divórcio ou casamento eterno?...

2011-06-22

A emigrante NAFISSATOU DIALLO

Por estes dias falou-se pouco dos Migrantes, que até têm um Dia e a eles foram dedicadas algumas mensagens e também um ou outro gesto "simbólico".
O problema é, já de si, muito complicado e não tem sido abordado da melhor maneira. Um mundo globalizado como o nosso, globalizado de modo injusto, estruturalmente injusto,  as complicações multiplicam-se e parece que cada vez mais vemos neles pessoas ou então pessoas menores porque vêm de outras culturas, que não sendo a nossa , "naturalmente" terão se der inferiores. Viva o etnocentrismo europeu! 
Aqui deixo um artigo que escrevi para o próximo número da revista Além-Mar

NAFISSATOU DIALLO
 Não sei se à leitora ou ao leitor este nome diz alguma coisa. É uma pessoa que nunca sonhou com a fama. Filha de um comerciante da etnia peule, a maior da Guiné, emigrou com o marido para os Estados Unidos. Divorciada, vive com a filha e ganha a vida a limpar as suites do hotel Sofitel em Nova York. Tem fama de trabalhadora e séria. Uma prima definiu-a como “uma boa muçulmana. Realmente é bonita, como várias mulheres peules, mas não aceitamos esse tipo de comportamento na nossa cultura. Strauss-Kahn atacou a pessoa errada”.
Agora já estão a perceber quem é. Foi a mulher “anónima” que o ex-director do FMI, Strauss-Kahn (DSK), na sua busca obsessiva por sexo, perseguiu e violou na suite 2806 do Sofitel. Para ele não foi nenhuma tragédia. Foi mais um pormenor logo esquecido. Além do mais, nunca esperaria que uma reles mulher negra o denunciasse. Lê-se nos jornais que ele tinha já um razoável currículo neste campo. Mas esta é a vantagem dos hotéis.
Um quarto de um hotel é uma espécie de “não-lugar”. A sua ocupação esporádica entre os muitos afazeres é um pequeno hiato na vida, que logo se esquece: esquece-se o lugar (não-lugar), esquecem-se as pessoas de que nos servimos (figuras esfumadas na paisagem). São tão anónimos e solitários que nos transportam para um mundo muito diferente do nosso. São, por isso, espaços que facilitam e até convidam à transgressão das regras normais da nossa vida. Foi possivelmente o que se terá passado com DSK. Do alto do seu estatuto social, ainda por cima branco, nunca imaginou que uma humilde serviçal, preta africana, se atrevesse a acusá-lo. Estava fora da sua lógica de poderoso que uma simples camareira, sem estatuto, emigrante, se atrevesse a desafiar o homem omnipotente, que apenas satisfizera as suas “necessidades naturais”, servindo-se do que tinha à mão. Aliás, é bem possível que a mulher não o conhecesse.
Aquela mulher, contudo, era apenas uma vítima mais entre tantas outras que DSK fez pelo mundo fora (algumas sexuais mas muitas sócio-económicas) e que são apenas números, sem rosto e sem história, numa estatística dos organismos internacionais que nos governam. Por isso se vestiu calmamente e foi para o aeroporto. O governo do mundo não podia esperar.
As notícias centraram-se no homem, nos trâmites legais, na presunção de inocência, na justificação de amigos, como o respeitado Jacques Lang (ex-ministro da cultura) que tudo desdramatizou com um simples "afinal não morreu ninguém". Que importância tem que um “senhor do mundo” deixe psicologicamente destruída uma desconhecida mulher, triplamente pobre: mulher, africana e emigrante? Tão insignificante era “objecto” ideal para todo o serviço.
Propositadamente tentei descrever o que se foi escrevendo, sempre centrado no homem, no rico. Mas de Nafissatou, do pobre, quantos falaram? Fiz este exercício para mostrar o que não é a opção pelos pobres que, para os crentes, é a prioridade da atenção, do cuidado, do amor. Mas, para isso, temos que olhar a história a partir da situação e da pessoa da vítima. Por isso, Jesus na parábola do rico epulão, não deu nome ao rico, apenas ao pobre, Lázaro. Dar nome a alguém é aceitá-la como pessoa, com um projecto próprio, como construtor da história. Sem esta conversão do ponto de vista, nunca teremos uma sociedade humana onde todos tenham um lugar, possam dar o seu contributo e receber o que lhes pertence dos bens da Terra que “Deus criou para uso de todo o género humano, sem exclui nem privilegiar ninguém” (CA 31).
Nafissatou incarna, no seu sofrimento e humilhação, a Cruz de todos os seres humanos que são violados, vilipendiados e excluídos de um mundo que é tanto seu como nosso. Por isso, somos chamados a ser a voz e a vez das “vítimas da injustiça silenciadas e silenciosas” (JM 20).

2011-06-19

Deus compassivo e clemente

O Antigo Testamento é atravessado por várias concepções de Deus: umas terríveis e inaceitáveis para a nossa sensibilidade, mesmo não cristã; outras libertadoras de quem está sempre atento ao clamor dos mais débeis e toma a sua defesa e lhes oferece a libertação. Mas esta que refere hoje a Liturgia da Palavra, aborda a sua essência, a sua “maneira de ser”, a sua natureza, com as palavras que as nossas limitações humanas podem utilizar para descrever o Indiscritível: “compassivo e clemente, sem pressa para se indignar, cheio de misericórdia e fidelidade, que mantém a sua graça até à milésima geração, que perdoa a iniquidade, a rebeldia e o pecado” (Ex 34, 6-7). Como na eternidade não há tempo, “sem pressa” só poderá significar “nunca”, pois é a pressa que nos transporta do presente para o futuro. Compassivo, isto é, que se compadece, que “sofre” connosco, que sente as nossas tristezas e alegrias, as nossas vitórias e os nossos fracassos. E perante essas nossas realidades ele é clemente: tudo perdoa, “tudo desculpa, tudo espera, tudo suporta”, as características com que S. Paulo define a caridade, o amor (1Cor 13,7).
Por outro lado, Deus aparece descrito como uma nuvem, algo indefinido, que cobre e descobre, que engloba e que tapa a visão. Linda imagem para descrever o mistério de Deus. Deus sempre será um mistério, o Grande Mistério, que nós nunca poderemos compreender em toda a sua plenitude, porque é infinito. Mas sabemos que esse infinito é compassivo e clemente, infinitamente compassivo e infinitamente clemente. A imagem da nuvem é muito bonita. Eu sei que há as teorias todas sobre cúmulos, nimbos, cirros, que explicam o mecanismo e a natureza das várias formas de nuvens. Mas isso é compreender, é um mero exercício intelectual. Mas as nuvens, eu posso e gosto muito de contemplar sem saber nada dessas teorias. Deus não é para mim um exercício intelectual (eu até sou herético porque me marimbo para as cinco vias (intelectuais) para fundamentar a existência de Deus). Para mim, Deus é um exercício contemplativo, algo de muito místico. Como sou um fraco crente não terei chegado ainda ao primeiro degrau dos muitos que só os místicos e os monásticos primitivos conseguem percorrer: os vários graus de compunção (catányxis ou penthos) do coração, a renúncia radical (apótaxis) material e espiritual, a secessão (anachóresis) como desejo de obter a salvação fora do mundo corrompido (este degrau não o quero subir!), que pode chegar ao “deserto absoluto (panéremos), o exílio voluntário para terras desconhecidas (xeniteia) como abandono da minha situação física que pode conduzir à tranquilidade (hesychía), a vivência num espaço reduzido e despido de adereços (stenochoría) a antítese da nossa sociedade de consumo. Depois ainda vêm os vários graus da “ascensão espiritual”, o longo e esforçado caminho da perfeição até chegarmos à “noite escura” profunda resultante do intenso brilho de Deus que cegou os santos como João da Cruz ou Teresa de Calcutá. Mas já estou farto de falar de coisas que não conheço e cujos termos gregos, entre parênteses, nada me dizem, mas que G.M. Colombás explica e analisa no seu livro de quase oitocentas páginas, El monacato primitivo.
Não compreendo, mas gosto de contemplar. Contemplo e essa contemplação enche-me de vida, de fé, de esperança, de amor… às vezes, poucas vezes, porque sou um “homem de pouca fé”.

É por isso que a segunda Leitura nos convida: “sede alegres, trabalhai pela vossa perfeição, animai-vos uns aos outros, tende os mesmos sentimentos, vivei em paz e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2Cor 13,11). Ter os mesmos sentimentos não é um exercício de “carneirada”; é ter as mesmas atitudes interiores com que descrevemos o nosso Deus – compassivo e clemente, lento na indignação, misericórdia e fidelidade – e vivê-las cada um à sua maneira, com as suas sensibilidades, emoções, sentimentos, vontades, intelectualidades. Mas sem viver aquelas atitudes interiores nunca seremos cristãos, dignos de ser chamados discípulos de Cristo.

E tudo isto acontece e tudo isto nos é exigido porque “Deus amou de tal maneira (com tanta intensidade) o mundo que lhe entregou o seu Filho Unigénito para que todo o que nele acreditar não pareça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para o condenar, mas para que o mundo fosse salvo por Ele” (Jo 3,16-17). Um Deus compassivo e clemente nunca pode condenar ninguém. Seria renegar a sua essência, a sua maneira de ser. Deus só pode ser amor, bondade e compaixão. Se não o for, não será Deus. Será uma máscara de Deus, que pode ser adorado e até amado, mas que por detrás da máscara nada tem: é o vazio dos nossos muitos ídolos que não só têm pés de barro como não têm coração nem entranhas.

E para fechar com uma “chave de ouro” esta reflexão de “latão” basta voltar à segunda Leitura: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus (Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos nós” (2Cor 13,13)
Ámen!

2011-06-12

Pentecostes

1. Páscoa e Pentecostes
Antigamente era como se a Páscoa e o Pentecostes (do grego, quinquagésimo (dia)) fosse tudo Páscoa. "O tempo pascal era um período de cinquenta dias que começava no domingo da ressurreição: todos os dias tinham o mesmo valor e a mesma função. Por várias circunstâncias, pouco a pouco, foram-se autonomizando várias festas. Talvez, por influência do relato dos Actos dos Apóstolos, o quinquagésimo dia configurou-se como a descida do Espírito Santo (com a sua vigília, na qual, a partir do século IV, se celebravam os baptismos) e o quadragésimo dia como a Ascensão de Jesus aos céus. Seguindo o exemplo das festas judaicas e seguindo a lógica da iniciação cristã (tempo da “mistagogia”, o último tempo da caminhada catecumenal da iniciação cristã), a Páscoa passou a ter a sua oitava. Por tudo isto, o carácter unitário deste tempo litúrgico, claríssimo na sua origem, não se manteve com nitidez no decorrer dos séculos; em particular a progressiva autonomia das diversas celebrações e a ampliação do Pentecostes, com uma oitava pouco lógica, são os sintomas mais evidentes disso" (Brovelli).
Apesar dessa autonomização, o Pentecostes é o corolário da Páscoa. Faltava qualquer coisa depois da Ressurreição, pois Jesus prometera na Última Ceia: “Não vos deixarei órfãos; Eu voltarei a vós. Fui vos revelando estas coisas enquanto tenho permanecendo convosco. Mas o Paráclito, o espírito santo que o Pai enviará em meu nome, esse é que vos ensinará tudo e há-de recordar-vos tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,18.25-26).
Portanto, é o Paráclito, o Espírito Santo que nos fará compreender tudo, melhor, ir compreendendo tudo o que Jesus nos disse. Sem o Paráclito, o Pentecostes, a Páscoa não estaria completa. Por isso, diz a segunda leitura: “quero que saibais que ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão pelo Espírito Santo” (1Cor 12,3).


2. A “liberdade” do Espírito Santo
O Espírito Santo foi muito esquecido, eu diria até, muito “maltratado” pela Igreja católica do Ocidente (Roma). É que o Espírito Santo é “perigoso” por várias razões.
1) Porque é a Anarquia em estado puro, divino. Ele “sopra onde e quando quer e tu ouves a tua vós mas não sabes de onde vem nem para onde vai” (Jo 3,8). Assim quem o pode controlar. Qual a instituição, por mais organizada que seja, que pode pôr-lhe talas e marcar-lhe o caminho? Quantas vezes não têm a Igreja a tentação (inconsciente!?) de O pôr ao seu serviço?
Apetece-me citar a parte final do “Cântico negro” de José Régio:
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

2) Porque, como proclamou o Vaticano II, “o Espírito Santo suscita, de muitos modos, na Igreja de Deus, o espírito missionário, e não poucas vezes se anteceda à acção dos que governam a vida da Igreja” (AdG 29). O Espírito não espera pelos governantes da Igreja, pois é Ele que “dirige o curso dos tempos e renova a face da terra” (GS 26). Se os responsáveis e os seus membros se distraem e não acompanham o curso da história, o Espírito não se preocupa e vai socorrer-se de outros, que não sendo oficialmente cristãos, estão mais disponíveis para estar ao seu serviço e realizar aquilo que faz parte do Seu programa.
Mas também não espera pelos cristãos bem comportados que procuram ter bem organizados e sempre impecáveis todos os serviços e actividades pastorais mas não têm um ponta de criatividade, sempre receosos de não estarem a ser fiéis às instruções superiores, em quem delegam a decisão de toda a sua actividade eclesial e sobretudo cívica. Esquecem a recomendação do Vaticano II (ou será que alguma vez a leram?): “As tarefas e actividades seculares competem como próprias, embora não exclusivamente, aos leigos. Por esta razão, sempre que, sós ou associados, actuam como cidadãos do mundo, não só devem respeitar as leis próprias de cada domínio, mas procurarão alcançar neles uma real competência. Cooperarão de boa vontade com os homens que prosseguem os mesmos fins. Reconhecendo quais são as exigências da fé, e por ela robustecidos, não hesitem, quando for oportuno, em tomar novas iniciativas e em levá-las a realização. Compete à sua consciência previamente bem formada, imprimir a lei divina na vida da cidade terrestre. Dos sacerdotes, esperem os leigos a luz e força espiritual. Mas não pensem que os seus pastores estão sempre de tal modo preparados que tenham uma solução pronta para qualquer questão, mesmo grave que surja, ou que essa seja a sua missão. Antes, esclarecidos pela sabedoria cristã, e atendendo à doutrina do magistério, tomem por si mesmos as próprias responsabilidades” (GS 43).

3) Porque unge “a totalidade dos fiéis que (por isso) não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis», manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela acção do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direcção do sagrado magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a verdadeira palavra de Deus, adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos, penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida.” (LG 12). É a totalidade dos fiéis que deve, portanto, contribuir para a edificação da Igreja e para a obtenção de um “consenso universal em matéria de fé e costumes”. Todos, pela graça do Baptismo e da Confirmação, que nos vem do Espírito Santo, somos chamados a dar o nosso contributo “único e irrepetível” para ajudar a Igreja a testemunhar uma imagem cada vez mais perfeita do Pai. Todos somos chamados, até porque todos vivemos em diferentes situações – e todas as situações da vida são local de salvação –, a partilhar a nossa experiência num diálogo dialéctico com o Magistério e com os teólogos e pastoralistas.

4) Porque “não faz acepção de pessoas” (Act 10,34), todas, independentemente da sua cor, cultura, religião, são sempre bem acolhidas. Apenas se lhes exige que amem, que amem gratuitamente, que vejam no outro, especialmente o mais débil, o verdadeiro rosto de Jesus, de Deus. Não é preciso ser crente para se salvar. As portas do Reino de Deus exigem apenas duas condições para se abrir:
- dar prioridade ao outro na nossa prática de vida: são os que dão de comer, de beber, de vestir, os que visitam os doentes e os reclusos os únicos que entram no Reino dos Céus (Mt 25,40) e não os que continuamente “dizem “Senhor, Senhor” mas não cumprem a vontade de meu Pai” (Mt 7,21) “nem os que profetizam, expulsam os demónios e fazem milagres” (Mt 7,22), nem os que carregam sucessivas oferendas para o altar mas não estão em paz com os seus irmãos (Mt 5,23-24);
- ser como criança na nossa atitude perante Deus: “Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele” (Mc 10,15), porque “quem receber um menino como este é a Mim que recebe” (Mt 18,5).


3. Pentecostes modelo para uma Globalização mais humana
Vou servir-me de uma ideia já antiga da Comissão Justiça e Paz francesa apresentada na sua avaliação ética sobre a Globalização(1999).
Os cristãos encontram-se entre os mais antigos “mundialistas” pelo que não têm nenhuma razão para se angustiarem perante um mundo novo que nasce, nem para fugirem à mundialização em curso ou para a rejeitarem em bloco. Pelo contrário, devem assumir um papel importante e até decisivo na sua orientação para uma efectiva unidade das pessoas e dos povos no respeito pela sua diversidade: a unidade não é uniformidade mas sempre pluralidade, diferenciação dos sujeitos, comunicação entre eles.
Os episódios bíblicos da torre de Babel (Gn 11,1-9) e do Pentecostes (Act 2,1-13) tipificam dois modelos de universalismo, que têm em comum o facto de envolverem e unirem todas as pessoas e povos, mas assentam em diferentes concepções de unidade:
- na Torre de Babel, a unidade reduz as diversidades humanas a uma única situação (todos falam uma mesma língua e todos constroem uma mesma obra): trata-se, portanto, de uma uniformidade totalitária que não distingue a Terra do Céu (é o que significa a metáfora da torre) e ignora a diversidade dos participantes; no limite, conduz à negação do sujeito e tem como consequência não só a dispersão das pessoas em vez da sua união mas também a impossibilidade de comunicarem em vez de se entenderem;
- no Pentecostes, a unidade apoia-se na diversidade e na diferenciação dos sujeitos e na sua autonomia (cada um ouve a Palavra de Deus na sua língua): é, portanto, uma unidade (todos são capazes de entender) que respeita e valoriza a diversidade de cada pessoa e de cada povo (na sua própria língua) e que permite que cada um entenda e se possa abrir aos outros sem deixar de ser ele próprio numa perspectiva de unidade orientada para o desenvolvimento autêntico de todos os homens e do homem todo.

2011-06-11

Está a nossa sociedade preparada para as crianças?

Vivemos numa sociedade em que sentimos que cada vez menos se valoriza e considera a pessoa, seja ela qual for. Mas há faixas etárias mais ignoradas: os idosos, apesar do seu muito saber de experiência feito já não têm qualquer estatuto e as crianças, a quem ninguém dá o estatuto devido. Algumas são verdadeiramente amadas pelos pais e tenho a sensação de que são cada vez mais; outras são compradas pelos pais sobretudo quando estão divorciadas. Mas quando olhamos para a nossa legislação vemos que não há grande consideração legal por elas. Outros valores mais altos se “alevantam”, como aliás referia o artigo que aqui reproduzi no último post.
Falta referir o outro colectivo – os jovens licenciados – que andam por aí a poluir esquinas porque não há espaço para eles. Mas aqui, também quero fazer uma ressalva. É evidente que o nosso ensino não estimula a criatividade nem a capacidade de arriscar nem utiliza o velho método socrático – a arte maiêutica – que consistia em fazer desabrochar, dar à luz (a sua mãe era parteira) os muitos talentos em potência que os jovens têm e só esperam por ser estimulados e trazidos à luz do dia. Dito isto e reconhecida esta dificuldade quase congénita, também verificamos que muitos ficam de braços cruzados à espera que a banana lhes caía da bananeira. Conheço alguns que se atiraram para a frente, puxaram pelos seus galões, tomaram a iniciativa, sonharam projectos, converteram-nos em realidade concreta, tiveram dificuldades, mas a maior parte singra na vida e até, com meia dúzia de amigos, estão a exportar o produto do seu trabalho.

Mas voltemos às crianças. Aqui deixo o meu último artigo, onde desafio a sociedade e a Igreja a tomarem a sério as crianças.

TODA A CRIANÇA É PESSOA
Nesta última semana em que a cavalgada eleitoral trouxe a alguns as últimas alegrias antes de entráramos na real realidade dura e violenta que nos espera, aconteceu, como por acaso, o Dia da Criança. Das várias iniciativas, queria destacar a criação, por especialistas em direito da família, de uma associação inédita para dar voz às crianças na barra dos tribunais.
Congratulo-me vivamente com esta iniciativa, pois tenho a sensação, como muitos outros, que as crianças não estão na primeira linha das opções, mesmo jurídicas, muito mais preocupadas em defender o direito dos pais, em “fazer variações” sobre o direito paternal, a responsabilidade parental, a guarda parental, em guiar-se pelas emoções na luta entre os pais biológicos e os pais adoptivos, os longos e imorais processos de adopção, a custódia de filhos de casamentos entre pessoas de diferentes nacionalidades que entretanto se divorciam ou fogem com os filhos, um direito que parece favorecer quem adopta, mas ignora quem devia ser adoptado. Uma salgalhada legislativa que nunca honra a criança. Por isso, bem-vindo seja um Código da Criança, que pense prioritariamente na criança, no seu bem, nos seus interesses, já que, pelo que se li na altura, tal Código não existe, no ordenamento jurídico português.
Depois há a própria (in)sensibilidade dos pais que se divorciam e para quem as crianças são um encargo de que se devem desfazer ou um troféu por que devem lutar até à morte. Encargo ou troféu que não são coisas, mas pessoas com igual dignidade dos pais e com igual ou maior direito a serem defendidos pela sociedade de um conjunto de egoístas, que convocam testemunham, pagam bem a advogados para ganhar em termos de propriedade. Como denuncia um advogado: "Há testemunhas dos pais e das mães, mas quem é a voz da criança? É preciso uma participação maior do menor, quer de forma directa, através da sua audição em tribunal, quer através das pessoas que estão em contacto com ela, como professores ou educadores". Depois vemos movimentos tipos Pró-Vida, para quem a vida, por vezes, parece só ter valor na “barriga da mãe”. Desde que saiam “cá para fora”, o resto seja o que Deus quiser.
Trata-se no fundo de continuar uma longa tradição melhorada lentamente. A mentalidade greco-romana dava o poder absoluto ao pai, que dispunha até da vida dos filhos. Não fora a sua necessidade para garantir a continuação da espécie possivelmente eram todos eliminados. A cultura judaica, embora considerassem os filhos uma bênção de Deus, não lhe atribuía nenhuma importância social nem sequer religiosa, a não ser para algum sacrifício de fundação do Templo, como os filhos de Hilel em Jericó (1Rs 16,34) ou para garantir a sobrevivência do trono como o filho do rei Acab que, quando subiu ao trono, “imitando o comportamento de outros reis de Israel, sacrificou o seu filho na fogueira, conforme os costumes abomináveis das nações que o Senhor expulsara diante dos israelitas” (2Rs 16,2-3). Não seria a regra geral, mas o que é certo é que Deus teve que pôr cobro a essa situação dos pais sacrificarem os filhos, como mostra o episódio de Abraão e Isaac (Gn 22,13).
Jesus introduziu uma verdadeira ruptura no modo como entender as crianças. “Quem não receber o reino dos céus como uma criança não entrará nele” (Mc 10,15). Portanto, as crianças são o modelo, indicam o modo como cada cristão pode entrar no Reino de Deus. Não porque as crianças possam assumir propositadamente uma posição a favor do Reino, mas porque diante do Deus só o estado de “menoridade” é que conta. É este aspecto que Jesus quer destacar: como o Reino de Deus é graça (gratuidade) é dom, só as crianças têm um coração suficientemente livre para acolher o gratuito. Como o Reino de Deus nunca é “merecido”, isto é, não depende dos nossos méritos, só um coração de criança é capaz de o acolher sem reservas nem condições.
É esta disponibilidade que os torna não só capazes de entrar no Reino de Deus mas também de receber a revelação de Deus: “Bendigo-te, ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelastes aos pequeninos” (Lc 10,21).
Ora, como aconteceu por vezes, a própria Igreja preferiu às palavras de Jesus as recomendações dos “códigos domésticos” das Epístolas, que exortam as crianças a obedecerem aos pais e os pais a não provocarem a ira de seus filhos (por ex., Col 3.20-21; Ef 6.1-4), parecendo esquecer que Deus as ama especialmente e que as devemos acolher como acolhemos Deus: “Quem acolhe uma criança a Mim acolhe”. É urgente retomar a radicalidade do ensino de Jesus. As crianças não estão apenas subordinadas aos adultos, partilham com eles a sua vida e a sua fé; não devem ser apenas formadas, mas imitadas; não são apenas ignorantes, mas capazes de discernimento espiritual; não são “apenas” crianças, mas representantes de Cristo. “O que torna o desafio tão difícil é que Jesus requer a mudança não apenas da forma como os adultos se relacionam com as crianças, mas do modo como concebemos nosso mundo social. Ele não apenas ensinou como fazer um mundo adulto mais justo e agradável para as crianças; ele também ensinou o nascimento de um mundo social em parte definido e organizado em relação às crianças. Ele pôs em julgamento o mundo adulto porque não é o mundo das crianças” (Gundry-Volf).




2011-06-01

Dizem que 1 de Junho é o Dia da Criança

Não consigo deixar de escrever três notas: duas negativas e uma positiva.

1. O vídeo da violência
Passei uns dias no hospital, onde os doentes não dispensam a TVI o dia todo e, embora me tenha refugiado nalguma leitura e na preparação de uns apontamentos que me pediram, ia ouvindo (ainda bem que o som estava baixo e eu ouço mal) coisas muito apropriadas.
Embora não sejam propriamente crianças (não sei bem qual é a idade em que deixa de se ser considerado criança), a TVI (e nas outras não deve ter sido muito diferente) passou em programas de entretenimento e no Telejornal várias vezes aquele vídeo famoso – que já deve ter corrido o mundo inteiro espalhando o nosso bom nome – a mostrar miúdas a pontapear uma colega enquanto o fotógrafo machão registava tudo com o devido pormenor. Que o idiota deste fotógrafo se divirta com estas imagem em vez de acabar com aquela barbaridade é já de uma gravidade indescritível, mas que uma TV explore o tema, repetindo, repetindo, repetindo, repetindo até à exaustão aquele espectáculo, o mínimo que merecia era que os cidadãos fizessem tudo para acabar com esta canalhada. Não encontro palavras para classificar a imoralidade de quem manda passar aquilo. Faca e alguidar é o que dá, não é meus senhores? Pensaram, ao menos, um segundo, no exemplo que estão a dar a meia dúzia de miúdos desequilibrados e que com esse vosso esforço e dedicação, não tardarão muito a repetir a cena?  Mas vocês estão lá preocupados com isso. O que é preciso é audiência. E como parece que somos um povo de papalvos, apenas preocupados com o pão e o circo, está tudo de acordo.
EU NÂÂÂÔOOOO!

2. Os dinheiros do TGV
Também assisti a um anúncio muito colorido, este com criancinhas, em que uma delas diz qualquer coisa relacionada com o que se poderia fazer se se usasse o dinheiro do TGV para outros fins. Não ouvi bem, mas pareceu-me que a criancinha até estava a dizer uma verdade que é necessário denunciar.
Mas uma criança, Senhor! Quem é que lhe encomendou o sermão? Tem medo de dar a cara? Não me admiraria nada numa sociedade de não cidadãos onde proliferam cobardes que só falam pelas costas e estão sempre a “engraixar” o chefe que detestam mas com quem estar bem! Usar crianças para reclames destes? Ao que nós chegámos!
Mas eu quero denunciar sobretudo toda a crescente exploração das crianças no campo da publicidade. Qualquer dia, destronam as “boazonhas” quase despidas e também alguns “bonzões”, que aparecem em qualquer produto tenha ou não a ver com a beleza exterior.
Estamos numa desmoralização tal que até as crianças estamos a conspurcar, certamente com o aplauso dos papazinhos e mamãzinhas que devem receber “algum” e sobretudo vêm os seus lindos meninos na televisão. Que felicidade lá em casa ver as vedetas, escravos da ganância dos publicitários e da imoralidade dos pais.
Como é possível chegarmos a este ponto e não gritarmos BASTA! Deixem as crianças ser crianças, deixem-nas crescer normalmente, ajudem-nas a desenvolver as suas qualidades naturais, mas não façam delas objectos de exploração comercial.

3. Associação de Advogados para defender as crianças
Citação literal do jornal i de 1.Junho.2011
Cinco advogados especialistas em Direito da Família fundaram associação inédita para dar voz às crianças na barra dos tribunais.
É uma associação dedicada à protecção das crianças, mas dentro dos tribunais. Um grupo de advogados especialistas em Direito da Família juntou-se para criar um organismo de defesa dos direitos da criança. Rui Alves PereiraAlexandre de Sousa MachadoRita SassettiLeonor Vicente Ribeiro e Cristina de Sousa querem envolver magistrados, professores, psicólogos e pais numa organização "inédita" em Portugal, que garanta a defesa dos menores diante da Justiça. "Porque, por vezes, a legislação protege mais os pais do que as crianças", justifica Rui Alves Pereira.
A primeira batalha da associação - que já tem nome mas ainda está a aguardar confirmação de registo - será pela criação de um Código da Criança. Um documento que, explica o advogado, não existe no ordenamento jurídico português e serviria para congregar toda a legislação referente aos menores. "Enquanto advogados apercebemo-nos que há pessoas que não têm noção de toda a legislação, porque o que existe são decretos--lei avulsos", diz. Outro dos objectivos será promover conferências e debates - envolvendo profissionais das várias áreas ligadas às crianças - para reflectir sobre matérias jurídicas que levantem dúvidas, como a guarda conjunta, exemplifica o advogado. "Tem havido alguma confusão depois de, em 2008, se ter deixado de falar em poder paternal ou guarda para se passar a falar em responsabilidades parentais", diz Rui Alves Pereira. "Confunde-se responsabilidade parental conjunta com guarda conjunta, quando não é isso que resulta da lei. É uma questão controversa que está a preocupar juízes, procuradores e advogados", garante o advogado. Reflectir antecipadamente sobre estas questões é "fundamental, antes que qualquer dia, por força de um decreto, se imponha uma decisão desse género a uma criança, sem se saber se é o mais acertado", acrescenta.
O rapto internacional de crianças ou a alteração de residência do progenitor que detém a guarda do menor são outros assuntos a pedir debate. "O número de casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes está a aumentar e há casos em que depois do divórcio o membro do casal que detém a guarda dos filhos quer regressar ao seu país, o que levanta muitas questões jurídicas", sublinha Rui Alves Pereira. 
O número crescente de divórcios também preocupa os advogados. "Importa mostrar à sociedade e aos pais que não podem confundir os papéis de marido e mulher com o de progenitores. Há pais que partem para o litígio sem compreenderem o que isso faz aos filhos. O casal acha que se assumir determinados comportamentos está a atingir a outra parte, mas está é a atingir a criança", avisa o advogado, que defende uma participação maior dos menores nos tribunais. "Há testemunhas dos pais e das mães, mas quem é a voz da criança? É preciso uma participação maior do menor, quer de forma directa, através da sua audição em tribunal, quer através das pessoas que estão em contacto com ela, como professores ou educadores", defende. 
A associação de advogados deve começar a trabalhar "em breve", remata Rui Alves Pereira.
APPLLLAAAAUUUUUDDDDDDOOOOOOOO!!!!!!!!!