos, gananciosos e vaidosos. Em resumo eram bastante semelhantes ao que somos hoje.
Após a queda (de Roma), o novo tipo de cristãos pouco se interessava pelo corpo. Preocupavam-se com a saúde da alma. Não se interessavam pelo consumo. A conquista da fortuna servia para perderem reputação, numa sociedade onde a pobreza se aproximava do divino.
Viajavam em pensamento, com o espírito a subir às alturas na direcção de Deus. As suas notícias eram os Evangelhos, a informação sobre a vida de Cristo e a promessa do novo advento. A diversão consistia nas boas novas proclamadas nas igrejas e por pregadores itinerantes que falavam nas praças das cidades e nos cruzamentos do campo. Não se interessavam pela fama terrena, pois acreditavam que se perdessem a sua vida terrena alcançariam a vida eterna e a fama dos que eram salvos. Enquanto a riqueza fora a medida de um romano, a pobreza tornava-se agora a medida de um cristão.
Em séculos posteriores, a Igreja viria a tornar-se tão rica e poderosa como o fora o império e talvez tão corrupta…


[1] C. VAN DOREN, Breve História do Saber, ASA, Porto 2007, pp. 131-132.

2008-08-14

Testemunho incoerente

“Testemunho” é uma destas palavras que de tanto ser usada se vai degradando e perdendo alguma consistência. De qualquer maneira ela aponta para comportamentos e atitudes que caracterizam estilos de vida que podem ter reflexos na vida dos outros e sobretudo na própria sociedade.
Todos ouvimos dizer que é pelo testemunho que se educa e de pouco valem as palavras se não sforem corroboradas por ele. Mas todos sabemos também que há filhos de pais alcoólicos que não se tornaram alcoólicos, que filhos de pais não fumadores se tornaram fumadores e coisas análogas. Isto para não referir a situação de filhos de pais cristãos, às vezes até de comunhão diária, que logo que puderam deixaram de ir à Igreja e de ter qualquer comportamento religioso. Poderemos sempre falar de “conflito de gerações”, considerando mesmo que esta alternância tem ou pode ter uma papel positivo no avanço da história. A história é dinâmica e resiste com eficácia a manter os “pequenos” costumes herdados das gerações passadas.
Também se poderá dizer que estamos perante situações de testemunho “ casuístico”, que se referem a situações pontuais na vida das pessoas e, por isso, a sua eficácia é facilmente posta em causa.
Talvez estes aspectos serviam para nos chamar a atenção para Um "outro" testemunho que chamaria “essencial”, que envolve o estilo de vida e não apenas aspectos circunstanciais e que se torna objecto de atenção de que o vê praticar, porque vai contra-corrente, porque interpela, mesmo sem palavras, porque põe seriamente em questão estilos de vida e maneiras de ser.
Era certamente a este testemunho que se referia Paulo VI: “Antes de mais nada, sem querermos estar a repetir tudo aquilo já recordado anteriormente, é conveniente realçar isto; para a Igreja, o testemunho de uma vida autenticamente cristã, entregue nas mãos de Deus, numa comunhão que nada deverá interromper, e dedicada ao próximo com um zelo sem limites, é o primeiro meio de evangelização. "O homem contemporâneo escuta com melhor boa vontade as testemunhas do que os mestres, dizíamos ainda recentemente a um grupo de leigos, ou então se escuta os mestres, é porque eles são testemunhas". São Pedro exprimia isto mesmo muito bem, quando evocava o espetáculo de uma vida pura e respeitável, "para que, se alguns não obedecem à Palavra, venham a ser conquistados sem palavras, pelo procedimento". Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade.” (EN 41).
Este testemunho exige coerência entre a fé na qual dizemos acreditar e a vida que mostramos viver.
E é este testemunho que a generalidade dos cristãos é incapaz de dar na sua vida, não só pessoal como social.
É este testemunho que as comunidades cristãs são de um modo geral incapazes de dar ao mundo. Uma simples pergunta: a Igreja, através das suas comunidades, dá o testemunho vivo e sério de participar na vida dos homens e das mulheres do nosso tempo e de contribuir para a resolução dos problemas comunitários e sociais (cf. AA 10)?
Não tenhamos ilusões: um dos maiores desafios com que a Igreja e cada cristão hoje se defronta é o do seu testemunho de vida. Se houver um divórcio entre a fé e a vida tudo o resto deixará de ter significado e passará a funcionar o corrosivo aforismo do “bem prega frei Tomás: olha para o que ele diz mas não para o que ele faz”.
Não foi assim que o cristianismo primitivo se impôs a tanta gente e tão rapidamente.

2008-08-12

Igreja cansada

Uma das principais causas da falta de influência dos cristãos parece-me ligada à falta de entusiasmo, a uma espécie de tédio e cansaço. Claro que tivemos um inconveniente: a esmagadora maioria já “nasceu cristão”; não teve que se “fazer cristão”. E isto faz muita diferença. Nascer cristão não nos exige nada: basta dizer-se cristão ou “praticante”, procurar cumprir os mandamentos ( não necessariamente o mandato do amor que nos identifica como discípulos de Cristo), ir à missa e pouco mais. Fazer-se cristão exige assumir um estilo de vida, nada fácil sobretudo nos tempos de hoje. Exige coerência e capacidade de viver de acordo com os valores evangélicos. Alguns (muitos?) até parece que vivem sob um complexo de inferioridade, receando assumirmo-nos como cristãos.
Mas o que é certo é que parece que se perdeu o entusiasmo sobretudo junto dos evangelizadores. Parece que se perdeu a capacidade de anunciar a salvação proposta por Jesus Cristo. Para quem ouve o anúncio hoje fica, muitas vezes, uma pergunta incómoda: será que o cristianismo ainda tem alguma coisa a dizer a este mundo?
Também a sociedade de hoje é em muitos aspectos uma “sociedade do tédio”. Parece que não lhe falta nada, embora nem todos tenham possibilidade de obter o que querem. Mas podem sonhar e aliás para alguns os sonhos são bem martirizantes, pois uma das perversões da sociedade de consumo é esta pressão publicitária que oferece tudo a todos, mesmo àqueles que não podem alcançá-lo. Além disso, hoje mais do que comprar coisas, parece mais importante o próprio acto de comprar do que o produto comprado.
Ora já João Paulo II acautelava para esta insatisfação radical: “Todos nós experimentamos, quase palpavelmente, os tristes efeitos desta sujeição cega ao mero «consumo»: antes de tudo, uma forma de materialismo crasso; e, ao mesmo tempo, uma insatisfação radical, porque se compreende imediatamente que — se não se está premunido contra a inundação das mensagens publicitárias e da oferta incessante e tentadora dos produtos — quanto mais se tem mais se deseja, enquanto as aspirações mais profundas restam insatisfeitas, e talvez fiquem mesmo sufocadas” (SRS 28).
O problema na Igreja é que parece que padecemos também deste mal, do tédio, da insatisfação radical, como se aquilo em que devíamos acreditar nada nos trouxesse de libertador e de dinamizador. Falta-lhe (nos) fervor, frescura, novidade, iniciativa renovadora. De vez em quando há umas mobilizações de massas para um abaixo-assinado. E não querendo desvalorizar essas acções é evidente que uma assinatura entre milhares não cria qualquer compromisso a ninguém. De vez em quando surgem algumas iniciativas pastorais ou novos movimentos, aparentemente inovadores mas que, olhados mais em pormenor, não vão ao essencial da mensagem evangélica.
O problema não é de hoje, o que revela a pouca atenção que lhe atribuímos. Há já 33 anos escrevia Paulo VI: “De tais obstáculos, que são também dos nossos tempos, limitar-nos-emos a assinalar a falta de fervor, tanto mais grave por isso mesmo que provém de dentro, do interior de quem a experimenta. Essa falta de fervor manifesta-se no cansaço e na desilusão, no acomodamento e no desinteresse e, sobretudo, na falta de alegria e de esperança em numerosos evangelizadores. E assim, nós exortamos todos aqueles que, por qualquer título e em alguma escala, têm a tarefa de evangelizar, a alimentarem sempre o fervor espiritual” (EN 80).

2008-08-11

A Igreja tem credibilidade?

Uma das frases que ontem citei do Cardeal patriarca dizia: “A Igreja, pela mudança global e pela mudança interna com critérios culturais profanos, foi perdendo espaço na sociedade como principal fonte inspiradora de valores da humanidade. Ao contrário, a sua palavra e doutrina é frequentemente vista com desconfiança ou mesmo rejeitada por uma sociedade que considera ter encontrado a sua autonomia na construção da verdade” (4).
A frase “A Igreja foi perdendo espaço na sociedade” poderia ser ambígua. Mas basta olhar o contexto para logo perceber que não se trata de espaço de poder, que aliás ele rejeita mais à frente: “A autenticidade do seu serviço à humanidade deve impor-se por si, e não por mera lógica de poder” (4).
Trata-se de uma a afirmação com a qual a esmagadora maioria dos cristãos estará de acordo, embora possamos reconhecer que esta falta de influência não significa, da parte de outras forças sociais, falta de respeito ou mesmo de consideração.
De qualquer modo, não podemos fugir à questão da falta de influência. Eu até iria mais longe e falaria de uma falta de credibilidade. Como disse, acho que se respeita a instituição eclesial, mas que importância se dá às suas palavras?
Na minha leitura eu enumeraria uma série de razões para tal situação.

Falaria de razões eclesiológicas, que têm muito a ver com o comportamento dos cristãos e até das suas atitudes frente à fé em que dizem acreditar. O próprio Concílio não deixa de o referir com alguma mágoa: “Pelo que os crentes podem ter tido parte não pequena na génese do ateísmo, na medida em que, pela negligência na educação da sua fé, ou por exposições falaciosas da doutrina, ou ainda pelas deficiências da sua vida religiosa, moral e social, se pode dizer que antes esconderam do que revelaram o autêntico rosto de Deus e da religião” (GS 19).

Destacaria também razões sociológicas, que estão relacionadas com as mudanças e os desafios que o mundo hoje coloca a todas as instituições e não só à Igreja. A dificuldade é que os problemas são geralmente tão novos e inesperados que deixam sem grande capacidade de resposta também a própria Igreja, de tal modo que hoje, por vezes, temos a sensação de que a Igreja está a dar respostas a perguntas que ninguém formulou. É um mundo que parece não precisar de Deus para nada, pois o homem tudo pode e tudo alcança. Retornando à Carta pastoral atrás citada: “A esse triunfalismo da razão, única fonte da verdade, chamou-se modernidade, o que levou à alteração da maneira de compreender e assumir a relação do homem com Deus. Este começou por ser combatido e negado, em nome da autonomia do homem e acabou por ser circunscrito a um espaço de inutilidade, porque não decisivamente interveniente na vida do homem e da sua história. Este Deus “inútil” daqueles que, mesmo admitindo que Ele existe, vivem como se não existisse, é um estádio da evolução cultural mais grave do que o ateísmo racional e militante” (6).

Finalmente apontaria razões teológicas, nomeadamente o conceito que os cristãos têm de evangelização hoje: como evangelizar o mundo moderno? Foi a pergunta que o Sínodo de 1974 colocou e a partir do qual, Paulo VI escreveu um dos seus melhores documentos: “Evangelho aos homens de hoje (Evangelii Nuntiandi)”. Para quem quiser acompanhar a evolução dos trabalhos poderá ler com enorme proveito o segundo volume das “Obras escolhidas” de D. José da Cruz Policarpo, editado pela Universidade Católica. Apesar das suas mais de 300 páginas é indispensável para perceber a própria evolução dos conceitos, apoiada em muitas das intervenções dos bispos participantes.

2008-08-10

A Igreja e a Mudança

Hoje vou dedicar-me a citações.
E começo por uma observação do teólogo G. Gennari, que chama a atenção para o facto de a Igreja não ter estado verdadeiramente no meio do mundo e dos acontecimentos ser uma das principais razões para os reiterados atrasos históricos da Igreja: “Nascia a sociedade burguesa e os homens da Igreja, separados do povo, defendiam as sociedades aristocráticas. Nasciam as sociedades nacionais e democráticas e os homens da Igreja, separados do povo, defendiam os monarcas e o concerto europeu saído do congresso de Viena. Nascia a sociedade industrial e os homens da Igreja, separados do povo, elogiavam e defendiam a sociedade agrícola. Nascia a sociedade científica e os homens da Igreja, separados do povo, só viam os riscos das ciências para a fé e a vida cristã. Tenta nascer a sociedade em que a mulher seja verdadeiramente igual ao homem e os homens da Igreja, separados do povo, parecem cortejar ainda uma cidade em que o primeiro posto corresponda ao homem varão. Tudo isto, porque separados do povo, fechados numa atmosfera sacral ou burocraticamente mundana apesar das aparências espirituais e vítimas de um eficientismo eclesiástico, que não é por ser tecnologicamente moderno que está mais próximo do Evangelho, carecemos dos meios de compreensão e discernimento, de simpatia real para compreender, isto é, para discernir e depois interpretar os acontecimentos”.

E para nos reportarmos à actualidade mais recente nada como fazer algumas citações da Carta Pastoral do Cardeal Patriarca publicada no passado 18.Maio, porque ela abre com um conjunto de observações que bem podem servir de regras para pautar a nossa conduta neste tempo de mudanças. Passo às citações:
- “O mundo mudou; a Igreja, para continuar a ser fiel à sua missão de enviada ao mundo, como mensageira da salvação, precisa de mudar, de se adaptar às exigências dessa missão. O desafio à mudança aparece como exigência da fidelidade da Igreja. “Aggiornamento”, o pôr-se em dia para a missão, tornou-se a palavra de ordem” (2);
- “O mundo mudou, continua a mudar, e a Igreja precisa de estar atenta às mudanças dentro dela própria, sugerida pela sua missão no mundo. A Igreja não copia as mudanças do mundo, por vezes tem mesmo de denunciá-las: só a sua verdade interna e o imperativo da sua missão a podem fazer mudar” (3), pois
- “A Igreja não muda porque o mundo muda; a Igreja muda para poder ser mensageira da esperança num mundo em mudança. Este não lhe é indiferente, pode mesmo sugerir-lhe, no ritmo alucinante da aventura humana, sinais para a adaptação da Igreja à sua missão. Foi o desafio lançado a toda a Igreja pelo Concílio, saber discernir, na actual aventura humana, “sinais dos tempos”, sugestões à mudança na Igreja, exigida pela missão (3).
Esta passagem sugere-me uma outra da sua tese sobre “Os sinais dos tempos”: “(A Igreja) deve aceitar que, de certo modo, seja o mundo a fixar a ordem do dia da sua vida eclesial, não no que diz respeito à essência do conteúdo do Evangelho, mas no que diz respeito à sua tradução, no plano da linguagem e das formas de testemunho” ( p. 275).
- “Meio século depois (do Concílio), os efeitos da mudança contínua alteraram o rosto da comunidade humana, mudaram os valores das civilizações e traçaram um novo quadro para o sentido da vida, individual e colectiva. E os cristãos não ficaram imunes a esta transformação. Mudaram ao ritmo da sociedade, encontrando, em geral, a chave da interpretação da vida e da história na mudança da sociedade e não no Evangelho e na fé como fonte de uma compreensão global da existência. Tudo isto levou progressivamente a uma ruptura entre a religiosidade praticada e o sentido ético que inspira os comportamentos pessoais e fornece os critérios da busca do sentido, do discernimento dos acontecimentos e da história. A Igreja, pela mudança global e pela mudança interna com critérios culturais profanos, foi perdendo espaço na sociedade como principal fonte inspiradora de valores da humanidade. Ao contrário, a sua palavra e doutrina é frequentemente vista com desconfiança ou mesmo rejeitada por uma sociedade que considera ter encontrado a sua autonomia na construção da verdade.
Neste quadro, de pouco servem à Igreja, na realização da sua missão no mundo, lutas frontais com poderes estabelecidos ou outras compreensões estruturadas da sociedade. Tais reacções da Igreja não estão isentas do que resta de uma lógica de poder na sociedade. Ela não pode cruzar os braços e renunciar à sua mensagem, mas deve fazê-lo por outro caminho: o da fidelidade interna a Jesus Cristo e ao Seu Evangelho e o do serviço à sociedade, à pessoa humana, suscitando pelo amor e pelo serviço, as sementes de esperança que ainda não morreram no coração dos homens. A autenticidade do seu serviço à humanidade deve impor-se por si, e não por mera lógica de poder” (4).

2008-08-09

Tempos de mudança

Sempre houve mudança e a todos os níveis: físico, social, temporal. Tudo muda e não só os seres vivos. Basta-nos olhar uma qualquer paisagem que de uma estação do ano para outra muda, ao menos de fisionomia. A evolução em muitos milhões de anos deu origem a milhares de géneros e espécies de seres vivos e desfez e construiu montanhas.
Portanto, sempre houve mudança. O seu ritmo é que era muito lento, às vezes tão lento que nem se dava por nada. Inicialmente a história mudava devagarinho e demorou tempos a acelerar. Dizem os historiadores que no início da era cristã, a população mundial era de 300 milhões de pessoas; em 1500, era apenas de 400 milhões; em 1800 duplicara e bastou um século para duplicar de novo. Portanto em 1900, éramos cerca de 1,5 mil milhões. Hoje, passado um século, quadruplicámos e já ultrapassámos os 6 mil milhões de habitantes.
É certo que houve épocas em que as mudanças eram mal vistas. Os valores eram eternos. Os hábitos de vida deviam manter-se. A estratificação social era obrigatória. Nestas circunstâncias tudo o que fosse mudança era mau e devia ser combatido. Mas nada trava a história.
Portanto a tendência da mudança é para acelerar, como vimos com o exemplo da população. O que há de novo hoje é que não se trata apenas de uma aceleração quantitativa: ela é realmente cada vez mais rápida, mas também cada vez mais profunda, cada vez mais complexa e cada vez mais imprevisível. É mais profunda porque vai mais à raiz dos problemas. É mais complexa porque depende de um número de factores cada vez maior. E é cada vez mais imprevisível por causa de todas as características anteriores e porque ninguém dispõe de todos os dados que a influenciam.
Por isso mesmo, as nossas próprias decisões hoje têm sempre um elemento de imprevisibilidade que tem de ir sendo rectificado por sucessivas decisões futuras.
Seja como seja, a mudança traz sempre inovação e criação de padrões diferentes, que não são necessariamente desvios ou disfunções morais ou sociais, mas formas diferentes de viver a realidade.
Hoje cultivamos a mudança permanente, de tal modo que parece que só permanece o que muda. Daqui decorrem algumas consequências que não podem ser ignoradas numa leitura séria da realidade. Já não se trata só de pôr em causa instituições, valores ou hábitos de vida; há também, por exemplo, a dificuldade em manter compromissos para toda a vida.
Assim sendo, este estado permanente de mudança exige uma atenção constante e obriga a encontrar soluções e fórmulas novas, recusando quer a demissão acrítica, que consiste numa simples adaptação ao que apareça de novo, quer a rejeição emocional, que se resuma a uma simples recusa absoluta de qualquer mudança, só porque é novidade.
Esta é a sociedade em que somos chamados a viver.
Uma sociedade em contínua mudança, onde com facilidade surgem viragens inesperadas e repentinas que ninguém pode controlar. De repente sentimo-nos impotentes não só porque não sabemos dominar a mudança, mas até e sobretudo porque não a sabemos prever. E cada novo estado coloca novos problemas e novas dificuldades, mas também e sobretudo novas oportunidades. E nós cometemos o erro de ser muito mais sensíveis àqueles que a estas.
Também a Igreja vive nesta sociedade e tem de estar preparada ou preparar-se convenientemente para dar as suas respostas como contributo para um mundo perdido no meio de tanta confusão.
Daí a insistência do Concílio na teologia dos sinais dos tempos: “Para cumprir esta tarefa, é dever da Igreja, em todos os momentos, perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de forma a poder responder, de modo adaptado a cada geração, às interrogações permanentes dos homens sobre o sentido da vida presente e futura e sobre as suas mútuas relações. Torna-se, então necessário conhecer e compreender este mundo em que vivemos, as suas esperanças, as suas aspirações, o seu carácter muitas vezes dramático” (GS 4).

[JDS1]Acrescentar

2008-08-08

Analfabetismo religioso

Como referi atrás “é evidente que, para que se realize a dita pastoral de solidariedade, é fundamental que os cristãos saibam quem são e o que são (identidade), saibam ler evangelicamente a realidade (leitura dos sinais dos tempos) e saibam o que devem testemunhar (missão).
Ora infelizmente é facto reconhecido que o analfabetismo religioso é uma realidade profunda a que é urgente dar resposta pronta e rápida sobretudo para um tempo de crise como o nosso. Aliás Bento XVI bem alertou os nossos bispos para esta situação: “À vista da maré crescente de cristãos não praticantes nas vossas dioceses, talvez valha a pena verificardes a eficácia dos percursos de iniciação actuais, para que o cristão seja ajudado, pela acção educativa das nossas comunidades, a maturar cada vez mais até chegar a assumir na sua vida uma orientação autenticamente eucarística, de tal modo que seja capaz de dar razão da própria esperança de maneira adequada ao nosso tempo”.

Em primeiro lugar deve ter-se presente qual é o verdadeiro objectivo da formação cristã. E João Paulo II define-o com muita clareza: “A formação dos fiéis leigos tem como objectivo fundamental a descoberta cada vez mais clara da própria vocação e a disponibilidade cada vez maior para vivê-la no cumprimento da própria missão”. E continua: “Não se trata, no entanto, apenas de saber o que Deus quer de nós, de cada um de nós, nas várias situações da vida. É preciso fazer o que Deus quer” (ChL 58)
Será que os cristãos, hoje, sabem realmente o que é ser cristão aqui e agora?
E começo por me referir à própria “catequese clássica”, em moldes cada vez mais adequados ao nosso tempo e às situações concretas dos evangelizandos. E depois podemos perguntar ainda: quantos cristãos, por exemplo, lêem a Bíblia? Quantos a meditam e procuram tirar dela os ensinamentos perenes que devem nortear a nossa vida? Quem aprofunda a Pessoa de Jesus Cristo e a sua mensagem libertadora, sabendo que,como diz Bento XVI,“no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo” (DCE 1)? Quem procura perceber “esta medida alta da vida cristã comum” (NMI 31) que são as Bem-aventuranças?
Mas nestes últimos anos houve alterações profundas introduzidas pelo Concílio. Quem faz uma adequada e séria catequese conciliar (é mais que sabido que a esmagadora maioria dos cristãos não conhece os documentos e muito menos os conteúdos da doutrina conciliar), como tanto recomendaram os padres sinodais, em 1985: “Estas e outras falhas manifestam a necessidade de aceitação mais profunda do Concílio, que exige quatro passos progressivos: um conhecimento mais amplo e mais profundo do Concílio; a sua assimilação interior; a sua reafirmação amorosa; a sua actuação … Sugere-se pôr em prática nas Igrejas particulares um plano pastoral para os próximos anos que tenha como objectivo um novo, mais amplo e mais profundo, conhecimento e aceitação do Concílio. Isto se alcançará, antes de mais, por uma nova difusão dos próprios documentos, pela publicação de estudos que os expliquem e os tornem acessíveis à compreensão dos fiéis. A doutrina conciliar deve ser proposta de modo adequado e contínuo, por meio de conferências e cursos, na formação permanente dos sacerdotes e seminaristas, na formação dos religiosos e religiosas bem como dos fiéis adultos!. (Doc. Final I, 5.6)?
E quanto à Doutrina Social da Igreja, quantos leram, meditaram e procuram pôr em prática os seus ensinamentos que são a tradução para hoje da mensagem evangélica já que propõe as consequências directas da mensagem cristã “na vida da sociedade e enquadra o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de Cristo Salvador” (CA 5)? E quem os ajuda a fazer esta leitura, esta meditação, este aprofundamento da fé e a sua aplicação pública concreta?
Já, em 1961, João XXIII afirmava: “De novo afirmamos, acima de tudo, que a doutrina social cristã é parte integrante da concepção cristã da vida. Embora saibamos com satisfação que esta doutrina já de há muito é proposta em vários Institutos, insistimos na intensificação de tal ensino, por meio de cursos ordinários e em forma sistemática, em todos os Seminários e em todas as escolas católicas de qualquer grau que sejam. Inclua-se também nos programas de instrução religiosa das paróquias e das associações do apostolado dos leigos; propague-se através dos meios modernos de difusão: imprensa diária e periódica; obras de divulgação e de carácter científico; rádio e televisão" (MM 222-223).
Apesar desta recomendação com quase 40 anos e das interpelações constantes tanto de Paulo VI como sobretudo de João Paulo II, verifica-se que o projecto de formação cristã dos adultos proposto pelos nossos Bispos, no nível básico, para o qual se propõem 50 a 60 encontros, ao longo de 2 anos, não há um único momento dedicado à DSI (Instrução Pastoral “A formação cristã de base dos adultos”, 5b)
Sem uma catequese sistemática e completa é muito difícil aos cristãos, sobretudo aos leigos, que são “obrigados” a viver no mundo, fazer uma adequada leitura dos sinais dos tempos. E sem essa leitura, mais difícil ainda se torna dar, em cada momento, a resposta pastoral mais adequada para uma colaboração cristã na construção de duma sociedade mais humana.

2008-08-07

Leigos: Privatização da fé

Tirando algumas excepções, a maior parte das vezes mal compreendidas e até hostilizadas, talvez possa dizer-se que o maior "pecado" dos leigos nestes últimos anos seja o que chamaria a "privatização da fé".
A fé nunca é privada, pois influencia o comportamento público do crente, tal como as respectivas ideologias ou o ateísmo marcam a vida do mação, do agnóstico ou do ateu. Por isso, não me preocupa muito o esforço de tantos não crentes para empurrar a nossa fé para o privado. Isso não é possível, a menos que sejamos nós, os próprios cristãos, a fazê-lo. O pior, realmente, é a privatização que muitos cristãos fazem da sua fé, resumindo-a aos sacramentos e quanto muito em mandar os filhos à catequese, ignorando quase por completa todas as implicações sociais que ela acarreta na sua vida como cidadãos: “Assim como o corpo sem alma está morto, a fé sem obras é morta” (Tg 2,26).

Comportamento ético
O comportamento da esmagadora maioria dos cristãos parece tomar como norma da sua vida não a radicalidade do Evangelho mas os modelos dominantes. E, portanto, não dão quaisquer sinais públicos da sua fé que lhes impõe um estilo de vida diferente.
É caso para nos perguntarmos, com I. Camacho, “se esta deformação não terá a sua raiz numa tradição que sempre insistiu, de facto, demasiado numa praxis moral muito heterónoma e menos atenta à formação de uma verdadeira consciência moral, amadurecida e responsável. Pois é bem possível que o que ocorre agora entre pessoas de formação cristã seja resultado da substituição das vozes autorizadas de antes (hierarquia, confessores, directores espirituais, …) pelas de agora (opinião pública, meios de comunicação social, publicidade, …), mas mantendo-se dentro do mesmo esquema”.

Compromisso no mundo
Durante muitos séculos pontificou o célebre aforismo “fora da Igreja não há salvação”. O Concílio, sem o rejeitar (LG 14) e além de acrescentar que fora da Igreja “há muitos elementos de santificação e verdade” (LG 8), tem uma passagem onde é claro que “fora do mundo não há salvação”: “O cristão que descuida os seus deveres temporais falta aos seus deveres para com o próximo, falata aos devres para com o próprio Deus e põe em risco a sua salvação eterna (GS 43: o sublinhado é meu).
Também os Bispos no Sínodo de 1987 recordavam que “a luta pela justiça é uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho” (JM 6), o que nos obriga a estar nas várias frentes públicas onde se luta contra as injustiças.
E os Bispos no Sínodo de 1971 insistiam que “o modelo de santidade dos fiéis leigos deve integrar a dimensão social da transformação do mundo segundo o plano de Deus”.
Também João Paulo II, quando nos veio visitar em Maio de 1982, nos deixou este “recado”: “Fiéis à Verdade, irmãos e irmãs, continuemos a participação na realeza de Cristo, servindo como Ele, Senhor e Mestre, fez e ensinou. Este é o caminho: cristãos no aconchego da intimidade pessoal; cristãos no interior do lar, como esposos, pais e mães e filhos, em “igreja doméstica”; cristãos na rua, como homens e mulheres situados; cristãos na vida em comunidade, no trabalho, nos encontros profissionais e empresariais, no grupo, no sindicato, no divertimento, no lazer, etc.; cristãos na sociedade, ocupando cargos elevados ou prestando serviços humildes; cristãos na partilha da sorte dos irmãos menos favorecidos; cristãos na participação social e política; enfim, cristãos sempre, na presença e glorificação de Deus, Senhor da vida e da história”.

Política
Desataco “esta arte nobre e difícil” (GS 75) porque a política tem uma importância específica e insubstituível numa sã organização da sociedade e porque, por razões várias, sofre de um crescente desprestígio e do consequente desinteresse dos cidadãos por ela.
Torna-se, por isso, importante combater duas situações demasiado generalizadas, ambas versões modernas da “fuga do mundo”:
- o absentismo: embora muitas vezes se possa legitimamente atribuir à degradação da própria democracia (cf. CA 47), deve-se também sobretudo ao facto de muitos cristãos serem especialmente sensíveis apenas a três centros de interesse nesta sociedade tão individualista: a família, o trabalho e o consumo;
- o abandono do compromisso político: resulta geralmente do facto de a transformação da realidade ser muito lenta e difícil e das frustrações de quem esperava que a democracia acelerasse este processo transformador; cansados desta demora e dos resultados sempre parciais e limitados, muitos cristãos abandonam a luta política, renunciando a dar o seu contributo para uma sociedade sempre necessitada de renovação.
Infelizmente há ainda uns tantos cristãos que apostam quase tudo na política não para dar testemunho dos valores evangélicos mas por carreirismo e interesses egoístas. Esses é que lá não faziam falta nenhuma!

2008-08-06

Comunidades eclesiais (2)

Continuando...

Falta de apoio aos que se comprometem sócio-politicamente
Deixo apenas dois exemplos.
Numa das intervenções que fiz numa paróquia sobre a necessidade do compromisso sócio-político dos leigos nos vários âmbitos da actividade humana, fui surpreendido no debate pelas palavras de uma presente: Eu era delegada sindical na fábrica onde trabalhava, mas as pessoas aqui da paróquia criticaram-me tanto que eu pensei que estava errada e resolvi desistir. Mas hoje, depois do ouvir, vou voltar de novo. Parto com a certeza de que estava certa, como cristã, no meu compromisso sindical e vou retomar de novo o meu lugar.
Noutra paróquia, estava colocada à porta principal a lista de Leitores. Aconteceu que um deles aceitou ser mandatário concelhio nas eleições presidenciais por parte de Lurdes Pintasilgo. Pois mal se soube da notícia um zeloso cristão, talvez de missa diária, escreveu a letras vermelhas por cima do tal nome: “Tirei daqui este comunista”. Resta acrescentar que essa pessoa “crucificada” era não só leitora, como desempenhava outras tarefas importantes na paróquia, nomeadamente no Conselho Pastoral.
Insisto que não se deve generalizar, mas mesmo quando não há hostilidade como neste caso, há indiferença e não conheço nenhum caso onde haja um declarado apoio pastoral e teológico a essas pessoas comprometidas socialmente.
Precisamente aquelas que de mais apoio precisavam para a sua missão tão exigente.

Passividade
Mas é toda a comunidade, e não só os seus membros, que deve comprometer-se socialmente em muitas áreas e âmbitos que dizem respeito a todos. Perante esta incapacidade de assumir o protagonismo, apenas cito uma passagem verdadeiramente revolucionária de Paulo VI: “Perante situações, assim tão diversificadas, torna-se-Nos difícil tanto o pronunciar uma palavra única, como propor uma solução que tenha um valor universal. Mas isso não é ambição Nossa, nem mesmo a Nossa missão. É às comunidades cristãs que cabe analisarem, com objectividade, a situação própria do seu país e procurarem iluminá-la, com a luz das palavras inalteráveis do Evangelho; a elas cumpre o haurirem princípios de reflexão, normas para julgar e directrizes para a acção, na doutrina social da Igreja… A essas comunidades cristãs incumbe o discernirem, com a ajuda do Espírito Santo, em comunhão com os bispos responsáveis e em diálogo com os outros irmãos cristãos e com todos os homens de boa vontade, as opções e os compromissos que convém tomar, para se operarem as transformações sociais, políticas e económicas que se apresentam como necessárias, com urgência, em não poucos casos" (OA 4).
Repare-se nas seguintes passagens, verdadeiramente inesperadas num papa (admito uma excepção para João XIII):
1) O Papa acha que não deve pronunciar uma palavra única porque sabe que cada região tem os seus problemas específicos para os quais uma palavra única poderia até ser perturbadora, pois podendo ser a mais indicada para uma região, nada acrescentaria para outra e até poderia perturbar o que de bom se faz noutras.
2) O Papa diz qualquer coisa de inesperado: “Mas esta não é a nossa missão”: a missão do Papa, além de presidir à unidade na caridade, não é dizer a cada comunidade o que deve fazer, mas dar, como diz mais abaixo, “princípios de reflexão, normas para julgar e directrizes para a acção”, que cada comunidade é chamada a ter em conta na avaliação que ela própria deve fazer da sua realidade concreta. É a cada comunidade que cabe a iniciativa e o protagonismo, não é ao Papa.
3) Cada comunidade deve socorrer-se, primeiramente, também das próprias ciências “profanas” para poder fazer uma análise objectiva da realidade. Só depois deve iluminar a realidade com as palavras do Evangelho e da doutrina da Igreja.
Poucas comunidades conhecerão este texto, que alguns consideram a “carta de emancipação das comunidades e dos leigos”. Mas não o conhecem porque talvez ninguém lho tenha referido nem explicitado e porque os cristãos não têm tempo para ler e meditar estes documentos.
Por isso, a comunidade deve debater e dar o seu contributo para todos os problemas que afectam a sua zona e não ficar fechada nos seus problemas internos. É o que pede e recomenda o Concílio; “ Acostumem-se os leigos a trabalhar na paróquia intimamente unidos aos seus sacerdotes, a trazer para a comunidade eclesial os próprios problemas e os do mundo e as questões que dizem respeito à salvação dos homens" (AA 10).
Bonitas estas palavras, verdadeiro exercício de comunhão: “para que se examinem e resolvam no confronto dos vários pareceres”

2008-08-05

Comunidades eclesiais

O problema do analfabetismo religioso é grave, extremamente grave, diria eu. Mas antes de fazer a minha reflexão sobre ele, gostaria de, na sequência do comportamento dos nossos Bispos, falar também das comunidades e dos cristãos, até para que não fique a ideia de que a Igreja, como há ainda muita gente a pensá-lo, se esgota nos Bispos.

Gostaria de começar por recordar um episódio. Fora eu fazer uma das “conferências quaresmais” numa paróquia do interior e de vez em quando falava naturalmente da importância da comunidade em não deixar abandonados os leigos que assumiam compromissos sócio-políticos. No final, o pároco, meu velho amigo, perguntou-me: “Mas onde está a comunidade?”. A minha resposta foi imediata: “A tua, devias ser tu a saber onde ela está” Mas, claro, a pergunta era mais funda e eu procurei depois dar uma resposta menos irónica.
É o que vou aqui tentar fazer, destacando quatro aspectos principais.

Estação de serviço”
E começaria por dizer que as nossas comunidades cristãs, de um modo geral, continuam ainda muito a ser “estações de serviço”, onde uns vão “pedir os sacramentos”, outros mandar rezar uma missa pelos defuntos, a maioria junta-se para a missa dominical, outros não faltam à festa do padroeiro.
Portanto parecem-se muito com “estações de serviço”, onde o cliente paga para ser servido e, portanto e logicamente, se acha com direito a escolher até as datas que lhe convém para alguns desses serviços, como casamentos e baptizados.
As comunidades, apesar de alguma organização que todas têm, umas mais outras menos, são a maior parte das vezes, um arquipélago de “quintas”. Independentes umas das outras, cada quinta - equipa, grupo, serviço - faz a sua vida mais ou menos autonomamente da comunidade, ignoram o Conselho Pastoral, mesmo quando ele existe e nele tenham o seu representante. A concessão que fazem é admitir a autoridade, muitas vezes apenas teórica, do pároco, tendo muitas vezes presente aquele velho slogan: “Os párocos passam (mudam) e nós ficamos”.
Mas o que não são é comunidades centradas na eucaristia, definindo projectos comuns, que tenham em conta a maneira específica de evangelizar a sua zona geográfica.
O que é muito raro é serem manifestações sérias de comunhão (também voltarei a este tema tão rico quanto “estafado”)
É evidente que nunca se pode generalizar nestes casos. Mas há certamente algumas que planificam o seu ano ou triénio pastoral, mas mesmo aqui também, a maior parte funciona como uma “quinta” dentro da diocese. E de tal modo isto deve ser frequente que os nossos Bispos se acharam na obrigação de se queixar publicamente: “Tem sido observado nas assembleias plenárias da CEP que ficam muitas vezes letra mortas as resoluções e os propósitos colectivamente anunciados pelos Bispos" (Linhas de força de uma acção pastoral conjunta na Igreja em Portugal: 11.11.1993).
Mas quem sabe se não serão os Bispos os primeiros responsáveis, fazendo da sua Docese também uma "quinta" própria, onde os outtos Bispos nada têm que mandar!

Desvalorização da função real
As comunidades têm muita dificuldade em pôr em prática aquela recomendação sinodal da dimensão social e luta pela justiça, que já aqui referi: “A acção pela justiça e a participação na transformação do mundo aparecem-nos claramente como uma dimensão constitutiva da pregação do Evangelho, que o mesmo é dizer, da missão da Igreja em prol da redenção e da libertação do género humano de todas as situações de opressão (JM 6).
E têm dificuldade porque nem sequer a conhecem, pois ninguém lhes fala dela. E mesmo que falassem, certamente também nada mudaria pois a exigência e o compromisso são muito violentos para o nosso ritmo de cristãos que somos, e sem querer falatar à caridade a ninguém, demasiados soft e, até me apetecia dizer, demasiado amorfos. É que a expressão "dimensão constitutiva" significa claramente que não há autêntica evangelização sem a promoção da justiça e a transformação das estruturas sociais e vem mostrar que a história humana e a história da salvação não são duas histórias estanques, nem estranhas uma à outra, pois as promessas de "libertação e de salvação para todos cumpriram-se de uma vez para sempre na Páscoa de Cristo" (6).
Deixo os outros dois para amanhã.

2008-08-04

Bispos (3)

Estas diferentes posições dos nossos Bispos não devem ser entendidas de um modo superficial e crítico “destrutivo” ou reaccionário como há sempre pessoas que gostam de os acusar os eles não dizem o que elas gostariam de ouvir, porque me parece que podemos encontrar subjacente a estas mudanças, pelo menos duas razões, que, à falta de melhores termos, chamaria sociológica e teológica.

Sociológica
Nestes tempos conturbados de mudanças profundas como o nosso há sempre várias grelhas de leituras da crise, das quais podia destacar duas extremas.
Poderemos olhar a actual crise como uma crise cultural, na qual forças ocultas ou abertas procuram pôr conscientemente em causa os valores tradicionais em geral, nomeadamente os cristãos. E, sem querer tomar qualquer posição valorativa, há situações onde parece que esta leitura se justifica plenamente; mas não em todas nem sequer na sua maioria.
Também podemos ler a actual crise como crise multicausal, que resulta de uma profunda, rápida e imparável aceleração da histórica, para a qual não se pode apontar culpados identificáveis e que não põe em causa apenas os valores cristãos, mas muitos outros, como a autoridade, as instituições, a política, os partidos, os sindicatos, etc., gerando uma organização social marcada pela desigualdade de oportunidades, por uma deficiente repartição de bens e serviços e pela falta de solidariedade.
Pessoalmente inclino-me muito mais para a segunda, mas admito que, tão legitimamente como eu, outros preferiam a primeira. E até haverá momentos históricos e situações concretas em que esta leitura seja mais realista que aquela.
Para responder a estas duas leituras, há obrigatoriamente duas opções pastorais diferentes:
1) dar prioridade à apresentação e defesa dos valores evangélicos – “recristianizar”, a palavra usada, parece-me infeliz – e, portanto, à formação sistemática dos principais valores cristãos de modo a poder propô-los e defendê-los pública e assumidamente “contra” os que os põem em causa, através de uma pastoral que chamaria de “apologética”, no bom sentido, mas que mesmo assim implica muitas vezes, para lá do diálogo sério, também o confronto e a falta ou até a recusa de colaboração;
2) conjugar esforços, com todos os homens e mulheres de boa vontade, em defesa de valores comuns como a dignidade da pessoa, a luta pela justiça e pelo desenvolvimento, a promoção de uma cultura da solidariedade, através de um diálogo e de uma colaboração séria e construtiva; seria então “uma pastoral de solidariedade”.
Usando os sub-títulos atrás referidos, poderia dizer que, quando se fala de “um Portugal cristão” teríamos uma pastoral mais de tipo apologético. Quando falamos de “construir um Portugal que os portugueses quiserem” falaríamos de uma pastoral de solidariedade.
Como já referi várias vezes, a Igreja, numa sociedade pluralista, não tem a única proposta de solução, mas apenas uma proposta entre muitas outras como o próprio Concílio, aliás na linha de papas anteriores, diz claramente: “A Igreja proíbe severamente obrigar quem quer que seja a abraçar a fé ou induzi-lo e atraí-lo com práticas importunas do mesmo modo que reclama com vigor o direito de ninguém ser afastado da fé por meio de vexações iníquas” (AdG 13).

Teológica
É evidente que, para que se realize a dita pastoral de solidariedade, é fundamental que os cristãos saibam quem são e o que são (identidade), saibam ler evangelicamente a realidade (leitura dos sinais dos tempos) e saibam o que devem testemunhar (missão).
E dado o profundo analfabetismo religioso da maior parte dos cristãos, especialmente perante estes três problemas fundamentais, é necessária e urgente a tal chamada pastoral apologética, onde a insistência se faça sobre os valores cristãos, a sua aprendizagem e aprofundamento e sobretudo a sua prática, privada e pública.
E os nossos Bispos têm disso profunda consciência: “A fragilidade do cristianismo provém, em grande parte, do analfabetismo religioso” (Instrução Pastoral “A formação cristã de base dos adultos” (6a): 19.Jul.1994).
E têm uma irrecusável responsabilidade de lhe dar resposta actualizada e adequada para que também os critãos possam juntar-se a todos os portugueses de boa vontade na construção de um Portugal que seja à medida de todos.

2008-08-02

BISPOS (2)

Continuando...

3º - Portugal cristão
Carta Pastoral sobre A renovação da Igreja em Portugal na fidelidade às orientações do Concílio e às exigências do nosso tempo (7.10.1984)
Perante “a descristianização dos costumes, ambientes e instituições” (6), dada “a descristianização dos nossos dias” (23), perante “a tendência para a descristianização e consequente desumanização da vida nacional impõe-se o trabalho de recristianização das tradições familiares, ensino, legislação, moralidade pública, comunicação social” (32).
Tomando como ponto de partida: a descristianização dos costumes - a debilidade da fé, a baixa percentagem média de frequência da missa, a progressiva descristianização dos costumes, ambientes e instituições que enquadram a vida portuguesa (6); a descristianização dos nossos dias (23); a tendência crescente para a descristianização e consequente desumanização da vida nacional (32) - impõe-se com urgência a recristianização: “O trabalho de recristianização que se impõe com urgência deve incidir sobre os mais decisivos factores da cultura popular: as tradições familiares, o ensino, a legislação, a moralidade pública, a comunicação social" (32).

4º tempo: Diálogo com a sociedade pluralista
Aqui destacaria três momentos.

1. Jornadas de Reflexão Pastoral dos Bispos sobre "A religião: facto privado ou realidade pública? A Igreja numa sociedade pluralista" (3-6.Fev.1997)
Destaco algumas afirmações aí proferidas.
As Igrejas não têm hoje o monopólio de nada. Mas pelo clima de diálogo que forem capazes de criar no seu interior e no exercício da sua missão, poderão oferecer às sociedades de hoje uma riqueza incomparável. E têm obrigação de o fazer por fidelidade à própria missão (D. Manuel Madureira).
A Igreja é também peregrina da unidade. Ela não aparece, perante, o mundo numa atitude de quem atingiu a perfeição da harmonia que quer comunicar aos homens; também ela é caminheira da definitiva harmonia na medida em que se reveste progressivamente da plenitude de Cristo (D. José Policarpo).
Não cabe neste diálogo (com o homem moderno) a linguagem da condenação, da desconfiança, da suspeita mas sim do acolhimento, da descoberta das “sementes do Verbo” e das “pedras de apoio”, uma relação fraterna, cheia de amor, de compreensão e de respeito (D. António Marcelino).

2. Carta Pastoral sobre A Igreja na sociedade democrática (15.Maio.2000)
Reconhecemos que, apesar de a maioria dos portugueses se declararem católicos, não há total identificação entre a Igreja e a sociedade, nem em número, nem na maneira de encarar a vida. A Igreja vive e cumpre a sua missão no seio de uma sociedade cada vez mais plural, sendo ela própria enriquecida com uma significativa variedade de dons e expressões. O seu modo de contribuir para a evolução e para o progresso não é a busca do poder, mas o testemunho do serviço, a coerência e convicção na proclamação da verdade, a humildade para reconhecer as suas fraquezas, a abertura de espírito para aceitar dar as mãos a quantos lutam pela edificação de um mundo mais digno da pessoa humana. (5c)

Mais positivamente, a laicidade do Estado apareceu como exigência da pluralidade religiosa da sociedade. Favorecer a influência de uma confissão religiosa, em detrimento de outras, seria impróprio de um Estado democrático. Só pode ser esse o justo sentido da neutralidade religiosa do Estado: este não se identifica, nem depende, de nenhuma confissão religiosa concreta, pela simples razão de dever procurar harmonizá-las todas com os superiores interesses do bem comum. Mas neutralidade religiosa não pode significar que o Estado seja anti-religião, fazendo da laicidade uma espécie de credo, tornando-o num Estado confessional de sinal contrário. (11c)

3. Carta Pastoral sobre Responsabilidade solidária pelo bem comum (15.Set.2003)
Os sinais de participação solidária convidam a alimentar a esperança como dinamismo gerador de uma nova atitude de empenhamento na comunidade. Face aos “pecados sociais”, característicos do nosso tempo, há que contrapor um espírito de responsabilidade participativa, justa e solidária na procura do bem comum e na construção do projecto comum de sociedade. Face à mentalidade de egoísmo e à cultura do efémero e do hedonismo, há que fomentar o sentido da eternidade e do dom desinteressado de si mesmo aos outros e ao bem comum. Face às calamidades ambientais, às guerras ou outras emergências, é preciso promover uma cultura da solidariedade. Na mudança civilizacional que estamos a viver, o ponto de viragem para uma nova mentalidade está inscrito no coração humano: a pessoa realiza-se plenamente na medida em que se dá livremente aos outros. Disso depende a sua felicidade: “a felicidade está mais em dar do que em receber” (Act 20,35). Daí a afirmação do princípio, válido para os crentes e para todas as pessoas de boa vontade: “é necessário procurar não o bem de um restrito círculo de privilegiados, mas a melhoria das condições de vida de todos. Somente sobre este fundamento se poderá construir aquela ordem internacional, orientada realmente para a justiça e a solidariedade, que todos almejam” (26).

2008-08-01

Igreja portuguesa numa sociedade plural: Bispos (1)

Nem sempre é fácil para quem viveu, até há pouco em estado de cristandade, aprender a viver numa sociedade plural e aberta.
Em Portugal, um estudo que valeria a pena ser feita é o das “oscilações” que as atitudes dos nossos Bispos foram tendo a partir do 25 de Abril. Outro é olhar o comportamento dos cristãos em geral.
De um modo simplista, aqui deixo um esquema a partir de algumas Cartas pastorais. Faço-o com bastante "temor e tremor" pois não sou historiador, mas um mero curiosos que procura ler com algum cuidado os documentos dos nossos Bispos. Feita esta ressalva, parece-me que podemos, e insisto de um modo simplista, falar de quatro períodos: 1) a aposta num Portugal cristão; 2) a aposta num Portugal a definir por todos os portugueses; 3) de novo a aposta num Portugal cristão; 4) a aposta no diálogo aberto com a sociedade portuguesa.

1º - Portugal cristão
Carta Pastoral sobre o Contributo dos cristãos para a vida social e política (16.6.1974)
Recorda o 25 de Abril como um acontecimento libertador: “Em primeiro lugar, não há dúvida de que o movimento de 25 de Abril se fez sob o signo da libertação. Operou uma revolução sem derramamento de sangue, proclamou o acesso às liberdades cívicas, reintegrou na comunidade presos e exilados políticos, despertou novas esperanças em largos sectores deprimidos da população, desarmou o ostracismo a que grande parte do mundo nos votava; e, para além destes factos, fez a promessa de um Portugal novo, a ser construído sobre alicerces democráticos por todos os portugueses. Ora há em tudo isto valores evangélicos, com os quais ninguém deixará de se congratular” (14).
Quanto ao projecto do Portugal futuro ele deverá ser um Portugal cristão: “Uma pergunta de capital importância surge desde logo. Que Portugal construir? Está em jogo um projecto fundamental… Uma tarefa gigantesca de reflexão e inventiva está reservada aos portugueses. E, se nenhum deles se lhe pode furtar, muito menos os cristãos, que, no dizer de Cristo, tem de ser, onde estiverem, o sal da terra e a luz do mundo. Portugal há-de continuar a ser cristão. Estamos convictos de que é este o desejo íntimo da maioria dos seus filhos" (36).

2º - Portugal a definir por todos
Carta Pastoral sobre As perspectivas cristãs da reconstrução nacional (14.3.1979).
O projecto do Portugal futuro é o que os portugueses desejarem prosseguir em conjunto e deve ser definido e realizado por todos, tendo a Igreja também, naturalmente, uma palavra a dizer, cabendo particularmente “aos leigos, agindo em seu nome e por responsabilidade pessoal, guiados pela luz do Evangelho e pelo pensamento da Igreja e impelidos perla caridade cristã… a obrigação se empenharem em tal projecto, por meio da legítima actividade política e na diversidade das soluções que o pluralismo pressupõe e estimula”: “Olhar o futuro com esperança e reforçar a solidariedade e o diálogo cívico, eis dois aspectos fundamentais para quem pretenda enfrentar as dificuldades presentes, no largo horizonte do destino pátrio, em vez de se perder no labirinto de questões puramente circunstanciais. Portanto, devemos sublinhar que o projecto de futuro que os portugueses desejam prosseguir em conjunto é por todos eles que haverá que ser definido e realizado" (11).
Por isso, é urgente a promoção da justiça social, especialmente entre os que são vítimas do sofrimento, da exploração ou da injustiça: "Para os portugueses, em especial os que são vítimas de sofrimento, exploração ou injustiça, é premente encontrar um caminho novo: o da promoção colectiva, o da justiça social, o da cessação de um destino secular de pobreza e desigualdade, que corre o risco de se agravar sem remédio na dura competição entre as nações, se não formados capazes de um urgente esforço comum. Hoje a nossa principal contribuição para a paz está em desenvolvermo-nos com justiça social" (17).
Por isso, a Igreja está solidária com os portugueses: “Com os portugueses nos encontramos unidos na inquietação, na sacrifício e no sofrimento; sentimos a interpelação da esperança no futuro de Portugal; assumimos o dever de uma corajosa solidariedade para, no diálogo e na tolerância, construirmos a nossa paz e a nossa nova sociedade; partilhamos, enfim, a certeza de que da vontade e do trabalho de todos haverá de resultar o desenvolvimento do País” (Conclusão).