divórcio ou casamento eterno?...

2006-02-27

Casa Pia: a sério ou a brincar?

O processo da Casa Pia veio trazer-nos perspectivas marcantes: positivas e negativas .
Foi muito positivo, o despertar da consciência cívica e da opinião pública para os problemas que se escondem por detrás de certas instituições, mas sobretudo para o gravíssimo problema das exploração de menores sobretudo a exploração sexual. Esta sensibilidade, que não existia há anos atrás, é um bem precioso de que hoje dispomos e que se revela também na revolta perante a violência doméstica, até porque o maior número destas situações parece acontecerem dentro da própria família com conivências mais ou menos insuspeitadas e até insuspeitáveis. Neste aspecto, a humanidade evoluiu e muito.
Já o desenrolar de todo o processo se revelou bem negativo, de tal modo que me parece que fez cair um dos últimos mitos que nos restava: a convicção de que a justiça era justa, servida por pessoas justas e utilizando meios justos. Dos advogados já muitos de nós tínhamos má impressão. Da lei já sabíamos que está ao serviço dos ricos e não dos pobres: bastará recordar que ao autorizar o pagamento de fiança está a favorecer quem tem dinheiro; que, ao exigir advogados competentes para explorar os seus buracos, a lei está a favorecer quem tem bom dinheiro para pagr a "bons" advogados. Entretanto ficámos a saber que permite um conjunto de arbitrariedades imorais como prisões por longo tempo sem culpa formada, escutas telefónicas ad hoc, malabarismos de advogados que sem quaisquer escrúpulos aconselham os seus clientes a faltar, a calar, a negar o que já tinham dito. E agora, ficámos a saber que, porque um tal senhor José Maria Martins "estar nas tintas para este julgamento", a lei lhe permite e ele vai utilizar "o incidente de recusa", que pode pura e simplesmente inutilizar todo o trabalho realizado ao longo de muitos meses e obrigar a começar tudo do zero. Isto não é mesmo de malucos?! SE não é, parece...
Pelo meio ficou-nos a sensação de que, pelas palavras e argumentos do sindicato dos juízes, estes parecem mais preocupados com os seus "magros" vencimentos e as suas "reduzidas" férias ou o seu "serviço de saúde" do que com as condições e o exercício pronto e justo da justiça.

Certamente que estes desabafos parecerão heresias a ouvidos juristas, mas são comungadas por muitos cidadãos quem vêem acontecer as coisas mais incríveis, se sentem vítimas de uma das justiças mais morosas e da União Europeia e que vão perdendo confiança num poder que é estruturante da democracia.
E então com esta bomba do sr. José Martins pouco sobra da Justiça a que possamos agarrar-nos.

2006-02-25

Brincalhões

Sob este título vou juntar três situações.
1. Todos nos queixamos da falta de nível dos nossos alunos (e não só) quanto ao seu desempenho (bonita esta palavra) no português. Há certamente muitas causas e a diferentes níveis. Mas os conteúdos programáticos não estão nada isentos desta realidade. "No meu tempo" aprendi que uma oração podia ter sujeito, predicado, complemento direto, indirecto e circnstanciais. Depois vieram os sintagmas nominais e verbais (o que dava outro tom ao nosso saber!). Depois era proibido decorar as preposições, etc..
Agora, segundo li num artigo do Público, parece ter havido mais outras nobres alterações. Cito: "Os saudosos adjectivos qualificativos terão de ser subdivididos em "adjectivos de possibilidade", que são definidos como "adjectivos derivados de uma base verbal e que podem ser parafraseados pela expressão "que pode ser Vpp", sendo Vpp a forma do particípio passado da base verbal derivante", e "adjectivos relacionais"... Também os antigos substantivos são agora "nomes" e subclassificam-se como já sabíamos em próprios, comuns e estes em abstractos e concretos. Mas agora o aluno terá ainda de distinguir entre "nome epiceno" (testemunha, cônjuge), "nome agentivo" (enttevistador, grelhador) e "nome de qualidade" (falsidade), acrescentando às oposições já conhecidas de masculino / feminino e singular / plural, as de "contáveis" (pedra), "não contáveis" (ar); "animado" (animal), "não animado" (porta); "humano" (bebé) e "não humano" (porta).
Assim vai o ensino do português em Portugal. Estes bricalhões da superficialidade não têm direito a uma sabática? O país e os pais agradecem e certamente também os professores.

2. A longa metragem Kurtlar Vadisis-Irak (O Vale dos Lobos-Iraque) ja atraiu 2 milhões de turco às salas de cinema. Agora que se prepara para ser exibido em cinemas ocidentais, alguns políticos estão indignados e pedem aos distribuidores para "não atirarem mais óleo para a fogueira" e consideram que "não se deve ganhar dinheiro com um filme anti-semitica e anti-americano".
É uma delícia esta nossa concepção de liberdade de expressão.
O que vão dizer (mas já estão atrasados) os grandes defensores da liberdade de expressão que tanto defenderam os cartoons contra Maomé?
É esta a nossa cultura da coerência ou será que temos vários tipos de liberdade de expressão?

3. Nãoi sei se percebi mal, mas jurava que tinha ouvido no telejornal que os sindicatos da função pública estão muito críticos perante a possibilidade de haver avaliação ao pessoal.
Realmente num país que não avalia nada é um escândalo querer avaliar alguém.
Contudo, só tem medo da avaliação quem é amante da cultura da irresponsabilidade.
Por isso, esperamos todos, os verdadeiros cidadãos, que as avaliações vão para a frente e sejam feitas com seriedade.

2006-02-22

Prioridades

Enquanto os intelectuais e alguns cidadãos europeus analisam profundamente o direito à liberdade de expressão, há pessoas, irmãos nossos, que em África morrem de fome, de fome a sério, de falta de pão e de falta de água.
A ONG Oxfam relata mortes por desidratação, já que há pessoas que são obrigadas a percorrer 70 quilómetros (70 000 metros), debaixo de temperaturas a rondar os 40º C para conseguirem água potável. À FAO bastariam 15,6 milhões de euros para salvar o gado e manter as famílias a viver em zonas atingidas pela seca na Etiópia. O Quénia precisa de 230 milhões de euros para evitar que 3,5 milhões de pessoas morram de fome, incluindo 500 mil crianças. Esta verba é equivalente à que os agricultores do Norte recebem em cada 4 horas que estão acordados, através de protocolos tipo PAC!!!!
Enquanto discutimos o direito à liberdade (absoluta?!) de expressão calamo-nos perante o que se passa nas prisões de Guantânamo e outras, não só praticando torturas inadmissíveis mas até negando os direitos mínimos reconhecidos em qualquer democracia, mesmo nos Estados Unidos.
Será que não podemos fazer realmente nada por estes irmãos nossos? Por que é a opinião pública tão pouco sensível a estas mortes e as estas violações da justiça? Será que há mortes de segunda e de terceira, fruto de fatalismos históricos que ninguém quer evitar, e mortes de primeira, as que acontecem onde vivem cidadãos ocidentais?

2006-02-19

irmã Lúcia

Da irmã Lúcia retiro a grande lição de que todos podemos ser santos, independentemente dos nossos méritos ou talentos (até porque todos temos talentos: Mt 25,14-30): não é preciso ser doutor nem formado nas universidades; não é preciso ser teólogo encartado e ilustrado; basta "apenas" dizer sim a Deus, ao seu projecto para cada um de nós.
E para dizer sim basta "apenas" querer e sobretudo acreditar, acreditar de que Deus é tudo, e estar absolutamente disponível (isto é, com espírito de pobreza interior, onde nada nos impede de dizer sim) para assumir o seu projecto "único e irrepetível" para cada um de nós.

Olho estas manifestações "de massa" que acompanham a sua passagem para Fátima com dois sentimentos.
O primeiro é a inegável força da fé que leva estas pessoas a virem de longe à chuva ou ao sol. Muitos de nós discutimos a pureza desta fé, mas quem sou eu para as avaliar ou as classificar? Os caminhos para Deus são sempre únicos e irrepetíveis e cada um de nós tem o seu ou tem de descobrir o seu. Há caminhos para Deus que passam pela descrença, pelo agnosticismo, pelo ateísmo (que me perdoem os descrentes!), pela defesa "humana" da pessoa, pela fé ingénua ou supersticiosa. Cada pessoa cada caminho.

O segundo tem a ver com o risco sempre presente de que tais manifestações de fé façam confundir o fundamental - a fé no Deus de Jesus Cristo - com alguns aspectos "acidentais": a fé em Fátima, na irmã Lúcia ou até na Nossa Senhora. O único absoluto é o Deus que ama de tal modo o mundo que mandou o seu Filho para que nos mostrasse que a salvação definitiva existia e é possível. Com a vinda de Jesus, "o Reino dos Céus está próximo. Acreditai e convertei-vos" (Mc 1,15). Muitas vezes esta palavra é traduzida de modo incorrecto por "fazei penitência", oferecei sacrifícios a Deus para o "libertar" das ofensas dos homens e mulheres, ideias demasiado associadas à mensagem de Fátima.
No entanto, a palavra grega é clara metanoeite, infelizmente veiculada pelo latim paenitemini. De qualquer modo a proposta é de conversão, mudar de vida, metanoia: mudar a nossa vida de modo a satisfazer a vontade de Deus.

2006-02-14

O que eu gosto da Europa

Preciso de acrescentar que gosto muito de ser europeu. Encaixa muito mais nas minhas mundividências, nos meus valores, nas minhas perspectivas. Pudera, dirão, foi aqui que cresceste e te educaste... É possível.
De qualquer maneira, a Europa representa uma mais valia civilizacional. E tem responsabilidades acrescidas por isso mesmo. "A Europa é abertura".

Dito isto, mantenho tudo o que disse no último comentário. E tenho até dois comentários mais a acrescentar.
A Europa e a única civilização que se secularizou. E este é um fruto claro do cristianismo. "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" é o fundamento da liberdade de consciência sem a qual não pode haver secularização.
Mas ao sermos secularizados podemos cair no erro de supor que os valores e a dimensão religiosa são apenas privados. E pelo facto destes valores serem desvaorizados levam-nos a considerá-los de modo displicente sobretudo quando se trata de outras civilizações.

Por outro lado, na Europa temos uma sensibilidade exarcebada à violência física, mas pouca a outros tipos de violência. Ai de um professor que dê uma bofetada a um nosso filho. Cai o Carmo e a Trindade.
Desrespeitar valores religiosos é, penso eu, de uma violência inaudita para sociedades "não secularizadas" e incompreensível para nós.
E não devemos nós respeitar essas diferenças? Em nome da paz entre toda a família humana.

Não devemos nós ser fazedores da paz? Não gosto de algumas traduções bíblicas que no Sermão da Montanha diz "Bem-aventurados os pacíficos...". Pacífico aponta para a passividade. Na versão grega, a palavra que lá está é eirenopoioi, "os fazedores (o verbo poieo significa, "fazer, construir") da paz (eirene)".

Flagelação

Fui à consulta e refazer o penso.
As coisas estão a evoluir naturalmente, dizem, mas "ainda tem para uns diazitos!" (quantos?!)
Não sei se referi, mas para me cobrirem o buraco aberto do lado esquerdo das costas foram ao lado direito retirar pele para enxertar.
Resultado, agora esta última zona está ainda, grande parte, em carne viva à espera que a pele cresça. Por isso, começo a fazer uma pálida ideia do que deveria ser a flagelação. Ainda bem que não me puseram fel e vinagre, mas nem o facto de ser uma versão muito soft me livra de algumas agruras.

Portanto, cá vou avançando devagarinho para a normalidade ainda anormal.

Primado da Pessoa

Quando fui para o hospital, havia duas notícias a que se juntou uma terceira, que se me associaram no meu espírito.
Primeira notícia: a ameaça de Chirac, de inclusivamente usar a bomba atómica para, já não me lembro bem, acabar com a ameaça do Irão.
Primeira questão: Donde vem a superioridade moral dos países do Ocidente para terem bombas atómicas e proibí-las aos outros? Por que não autorizam os EUA a fiscalização das suas fábricas de armas químicas e impõem a fiscalização aos outros?
Segunda notícia: os países ocidentais ameaçaram com retaliações depois de o Hamas ter vencido democraticamente as eleições.
Segunda questão: Donde vem a superioridade moral dos Ocidentais para dizerem aos povos quem devem ou não escolher? Que democracia é a nossa que só aceita os resultados que servem os nossos interesses?
Terceira notícia: os cartoons a associar Maomé ao terrorismo.
Num momento em que se está a tornar tão difícil estabelecer um diálogo Ocidente - Árabes, não seria uma questão de elementar bom senso evitar tudo o que possa envenenar esse diálogo, mesmo que isso significasse prescindir momentaneamente de um direito? O cartoonista pode fazer os cartoons que lhe agardem, mas ele não vive isolado e os caminhos da paz estão profundamente armadilhados. Será que não temos o direito de exigir de todos um contributo sério para a paz no mundo?
Naturalmente que condeno absolutamente as violências que estes desenhos desencadearam, até a violência só acarreta violência e os fundamentalistas deliram com estes argumentos idiotas de uns artistas, que absolutizam a liberdade de expressão, como se não houvesse nenhuns outros problemas neste mundo onde todos os dias milhares de pessoas morrem de fome.

Parece-me que a Europa, cuja característica fundamental é a bertura e a tolerância, pode estar a cometer alguns erros de análise.
O Ocidente considera-se a civilização por execelência, a detentora de valores e critérios a que todos os outros se devem submeter para que o mundo viva em paz. Este etnocentrismo é, como todos os etnocentrismos, perigoso para a paz e para o diálogo. É a aplicação do que Boaventura Sousa Santos, se não me engano, chama a "hermenêutica diatópica": analisamos a realidade dos outros não a partir dos seus TOPOI (valores) mas dos nossos e esta avaliação torna-se não só ilegítima como extremamente redutora.
O Ocidente preocupa-se especialmente com os direitos da 1ª geração (cívicos e políticos)baseados na liberdade como valor supremo. Mas ignora, mesmo nos modelos mais sociais, os direitos de 2ª geração (baseados na igualdade) ou de 3ª geração (baseados na solidariedade). Será, por exemplo, admissível que PAC dê cerca de mil milhões de euros por dia aos "pobres" agricultores do Norte bloqueando assim qualquer possibilidade de desenvolvimento da agricultura do Terceiro Mundo.
No Ocidente temos muito a tendência a igualar todos os árabes e muçulmanos, esquecendo as inúmeras escolas teológicas, mas sobretudo a esmagadora maioria dos imãs que proclamam a paz. É muito mais interessante para a venda de jornais e geurras de audiência falar de dois ou três criminosos fundamentalidsas do que dar o testemunho dos milhares de "fazedores da paz".
O Ocidente parece muito preocupado com valores (liberdade disto e daquilo), às vezes tão pobes (Walesa falava- com que fundamento? - da falta de valores do Ocidente) e outras vezes tão formais (vale mais a letra que o espírito) mas muito pouco com a pessoa. E só a pessoa (enquanto ser pessoal e social, comunitário, tribal, nacional, continental) é que é o critério absoluto para qualquer política ou tomada de decisões.
Onde está a pessoa do outro?

A superioridade civilizacional não está na capacidade de sermos iconoclastas e absolutamente livres de fazer o que nos apetecer (atitude tão típica de algum Ociente) nem na capacidade de resposta pronta e fundamentalista a supostas ofensas alheias (atitude tão típica de algum Oriente), mas na capacidade de nos respeitarmos e cuidarmos do outro, que é um irmão nosso desta humanidade que deve tender a tornar-se uma única família.

2006-02-11

senhor Zé

Entre os meus colegas de infortúnio, havia o Diogo, o Agostinho, o senhor António, o senhor Manel.
Quando entrei, alguém me perguntou:
- Como se chama?
- Zé.
- Mas que nome bonito, senhor Zé.
Eu sou, passei a ser o senhor Zé (senhor porque tenho já uma certa idade; se fosse jovem era o Zé).
Eu sou o (artigo definido) senhor (nome de baptismo).
Finalmente libertaram-me desse apêndice desumanizante "senhor doutor", dessa doença gravíssima que atingiu a nossa sociedade: a doutorite.
Mesmo depois de me terem perguntado:
- E o que faz(ia), senhor Zé?
"Mau...", pensei eu. Mas lá falei das aulas na Química, de investigador da Química Teórica.
E a resposta veio tão refrescante:
- Ah! Deve ser muito bonito tudo isso, não é senhor Zé?
Continuei a ser o senhor Zé.
Que bom.

Ainda recordo um episódio da minha juventude.
Quando cheguei à minha aldeia, ouvi um dos anciãos dizer-me:
- Parabéns, senhor doutor!!!!!
- Ó ti António, então já não sou o Zézito?
- Ah.... Podemos continuar-te a chamar Zézito!?
- Mas eu sou o Zézito.

Hoje só não sou o Zézito, porque as barbas esbranquiçadas me deviam ter tornado o senhor Zé.

Que tristeza de sociedade a nossa, onde o peso do doutor é tão grande quanto é pequena a dimensão da dignidade da pessoa, de todas as pessoas, cada uma delas "única e irrepetível"!

Pequenas coisas

Naqueles dias e noites que ali passei deitado, muito tempo deitado e quase imobilizado, o que me impediu de comunicar com os colegas, muita coisa passou pela minha cabeça.

Uma delas foi a importância das coisas simples da vida que nós vamos perdendo por serem tão pequenas e... "insignificantes".

Recordei-me da água da "Fonte Fria", uma "fonte" fresquinha que corria à beira de um caminho da minha meninice. O que daria eu para poder de novo ajoelhar-me, dobrar-me, mergulhar os lábios na água que corria entre os limos e sorvê-la. Tanta vez repeti este gesto mas só agora fui capaz de o apreciar na sua singularidade única e irrepetível. Será que a Fonte ainda lá está ou foi destruída pelo progresso, como aconteceu à beira de tantas estradas antigas?

O sabor do morango arrancado do canteiro da horta, cheio de terra que se lavava na água da levada: que saborosos que eles eram! Será que os de agora perderam o sabor porque a pressa da sociedade do lucro não os deixa crescer naturalmente ou fomos nós que fomos perdendo a capacidade de saborear a vida e os seus pequenos nadas?

O sorriso franco da minha mulher-namorada (quando casámos ela tinha 18 anos!) que se foi escondendo com o aumentar dos anos: foram as crescentes responsabilidades de uma vida profissional ou foi eu que deixei de a namorar no dia a dia do nosso caminhar para a velhice?

Coisinhas tão pequeninas...
Mas são elas que dão sabor à vida.

Será que estamos a perder o sabor... ou a vida?

Mas eu gosto dos sabores saborosos (não recuperei a água da Fonte Fria e só parcialmente o dos morangos e espero recuperar o sorriso da minha mulher) e da vida, feita destes pequenos sabores.

É bom viver e viver em harmonia com a natureza e a vida.

Dor da noite

Mas havia uma dor especial: a dor da noite.
Quando a noite começava a cair, uma sensação indefinida ia-se apoderando de cada um de nós: como vai ser a noite? Como vou passá-la? Não falávamos disso. O que havia a dizer? Mas lá escapava a observação para os vizinhos: "Boa noite para todos. Durmam bem". Palavras para os outros? Palavras para mim?
Não era um qualquer filósofo latino que falava da noite como "natura malignante"?
Ainda um dia destes hei-de reflectir mais a noite, esta noite tão diferente de outras noites: de descanso, de prazer, de "sem regras", da sociedade de consumismo, de....

Casa das Dores

Pois é...
Passei oito dias na casa das dores.
Das dores, porque vamos lá por causa das dores: as dores denunciadoras de males mais ou menos profundos que marcam a nossa finitude.
Das dores, porque lá nos dão novas dores para curar as dores que levamos: as dores libertadoras.

De qualquer modo, encontrei lá sobretudo dores silenciosas.
Nada de dores uivantes, arrepiantes, ululantes, gritantes. No meio de tanta dor, cada um sofria as suas dores de modo mais ou menos silencioso, embora a vários "tons".
Havia dores "olhantes" que se sentiam através de um olhar tão humano.
Dores "ridentes" que se percebiam pelo movimentar dos lábios indecisos entre o deslizar para o esgar da dor ou a abertura a um sorriso libertador.
Dores "abanantes" que se projectavam através de uma cabeça que se abanava entre as mãos.
As minhas dores pareceram-me mais dores "estilhaçantes": as costas em ferida parecia que se estilhaçavam sempre que tinha de me virar.
Dores, manifestaçoes da dor, no singular.

Mas havia lá também dores "indolores" que se escondiam por detrás da "normalidade" de meio ano de internamento hospitalar ou da "naturalidade" de quem diz que vai fazer a sexta operação e que continua a percorrer os corredores do hospital como se já fizesse parte da paisagem.

Casa das dores, apesar das montanhas de carinhos que sentimos da parte das pessoas que ali estão ao nosso serviço, seja na qualidade de médicos, de enfermeiros, de cozinheiros, de responsáveis pela limpeza do chão ou da higiene corporal, de toda aquela gente que olha para nós, para cada um de nós como... um ser humano reduzido à sua dignidade na forma mais simples e absoluta.

2006-02-10

Cheguei

Estou de volta.
Ainda um pouco fraquinho, aqui estou a bater o teclado para dar notícias em primeira mão.
Terça-feira, dia 14, vou voltar ao Hospital para renovar o penso.
Daqui a duas ou três horas vou voltar para contar alguns episódios, relatar impressões e opiniar sobre alguma notícias entretanto relevantes.
Um ABRAÇÃO a todos pelo apoio e solidariedade que a minha filhota Renata me ia transmitindo.
Até já!

2006-02-04

Notícias do Zé Dias 2

Boa noite a todos!

Vim só aqui informar-vos que a operação do meu pai correu bem e aparentemente a recuperação segue o ser curso normal. Virá para casa daqui a uns dias se tudo continuar assim e nessa altura virá logo que possa aqui ao blog agradecer pessoalmente as vossa palavras de apoio e de todos os outros que têm contactado.

Obrigado de novo,
Renata

2006-02-01

Notícias do Zé Dias

Vim aqui, a pedido do meu pai, avisar todos os amigos, camaradas, velhos e novos conhecidos dele, que por aqui passam regularmente e estão preocupados em saber novos desenvolvimentos da sua situação clínica, que ele vai ser operado, em princípio, amanhã (dia 2 de Fevereiro) pelas 8h da manhã.

Provavelmente ninguém irá ler esta mensagem a tempo de rezar por ele e pensar nele e fazer figas a essa hora mas podem rezar, pensar, torcer, dar força positiva, acender uma velinha na mesma a outras horas que tudo será bem vindo!

Podem entretanto deixar por aqui a vossa mensagem que eu virei cá todos os dias e levá-las-ei pessoalmente a ele.

Logo que tiver mais notícias virei aqui informar-vos também.

Obrigado a todos pela presença e amizade,
renata