divórcio ou casamento eterno?...

2008-11-30

Advento

Para os cristãos este domingo inicia o ano litúrgico, com um tempo forte, o Advento.
É ou devia ser um tempo especial.
Um tempo de preparação interior porque vivemos um tempo sem tempo para parar, sempre a correr atrás da vida, sempre sem olharmos para dentro de nós, daquilo que nos move, daquilo que nos comanda. E, no entnato, as mudanças são tão rápidas e tão profundas que, sem critérios, facilmente nos perdemos.
Mas também um tempo de preparação exterior, que deve traduzir-se numa maior atenção ao que nos rodeia, às nossas falhas para com os outros, às injustiças que se cometem, à situação do nosso país e do mundo e fazer alguma coisa para ajudar a melhor a realidade.
Afinal o Advento é o tempo de espera do Salvador que já chegou mas que precisa de nós para ser salvador: o nosso Deus quer actuar pelas nossas mãos, pelas nossa palavras, pela nossa inteligência, pelo nosso amor.
Esperar o Salvador é continuar a sua obra de salvação e para isso precisamos de estar atentos. Como diz o Evangelho da missa de hoje: "Vigiai!".
E temos tanto que vigiar. O exercício da cidadania exige vigilância e atenção ao que vai acontecendo. Tanta coisa que está mal em nós mas também na nossa sociedade. E cada um tem um esfera de poder, maior ou menor, onde pode tentar exercer essa capacidade libertadora. Tanta coisa que também precisamos de mudar em nós, como cristãos, mas também como Igreja. Tanta coisa que precisamos de mudar para ver o nosso Deus cada vez mais invível para os olhos da cara mas tão visível aos olhos do coração e do amor, especialmente nos mais carenciados, nas vítimas da história e desta ordem social criada e organizada pelos homens e mulheres.
Temos de vigiar também para não cairmos na tentação fácil de manifestar a nossa amizade apenas através de prendas inúteis entregues numa visita rápida e uma vez por ano.
"Vigiai" é, pois, um bom guia para este tempo que nos leva até ao Natal.

2008-11-27

Casa Pia

Esta infeliz novela da Casa Pia tem mostrado muito sobre alguns dos nossos males: justiça lenta, truques moralmente sujos, por muito legais que sejam, exibicionismo de alguns intervenientes...
Teve, contudo, um aspecto muito positivo: foi abanar as consciências individuais mas também a consciência nacional para uma realidade que a muito poucos incomodava: o abuso de menores. Histórias como estas já existiam mas ainda não se tinham tornado no nosso consciente como uma violação gravíssima da dignidade da pessoa de cada criança.
Agora tenho a impressão de que, com estas demoras e truques, a nossa atenção se foi desviando e que esse sentimento se está a esbater. Como se a pedofilia fosse mais uma peça da nossa sala do cenário da vida nacional: ali está há tanto tempo que a olhamos mas já não a vemos, pelo menos não a vemos com a inteligência nem a vemos com o coração. Quando se fala do caso da Casa Pia pensa-se nos supostos culpados, na demora da justiça, mas das crianças muito poucos se lembram.
A consciência voltou a atirar para as suas camadas mais fundas este tipo de crime. Até porque ele continua, quase impunemente, a praticar-se em família e entre amigos e não apenas em instituições.
Estas atribulações jurídicas, supostamente para aplicar a justiça (coisa em que muitos estão a perder a esperança!), têm tido para já este nefasto efeito colateral: a pedofilia corre o risco de se tornar um crime, sim, mas um crime banal, como tantos outros, até que um dia destes nem crime será.
E os responsáveis primeiros são os vários agentes que fazem parte deste exercício que devia ser tão nobre: o de alcançar a justiça o “mais justa” possível.
Todos dirão que estão de consciência tranquila. É esta uma das capacidades humanas: adaptarmo-nos a tudo.

2008-11-25

Cristo Rei

Com a Festa de “Cristo Rei” termina o ano litúrgico.
Não foi por acaso que se escolheu esta referência a Cristo Rei para culminar o fim do ano no calendário da Igreja. Efectivamente para os cristãos Cristo é o Senhor da história e quem lhe dá o seu sentido último.
Contudo, a palavra rei merece algum cuidado na sua interpretação. O reinado de Cristo não é como os impérios e reinados deste mundo. Aliás foi o próprio Jesus que nos acautelou: “Sabeis que os que são reconhecidos por chefes das nações as tratam como senhores e os seus grandes exercem poder sobre elas. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, o que entre vós quiser ser grande seja vosso servo e quem quiser entre vós ser o primeiro seja submisso a todos” (Mc 10,42-44).
Para Cristo ser rei é ser servidor, estar ao serviço dos outros especialmente dos mais carenciados, ser o último dos servidores, ser “o servo dos servos”, não metaforicamente mas efectivamente.
Este dever sagrado de "servir os outros" não é um título de nobreza, mas uma responsabilidade obrigatória. De tal modo que os evangelistas fazem uma equivalência, eu firia uma identidade, entre os dois gestos que Jesus nos mandou expressamente repitir: a Eucaristia (“Fazei isto em memória de mim”: Lc 22,19) e o Lava-pés (“Dei-vos o exemplo para que, assim com Eu fiz, vós façais também”: Jo 13, 15).
O Evangelho que lemos neste domingo não deixa quaisquer dúvidas a esse respeito.
No “último dia”, todos os povos (pánta tà éthne), todas as pessoas serão julgadas a partir de um único critério: o acolhimento, a solidariedade, numa palavra, o amor que demos (ou não) aos outros.
“O Filho do Homem”, rodeado de todos os seus anjos, isto é, num julgamento com a máxima solenidade, não perguntará pelas missas a que fomos, pelas peregrinações e procissões que fizemos, pelos Terços que rezámos, mas sim pelo modo como tratámos os outros, porque “tudo o que fizestes aos mais pequeninos foi MIM que o fizestes”. O verbo usado é FAZER, não é falar ou prègar. Por isso S. João insiste: “Amemos por obras e não por palavras” (1Jo 3,16-19). É que todas as celebrações litúrgicas, indispensáveis e estruturantes da Igreja, nada valem se não forem feitas por amor, amor a Deus que só é autêntico se se fundir no amor ao próximo. Como diz Bento XVI: “Amor a Deus e a amor ao próximo fundem-se num todo: no mais pequenino encontramos o próprio Cristo e, em Jesus, encontramos Deus” (DCE 15).

2008-11-15

Deus e César

Foi notícia ainda bem que passageira e, portanto, talvez não merecesse este comentário.
Um padre nos Estads Unidos proibiu ou melhor desaconselhou os fiéis que votaram em Obama de comungar, sem procederem à necessária purificação da sua alma.
Para mim, que conheço mal os Estados Unidos e, menos ainda, a sua mentalidade tão típica, não posso dizer que fiquei muito admirado.
Mas o tema merece alguma reflexão. Entre nós, pelo menos até há alguns anos atrás, ouviam-se, esporadicamente ou não tanto, afirmações semelhantes, mas... antes das eleições.
Mas este padre foi mais coerente. Esperou que o pecado fosse cometido e perante o facto exigir o que se impõe ao pecador.
Esta situação retrata a dificuldade que alguns reponsáveis eclesiais sentem em viver numa sociedade plural e democrática. Não aceitam que a Igreja católica não tenha A (única) solução, mas que é apenas mais UMA proposta, que nós cristãos acreditamos ser a mais libertadora, de solução para muitas situações difícieis. Desconhece, por completo, a afirmação proclamada pelo Concílio da justa autonomia das realidades terrestres, que têm leis próprias e valem por si mesmas e não por estarem de acordo com a interpretação da Igreja católica ou de algum dos seus representantes (cf. GS 36; AA 7). Possivelmente nunca terão lido as palavras de João Paulo II: "A Igreja não tem soluções técnicas ... não propõe sistemas ou programas económicos e políticos nem manifesta preferência por uns ou por outros, contanto que a dignidade humana seja devidamente respeitada e promovida e a ela própria seja deixado o espaço necessário para desempenhar o seu ministério no mundo" (SRS 41).
Além disso as percepções do GRANDE MISTÉRIO são múltiplas: o Deus de Jesus Cristo, para os cristãos; Alá, para os muçulmanos; Javé, para os judeus; o Não-Deus para os ateus e tantas centenas de nomes que as várias gerações e culturas lhe foram atribuindo.
E cada percepção aponta caminhos diferentes.
Só há uma condição: que cada um seja coerente com o camino que escolheu. Se o for, no final encontrar-se-á com o MISTÉRIO último e definitivo, que, por ser mistério ninguém sabe como é, quem é e, desculpem a heresia, se existe, porque a fé (há quem a defina como um salto no escuro) não é ciência.
Eu acredito que existe. Que é Senhor da história mas sempre num diálogo dialéctivo com a liberdade inviolável das pessoas. E que é Ele que dá o sentido e o rumo orientador último à minha vida.

2008-11-14

Aprender a cidadania

Chegou a vez dos alunos se manifestarem. É certo que já não o fizeram mais vezes. E é bom que se habituem a participar na vida cívica nomeadamente através da contestação pública.
Mas também aqui a educação é um factor importante: a cidadania não é automática e, portanto, também exige alguma aprendizagem, quantos aos fins e aos meios.
A luta por direitos ou por leis julgadas injustos é um direito que todos têm e que os mais jovens devem aprender exercitando-o. Por exemplo, as manifestações contra o seu Estatuto ou contra o regime de faltas é o exemplo mais recente.
Mas há aqui qualquer coisa que não enxaixa bem. Como o estatuto não saiu por estes dias, é legítimo ao cidadão comum interrogar-se sobre estas coincidências e sobretudo sobre o modo de convocação. Houve uma reunião nacional dos Movimentos estudantis a decidir esta manifestação? Não. Foi convocada por SMS, foi a resposta que todos deram. Seria importante saber quem os manda?
Mas houve três situações que me parecem preocupantes em termos de educação para uma sã educação dos alunos: 1) há dias a ministra foi recebida numa escola por alunos que atiraram ovos contra o seu carro; 2) ontem, e cito um diário, “os alunos da Secundária D. Dinis, em Chelas, Lisboa, investiram contra o auditório onde decorria a reunião entre Ministério e Conselhos Executivos… Durante cerca de dez minutos, os alunos atiraram ovos e tomates contra a sala, enquanto gritavam e esmurravam as portas, perante a impotência dos funcionários da escola”; 3) na véspera, o primeiro-ministro foi apupado em Ponte de Lima por … crianças. Apupar não tem nada de grave, mas tratando-se de crianças, é oportuno interrogarmo-nos se se tratou de uma mera iniciativa sua ou foram para tal incentivadas? Não vi críticas a estes acontecimentos. Talvez seja a a minha costoleta de velho bota de elástico, mas realmente preocuparam-me estas atitudes da parte de jovens normais.

Os adultos queiram ou não, com o seu exemplo, também (embora nem sempre) servem de exemplo. Por isso talvez fosse bom que se habituassem a comportar-se de um modo tal que as nossas crianças e jovens aprendam a ser cidadãos responsáveis capazes de, no meio das divergências e desacordos mesmo grandes, dar prioridade ao diálogo e ao respeito mútuos, procurando ter como critério primeiro o bem da sociedade a que pertencem.
Lembro-me que há anos atrás uma nossa selecção de futebol (sub-17 ou sub-19, já não sei) vandalizou os balneários do estádio de Clermont Ferrand. Alguém com responsabilidade achou que os devia desculpar: “são rapaziada nova!”. Ponto final, parágrafo!
Certamente que maus exemplos e desculpas deste tipo por parte dos adultos não ajudam as crianças e os jovens a tornar-se futuros cidadãos exemplares.

2008-11-13

Tempo para o bom senso

No meio de tanta crise a todos os níveis, agudizaram-se as relações entre professores e ministério.
Não era nada que não se esperasse, mas parece-me que quem menos é considerado nesta situação são os alunos, que deviam ser o critério absoluto e primeiro.

Vivemos uma realidade em que as posições se extremaram tanto que receio que o diálogo seja muito difícil, se não mesmo impossível, a menos que todos parem para pensar um pouco e ganharem folgo para uma pequenina dose de bom senso e uma grande consideração para com os alunos.
Nós e o futuro do nosso país precisamos urgentemente de uma escola moderna que tenha e crie condições para ensinar e ensinar bem e de modo actualizado. E aqui a responsabilidade é de todos especialmente do ministério e dos professores. Há mudanças profundas a fazer, mas que devem ser feitas com a colaboração de todos. Ao ministério exige-se que não queira fazer tudo e rapidamente, sem ouvir nem "preparar" ninguém, impondo regras e mais regras sem ter na devida conta a reacção dos interessados. É que, por muito boas que sejam as soluções, elas só podem funcionar com a colaboração e o apoio convicto dos professores. E isso exige muito diálogo e capacidade de cedências mútuas. Dos professores espera-se que compreendam que não podem continuar com os mesmos hábitos e com os mesmos métodos que mantinham há anos.
O pior é que as mudanças de mentalidade e de hábitos acarretam sempre alguns aspectos dolorosos.
Resta saber se um futuro e um ensino melhor para os nossos filhos serão um incentivo suficiente para o ministério e para os professores superarem esses momentos mais desagradáveis.
Seja ou não, será sempre um esclarecedor teste aos objectivos de cada um.

2008-11-07

Números e Letras

A propósito da publicação recente das notas e da polémica que daí resultou, também quero dar o meu contributo. Para já acho que nos perdemos em aspectos secundários, só se envolvem alguns interessados e as soluções apresentadas parecem dar prioridade aos aspectos económicos e a esta maneira estatística de combater o insucesso escolar. É pena porque o problema é muito mais fundo e merecia um debate mais desapaixoando e sério que atacasse as suas principais raizes. Se assim não fizermos, as mudanças, por muita propaganda que haja e por muito barulho que se faça contra, serão sempre superficiais.
Aqui deixo o artigo que preparei para o Correio de Coimbra com algumas reflexões e sugestões.

INFLAÇÃO DE NÚMEROS E DE LETRAS?
As notas agora publicadas sobretudo as de Matemática e Português, porque fora do esperado, devem merecer uma reflexão cuidada de todos nós. Governantes, professores, pais e cidadãos em geral devem interrogar-se seriamente sobre o que realmente queremos, tendo como pressuposto básico que hoje nenhum país se pode desenvolver, mesmo economicamente, se não tiver um bom suporte educativo humano e tecnológico e sem um eficaz exercício da cidadania.
Para mim, o falhanço do nosso sistema educativo reside no facto de não sermos capazes de ensinar as nossas crianças e, por arrastamento, os adolescentes e os adultos, a “ler, escrever e contar”. Já várias vezes falei deste assunto. Mas a sua gravidade justifica que me repita e explicite melhor as minhas sugestões.
Que o Ministério defina objectivos claros, adequados e realistas para cada ano ou ciclo. É obrigatório para qualquer sucesso futuro que, nos primeiros anos, os alunos saibam ler (não apenas soletrar as letras, mas interpretar e saber explicar o que um texto transmite), escrever (não apenas saber o alfabeto, mas ser capaz de exprimir em palavras e frases inteligíveis, num texto “bem” elaborado, isto é, de acordo com as regras de uma composição, as suas ideias e opiniões) e contar (não apenas papaguear a tabuada, mas ganhar uma crescente familiaridade com a lógica e a linguagem da matemática, hoje base fundamental para muitas outras ciências). É necessário elaborar programas para o secundário que explicitem de modo claro os fundamentos conceptuais em vez de os apresentar perdidos em minudências sem suficiente hierarquização. E deixe-se para a universidade o seu aprofundamento e a explicitação, sem cair numa especialização dirigida apenas a “um emprego para toda a vida” (onde isso vai!?) ou a ser perito numa única matéria.
Que os professores dos primeiros anos, tenham como preocupação não só ensinar a “ler, escrever e contar”, mas também passem a mensagem da exigência, de que o estudo não é uma brincadeira mas um exercício difícil que exige trabalho, responsabilidade e seriedade.
Que os professores em geral percebam que os métodos e até alguns saberes que lhes foram ensinados nem sempre são os mais indicados para hoje. As crianças mudaram. Os avanços tecnológicos trazem novas exigências. A criatividade e o espírito de inovação são hoje, num mundo em contínua mudança, tanto ou mais importantes do que a mera transmissão de conhecimentos técnicos. E aqui é também fundamental que o professor não saiba apenas a sua matéria específica mas que tenha um mínimo de cultura geral, que é cada vez mais pobre neste nosso país e, segundo parece, neste nosso mundo de “cultura inculta”.
É urgente, por tudo isto, uma mentalidade nova, nomeadamente na educação, envolvendo ministério e professores. Mas isto não acontece por decreto nem num ano ou dois; implica a conversão e o sério empenhamento de todos. A ministra, que tem um papel importante na animação dessa nova mentalidade, deve saber resistir à tentação das estatísticas para o português ver ou a Europa nos considerar. Deve ter a coragem de “limpar” criteriosamente o ministério dos pedagogos de cátedra e de professores que há muito não dão aulas e, portanto, não fazem a menor ideia de que as suas brilhantes exigências e burocracias pouco ou nada têm a ver com a realidade (o mesmo poderia dizer de alguns sindicalistas profissionais): só com gente seriamente comprometida com o ensino poderemos ter programas adequados e provas e resultados acima de qualquer suspeita. Deve resistir à pressão de acabar com a avaliação. Desburocratize-a, simplifique-a, aperfeiçoe-a sem a reduzir a mero exercício para a estatística, mas não desista desse pressuposto necessário para dar credibilidade a todos. Com a nossa mentalidade – e os professores fazem parte da generalidade dos cidadãos – a avaliação é indispensável. A sua falta foi sempre o grande álibi da maior parte da baldice e da falta de empenho de muita gente e aqui não falo só dos professores mas de todos em geral, a começar pela grande maioria das comunidades eclesiais. Algumas até se reúnem para isso, mas muitas vezes a avaliação converte-se num exercício de auto-elogio ou de lamentações recorrentes.
Também não podemos ignorar um outro elemento comum à maioria dos portugueses: o medo. As pessoas têm medo, muitas vezes irracional, talvez porque nasce de uma consciência pouco tranquila, até da autoridade legítima. O resultado é tornar umas “mais papistas que o papa” e outras incapazes de assumir a crítica justa, fundamentada e frontal junto das instâncias competentes preferindo a crítica superficial, só entre amigos, à mesa do café. Acabam por aceitar, gregariamente, tudo o que vem de cima, mas só o cumprem, por medo, sem grande brio nem dignidade e se tiverem um “polícia” atrás de si.
Um país constrói-se com cidadania e conhecimento, um conhecimento actualizado, com transparência e responsabilidade, o que implica lutar aberta e honestamente contra o que está mal, enfrentando o risco de o dizer claramente aos responsáveis. Este risco, que efectivamente pode existir nos países com défice de cidadania e excesso de subserviência, desaparece logo que as pessoas se tornem cidadãs a sério dispostas a lutar pelos seus direitos mas também a cumprir os seus deveres.
Então teremos uma sociedade mais desenvolvida, mais justa e mais humana para todos.

2008-11-06

Yes, we can

Esta vitória de Obama mostra um dos motes de campanha do vencedor: a América é capaz de mudar. Mais, para Obama, “o verdadeiro génio da América é a sua capacidade para mudar”. Há tão poucos anos (em termos históricos) que os negros eram segregados, marginalizados, atirados para a periferia. E agora elegem um presidente negro! Quantos países seriam capazes de escolher para presidente um membro de uma minoria étnica? Um dos correspondentes da nossa TV contava que um negro lhe dissera que ele não era capaz de compreender o significado desta vitória. Porque era europeu? Não. Porque era branco? Mas porque não era preto.
Mas esta vitória significou também a vontade de alguém que tinha um sonho que definira há quatro atrás ao dizer que queria ser uma ponte entre brancos e negros, entre estados vermelhos e azuis, entre liberais e conservadores, para voltar a reunir a América. Pois “não existe uma América liberal ou uma América conservadora - existem os Estados Unidos da América. Não existe uma América negra e uma América branca e uma América latina e uma América asiática - existem os Estados Unidos da América”.
Foi possivelmente este tratamento de igualdade para todos, independentemente da cor da pele ou de serem ou não minorias, que mobilizou tantos americanos: nunca a abstenção fora tão baixa.

Obama tem consciência dos muitos problemas imediatos: “duas guerras, uma planeta em perigo, a pior crise financeira desde há um século” e o “trabalho de refazer a América, tijolo por tijolo, quarteirão por quarteirão”, mas também a tarefa de "uma segurança comum para uma humanidade comum".
Mas também sabe que “o caminho à nossa frente vai ser longo. A subida vai ser íngreme. Podemos não chegar lá num ano ou mesmo num mandato. Mas, América, nunca estive tão esperançoso como nesta noite em como chegaremos lá”.

Apesar de ser um dos mais brilhantes alunos de Harvard, trocou as ofertas principescas de grandes firmas de advogados por um pequeno escritório dedicado aos direitos cívicos das minorias. É esta a força dos ideais que não se vende por dinheiro, que nos dá esperanças de que o mundo possa mudar um pouco com este homem, que apela a todos para “um novo espírito de patriotismo, de responsabilidade, em que cada um de nós resolve deitar as mãos à obra e trabalhar mais esforçadamente, cuidando não só de nós mas de todos”.

A tarefa, nacional e internacional, é enorme depois do legado de Bush. É bom que não se criem expectativas excessivas. Ninguém faz o que quer, mas o que pode. Mesmo o presidente dos Estados Unidos. Mas é bom que ele pelo menos tenha uma boa carta de intenções e procure ao máximo levá-la à prática.

Que Deus abençoe Obama!

2008-11-01

Um Papa diferente

O comportamento de João XXIII rompeu com muitos dos hábitos institucionalizados pelos papas anteriores.
Fazia questão de ter sempre convidados à sua mesa, recusando-se a comer sozinho para, como dizia, “ não se sentir um seminarista de castigo”.
Poucos dias depois de eleito, fez a primeira “heresia”: saiu de Roma em peregrinação a Loreto e a Assis. Era a primeira vez no último século que um Papa saía do Vaticano.
Como bispo de Roma visitou todas as paróquias da sua diocese.
Como Papa recebeu, em Novembro de 1960, o primado da Igreja anglicana: era o primeiro contacto com os anglicanos, desde que há 430 anos Henrique VIII se desligara da Igreja católica. Mais tarde, recebeu a filha de Krutchev e o seu marido que era director do Izvestia.
Dissuadiu os bispos italianos de darem indicação de voto nas eleições italianas, o que mereceu o seguinte comentário ao historiador Alberigo. “Guiavam-no duas convicções profundas. Primeiro, de que a história é um processo em contínua transformação que exige, para ser compreendida, uma real disponibilidade e não um julgamento a priori e imutável. Em segundo lugar, de que existe uma nítida distinção entre o meio político e o da fé”.
Procurou sempre apresentar-se como “pastor”, não fazendo acepções de pessoas, convivendo com todo o tipo de pessoas, inteirando-se dos seus problemas, sem se preocupar com a sua filiação partidária ou ideológica e nunca julgando ninguém. Logo na sua chegada como cardeal de Veneza, deixou bem clara esta sua atitude: Não vejam o vosso patriarca como um político ou um diplomata; procurem o sacerdote, o pastor de almas, que exerce a sua função entre vós em nome de Nosso Senhor”. Por isso diria mais tarde ao iniciar as suas visitas pastorais: “O vosso patriarca não irá a vós nem com o chicote nem com o açoite, mas com afecto, com respeito e de forma paterna”.
Aliás tem uma passagem da encíclica Pacem in terris, que poucos cristãos conhecerão e muito menos porão em prática: “Importa sempre distinguir o erro e a pessoa que erra, mesmo que se trate de erro ou inadequado conhecimento em matéria religiosa ou moral. O homem que erra não deixa de ser uma pessoa, nem perde nunca a dignidade do ser humano e, portanto, sempre merece a consideração que deriva desse facto. Além disso, nunca se extingue na pessoa humana a capacidade natural de abandonar o erro e de abrir-se ao conhecimento da verdade. Nem lhe faltam nunca neste intuito os auxílios da Divina Providência. Quem, num certo momento da sua vida, se encontre privado da luz da fé ou tenha aderido a opiniões erróneas, pode, com a iluminação de Deus, abraçar a verdade. Os encontros em vários sectores de ordem temporal entre católicos e pessoas que não tem fé em Cristo ou professam doutrinas erradas podem ser para estes ocasião ou estímulo para se aproximarem da verdade” (PT, 158).
E para terminar, recordo a confissão de um amigo íntimo, a quem João XXIII terá confidenciado: “Tenho um método infalível para resolver os meus problemas. Procuro imaginar o que faria, nessa situação, o meu antecessor e depois faço o contrário”!