divórcio ou casamento eterno?...

2007-03-25

Parabéns, Europa!

Há 50 anos eram seis; hoje somos 27.
Há 50 anos era um clube de ricos, com muito carvão e muito aço; hoje somos uma fraternidade (não esquecer, mas também não absolutizar a piada de Pitigrilli: "eram mais que irmãos, eram inimigos!") de ricos, pobres e menos pobres.
Há 50 anos, tínhamos acabado de sair de uma guerra autofágica que devorara milhões e milhões de pessoas; desde então para cá, exceptuando algumas crises nacionalistas mais ou menos graves, temos tido um clima generalizado de paz.
Hoje temos uma melhor redistribuição de riqueza: as nações mais ricas partilharam com as mais pobres e forçaram a uma melhor distribuição dentro de cada país.
Há 50 anos só para ir a Espanha era necessário passaporte, licença militar, para os homens, e autorização dos maridos para as mulheres casadas; hoje não temos fronteiras nem para pessoas nem para mercadorias.
Hoje temos um moeda única, que nos evita a trabalheira e a despesa de em cada fronteira parar, para cambiar moeda.
Com estes ganhos todos, por que ainda existem eurocépticos. Será só porque temos de partilhar parte da nossa soberania nacional?
Mas será possível construir algo de bom sem haver colaboração e partilha?

2007-03-22

"O futuro é a cores e isso é bom"

A recusa idiota de três casais belgas em serem casados por um vereador só pelo facto de ele ser negro desencadeou um gesto muito bonito como repúdio desta atitude racista: 553 casais (para já, pois o número pode vir ainda a subir) de vários países fazem questão de que seja ele a casá-los.
Acontecer esta atitude "racista estúpida" no ano que a Europa quis dedicar à igualdade de oportunidades e no centro desta Europa que tanto brio tem no seu modelo social parece que deveria merecer a nossa preocupação. Mas convém não absolutizar, porque três pares de andorinhas nunca fizeram a primavera. E, olhando para os resultados, até pode ter sido positivo essa sua bem triste atitude. Permitiu que a esmagadora maioria da opinião pública manifestasse o seu total desacordo e se mobilizasse, em muitos países, para responder a esta agressão cívica e a este "crime contra a dignidade humana".
Afinal o futuro é a cores e não apenas branco... nem apenas branco e preto.

2007-03-12

Violações como arma de guerra

Ainda comemorando os dias da mulher...
Estou a ler o Livro Negro daCondição da Mulher, do qual passo a transcrever acontecimentos ocorridos no Ruanda.
Os violadores assassinos seropositivos, mestres na arte de esquartejar pedaço a pedaço uma criança e deixá-lo a sangrar lentamente diante dos seus pais que aguardavam a sua vez e de cortar os braços a uma mulher que tentava sair da fossa cheia de excrementos para onde a tinham atirado, perdoavam por vezes a vida à mulher que cabavam de violar dizendo-lhe: "Deixo-te pior quer morta!"
A utilização do virus da sida como arma de guerra e de extermínio permanente complementa com o seu coeficiente de desgraça esse crime específico que é a violação. A produção de intenso sofrimento tem lugar em várias sequências; depois do primeiro período de tortura física e moral durante a ou as violações, o crime continua desenvolvendo os seus efeitos dentro do corpo da vítima durante o tempo que dura a eventual gravidez. O violador prossegue, pois, com a sua acção de infligir dor começada com aconcepção. A mulher convertida em mãe "à força" odeia o filho do verdugo que leva no seu ventre e que se converteu em seu inimigo fisiológico íntimo e indissolúvel, portador e símbolo de uma horrível recordação de que só a vergonha basta para a matar socialmente...
Esta antecipação do futuro converte-se num pesadelo adicional: é a sua sobrevivência e a dos seus eventuais filhos o que a deixa absolutamente destruída e, além disso, de maneira definitiva já que se trata de duma doença como a sida, mortal, infamante e à qual não se aplica qualquer tratamento. Mais ainda, o que está em jogo é a sua sobrevivência enquanto vítima, inclusivamente num mundo em que o verdugo foi derrotado militar e politicamente e levado perante os tribunais.
A situação torna-se então incontrolável. Em princípio, uma vítima de crimes contra a humanidade encontra certo consolo quando o criminoso é detido e condenado judicial e historicamente. Nos casos de contaminação por VIH, pelo contrário, a solução judicial inflige-lhes ainda mais sofrimento, porque equivale à consagração da vitória do criminoso violador seropositivo. Hoje em dia os agressores beneficiam durante a sua estadia na prisãode programas internacionais de triterapia, ao que, em princípio, não há nada a objectar. Também são alimentados , vestidos e cuidados de maneira que, cinco anos tarde, saem da cadeia no melhor estado de saúde possível. Enquanto as suas vítimas, isoladas, muitas vezes incapacitadas e pobres, porque perderam os seus bens em consequência do conflito, morrem sem que ninguém as atenda e na maior das misérias, vendo os seus filhos eventualmente infectados e abandonados à sua sorte.

2007-03-08

Dia da Mulher

O dia da mulher é, digo eu, totalmente diferente dos outros, porque parece que os festejos, as reivindicações, as manifestações abundantes neste dia trazem uma satisfação do dever cumprido quase passando despercebido este tema no resto do ano.
Os outros "dias", exceptuando o dia da mãe, são mero folclore ou filhos de alguma infecção capitalista.
A mulher continua a ser marginalizada nos seus direitos que deviam ser iguais aos do homem, continua a ser a responsável pela organização familiar mesmo que a boa vontade do homem se disponha a ajudar... mas sempre à espera da organização da mulher.
A mulher, por culpa própria mas sobretudo por razões culturais, acaba por não ter tempo nem disponibilidade para assumir cargos de responsabilidade superior na sociedade.
E com que expectativa esperamos, pelo menos eu espero, a sua entrada a sério na política, por exemplo. Fará a mulher uma política diferente da dos homens? Trará ela para o exercício do poder valores mais humanos, mas afectivos, mais dialogantes, mais justos? Será verdade o que João Paulo II escreveu, ao pedir que “seja colocado em devido relevo o ‘génio da mulher’, tendo em conta não somente as mulheres grandes e famosas, do passado ou nossas contemporâneas, mas também as mulheres simples, que exprimem o seu talento feminino com o serviço aos outros na normalidade do quotidiano. De facto é no doar-se aos outros, na vida de cada dia, que a mulher encontra a profunda vocação da sua vida, ela que talvez mais do que o próprio homem vê o homem porque o vê com o coração” (Carta às mulheres, 12).
Os exemplos, bem poucos, que temos tido não vão muito neste sentido. Mas pode haver uma razão conjuntural. Perdidas, enormemente minoritárias num mundo de homens, elas terão de utilizar as mesmas armas que eles para se imporem. Claro que estou a pensar, por exemplo, em Margaret Tatcher ou em Golda Meir. Mas há outros sinais mais esperançosos. Podia referir Maria de Lurdes Pintassilgo e Tarja Halonen, ou as "nobeladas" Rigoberta Manchu, Wangari Maathai e Chirine Ebadi, ou Madre Teresa de Calcutá.
E o que nos trará esta revoada de mulheres que estão a concorrer para lugares cimeiros:, como Hilary Clinton ou Segolène, ou as já eleitas como Angela Merkel, Ellen Johson-Sirleaf e Michele Bachelet?

Só mais uma nota. Palavras ditas por homens e por mulheres neste referendo sobre o aborto referiam a liberdade absoluta de abortar como uma manifestação da dignidade da mulher. Parece-me realmente uma afirmação bem pobre. Para mim a dignidade da mulher resulta, tal qual como a do homem, do facto de ser pessoa, sujeito livre e consciente. Tudo o que torne a mulher cada vez mais pessoa promove e valoriza a sua dignidade.
Por isso há ainda tanta coisa a fazer não só pelas mulheres mas também pelos homens.
É que a libertação do homem nunca acontecerá verdadeiramente enquanto a mulher não vir, na teoria mas sobretudo na prática, os seus direitos e deveres humanos igualmente respeitados, defendidos e promovidos!

2007-03-02

Jejum do automóvel

A Quaresma foi sempre considerada um tempo de renovação e renúncia interior e exterior. Uma das manifestações mais frequentes é o jejum.
Não se trata de nenhuma invenção cristã. Todas as religiões o praticavam: juntamente com os sacrifícios e as oferendas, o jejum tinha como obejctivo atrair os favores divinos.
Dentro do cristianismo, o conceito de jejum foi sofrendo algumas variações. Inicialmente, o jejum era um exercício de partilha:
No dia em que jejuares apenas tomarás pão e água. Calcularás quanto custa a comida que costumas tomar nesse dia e entregá-lo-ás à viúva, ao órfão e ao necessitado. E humilhar-te-ás de modo que quem tomar da tua humilhação sacie a sua alma e reze por ti ao Senhor (Hermas, Pastor, comparação V) .
Depois interiorizou-se e tornou-se um exercício de mortificação e de domínio do corpo.
Mais tarde de algum modo "comercializou-se" o jejum trocando-o por uma certa quantia de dinheiro.
Neste contexto, é muito oportuna a proposta do cardeal Lehman, presidente da Conferência Episcopal Alemã: "Aproveitemos o período da Quaresma para contribuir para a melhoria do clima, por exemplo, fazendo o jejum do automóvel".
É muito estimulante vermos da parte de um bispo esta atenção "tão atenta" ao mundo de hoje e a capacidade criativa de nos desafiar a viver a nossa fé no contexto real do mundo em que vivemos.