divórcio ou casamento eterno?...

2009-01-30

Esperança activa como motor

Estamos num tempo em que as palavras e os sentimentos parecem ir-se deprimindo, esquecendo que o ser humano é fundamentalmente um ser-para-a-esperança.
Como prometi, vou hoje partilhar com quem não o leu o artigo que enviei para o Correio de Coimbra:

É TEMPO DE SER ESPERANÇA
Devo dizer que já me cansam as palavras que repetimos. Mas pior estou farto de gastarmos energias em problemas secundários, de não sermos capazes, todos, de nos unirmos, de dialogar honestamente no ataque aos reais problemas que nos estão e irão continuar a acontecer-nos.
Mas sobretudo estou farto de só falarmos de “dinheiro”, de crise económico-financeira. A crise é muito mais funda, mas como só agora começa a chegar aos bolsos das pessoas é que a crise é gravíssima. Subscrevo em absoluto o que Clara F. Alves escreveu no Expresso: “Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro”. Aqui é que estão as raízes profundas da crise da nossa sociedade: uma crise cultural. O drama é que as crises culturais só se resolvem com novos hábitos e novos estilos de vida, novas perspectivas da realidade e formas novas de nela intervir.
Penso que a maior parte tem uma difusa percepção disto. Basta olhar para as reacções ao discurso de Obama. Quase todos retiveram a palavra esperança, embora ignorassem outras como responsabilidade, individual e colectiva, unidade nacional baseada no diálogo e não no confronto, solidariedade e liberdade.
Por isso, hoje gostaria de falar da esperança, começando por lembrar que ela carrega consigo dois perigos. O primeiro é confundi-la com a confiança total, que leva ao quietismo, ao esperar que o outro, o “salvador”, faça tudo: quantos passam, hoje, a vida a sonhar com um qualquer messias que lhes resolva as coisas com uma varinha mágica? O outro perigo está em, perante a falta de resultados imediatos, descambar em desesperança, na descrença, num vazio de ideias e valores, que alimentam a vida e lhe dão sentido.
Ora a esperança não pode ser só expectativa. Tem de ser uma resposta activa e motivadora aos desafios e aos sofrimentos que a história nos vai trazendo. Tem de partir da consciência da nossa finitude: o ser humano não é imune ao erro; as nossas decisões são sempre imperfeitas, têm, muitas vezes, aspectos de “perversidade inevitável” a exigir sucessivas rectificações. A consciência desta realidade não pode ser limitadora mas antes estimuladora de um contínuo esforço de superação das nossas limitações. Por isso, a esperança, uma sábia esperança, é essencial para não cairmos no desespero ou na frustração, para aceitar que, embora nem sempre discirnamos os caminhos mais adequados, nós somos os construtores da história, que o futuro não está pré-determinado, é um caminho onde nada está já decidido.
É certo que há muitos factores envolvidos neste caminho árduo e difícil. Mas muitos, sobretudo os negativos, vão ganhando força porque nos demitimos com a nossa passividade e falta de dinamismo nesta caminhada. João Paulo II chamou-lhe “estruturas de pecado” e analisou-as assim: “Se a situação actual se deve atribuir a dificuldades de índole diversa, não será fora de propósito falar de "estruturas de pecado", as quais se radicam no pecado pessoal e, por consequência, estão sempre ligadas a actos concretos das pessoas que as fazem aparecer, as consolidam e tornam difícil removê-las. E assim, estas estruturas reforçam-se, expandem-se e tornam-se fontes de outros pecados, condicionando a conduta dos homens”. E acrescenta: “A condição do homem é tal que torna difícil analisar profundamente as acções e omissões das pessoas, sem implicar, duma maneira ou doutra, juízos ou referências de ordem ética” (SRS 36).
É neste contexto natural e inevitável que a esperança tem um papel fundamental: ajuda-nos a assumir, para os superar, os fracassos como momentos inevitáveis da nossa vida; faz-nos perceber que somos criaturas com limitações, algumas insuperáveis; alerta-nos para o facto de o homem prometeico ser um mito que tanto pode estimular, enquanto empurra para lá dos horizontes imediatos ou fechados, como conduzir ao derrotismo e ao desespero, por alimentar uma ideia errada, porque exagerada, das nossas possibilidades.
A esperança empurra-nos pois para a acção. O fracasso é sempre um atentado contra a esperança, mas pode, por isso mesmo, torná-la mais forte. Porque, apesar de só podermos ir alcançando realizações parciais, a esperança aponta sempre para mais além, para o mais perfeito e, portanto, para a mudança e para a renovação. Para ser produtiva, precisamos não só de uma esperança individual mas também de uma esperança colectiva: “Esperar é, portanto, um acto constitutivo tanto da pessoa como da comunidade, ou melhor, da pessoa em comunidade. A minha esperança implica esperar dos outros e com os outros. A esperança dos outros activa o meu esperar. A minha esperança sem a dos outros desemboca num egocentrismo fechado. O meu desesperar pode desembocar na desesperança dos outros. Numa palavra, esperamos e desesperamos em comunidade. A esperança e a desesperança são co-esperança e co-desesperança” (Tamayo).
Como povo, temos de viver colectivamente a esperança. Mais devemos praticar a “paciência da esperança”. Não uma paciência resignada, mas activa e transformadora, pois, muitas vezes, como diz o Evangelho, “um é que o semeia e outro que colhe” (Jo 4,37).
Foi assim que se construíram as nações. É assim também que se vencem as crises.
Hoje é o tempo propício para vivermos e actuarmos a esperança.

2009-01-27

Este tempo de silêncio

Já há uns dias que aqui não venho, fundamentalmente por duas razões.
Uma porque se fala tanto e se escreve tanto que já todos estamos a ficar saturados de tanta palavra, algumas bem fúteis, de tanta gente que já previra a crise há muito tempo e até avisara, etc. e tal. Portanto, foi uma espécie de protesto de silêncio contra a saturação da palavra.
Outra, mais egoísta e prosaica, é que estou a preparar um Powerpoint sobre a Evolução do Universo. Que me dá muito gozo, pois sou “maluquinho” por estes temas. Mas que demora muito tempo, pois há tanta fotografia linda e tantos gráficos que devem ser escolhidos e bem enquadrados. E isso também me desconcentrou.
E foi assim que deixei passar, caladinho, coisas importantes como o discurso do Obama de que quase só se referiu a esperança. Tal é a sede de esperança que todos sentimos! Como vai sair um artigo meu sobre isso, amanhã ou depois vou reproduzi-lo aqui.
Também deixei passar um outro acontecimento, que um grande amigo teve a caridade de me criticar por não o ter refrido: os 50 anos do célebre discurso de João XXIII, no dia que terminava a semana pela unidade, no qual anunciou os seus três objectivos como Papa: celebrar um sínodo romano (ele também era Bispo da diocese de Roma), a convocação de um “Concílio ecuménico” (universal) e a reforma do Código de Direito Canónico.
Mas foi o segundo objectivo o que mais espantados deixou os ouvintes.
O que quero reter dessa convocatória não é tanto o facto histórico, mas a sua actualidade: a actualidade de uma convocação semelhante, hoje tanto ou mais necessária que na época, pois deve envolver toda a Igreja e não só os Bispos e porque os problemas e desafios se vão multiplicando. É urgente uma convocação de todos para "pormos em dia" a Igreja, para não deixarmos fugir a história, para não ficarmos agarrados a fórmulas e ritos com pouco ou nenhum significado inteligível ou credível. A Igreja corre o risco de ser infiel ao Espírito, que fala através dos acontecimentos, se não se aplica a fazer, como recomenda o Concílio, uma permanente e actualizada leitura dos sinais dos tempos e a responder-lhes na dupla fidelidade ao Reino de Deus e aos homens e mulheres de hoje: “Para cumprir esta tarefa, é dever da Igreja, em todos os momentos, perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de forma a poder responder, de modo adaptado a cada geração, às interrogações permanentes dos homens sobre o sentido da vida presente e futura e sobre as suas mútuas relações” (GS 4).
São tantos os sinais que apontam para uma mudança de muitos hábitos, fórmulas e conceitos na Igreja, que exigem a conversão do estilo de vida a todos os cristãos e às comunidades cristãs… e nós, impávidos e serenos, pouco ou nada fazemos, não porque a nossa fé seja grande, mas porque somos inconscientes da realidade e demasiado comodistas para nos incomodarmos com o futuro da Igreja e da sociedade.
Foi isto que me sugeriu a comemoração deste anúncio de um tão feliz acontecimento!

2009-01-16

Viva a crise!

Muitos terão lido o artigo de Clara Ferreira Alves no Expresso, no qual passa em revisão todos os sectores da vida pública: rendas (não casas) económicas distribuídas pela Câmara de Lisboa; ensino público; as modernas obras de santa Engrácia, como o processo Camarate, o desaparecimento de Madeleine McCann, o processo Casa Pia, os casos Portucale, Operação Furacão, compra dos submarinos, escutas ao primeiro-ministro, Universidade Independente, Universidade Moderna, Futebol Clube do Porto, Sport Lisboa Benfica, corrupção dos árbitros, corrupção dos autarcas, Braga Parques, o grande empresário Bibi, queixas tardias de Catalina Pestana e de João Cravinho. Isto sem falar dos casos esquecidos: os doentes infectados por acidente e negligência; o miúdo electrocutado no semáforo e o outro afogado num parque aquático, as crianças assassinadas na Madeira, os crimes imputados ao padre Frederico, o autarca alentejano queimado no seu carro e cuja cabeça foi roubada do Instituto de Medicina Legal, a miúda desaparecida em Figueira, o processo do Parque, onde tantos clientes buscavam prostitutos, alguns menores, onde tanta gente "importante" estava envolvida. E pergunta: o que aconteceu?
Ou melhor, o que está a acontecer connosco? Como a autora esclarece, “vivemos no país mais inconclusivo do mundo, em permanente agitação sobre tudo e sem concluir nada”, onde “nada é levado às últimas consequências, nada é definitivo e tudo é improvisado, temporário, desenrascado”.
Mas, pergunto eu, por que acontece isto entre nós? O que se passa connosco? O que se passa com a nossa sociedade hoje? Penso que vivemos numa sociedade egoísta, em que só se luta pelos interesses individuais ou grupais, às vezes bem mesquinhos, porque ninguém quer prescindir do que chama os “seus direitos adquiridos” que não passam de privilégios injustos, porque (só) os outros é que devem pagar a crise, porque no meio de tantas dificuldades não somos capazes de tomar consciência de que a crise que existe passa também por muitos dos nossos hábitos que não queremos perder: cunha, compadrio, mordomia, corrupção; porque alimentamos uma economia paralela para não ter de pagar mais com a factura; no fundo, porque que perdemos todo um conjunto de valores essenciais para construir e reforçar o bem comum, entendido como o bem de todos e de cada um, porque perdemos a noção de que numa sociedade “todos somos verdadeiramente responsável por todos” (SRS 38), porque não queremos saber dos nossos 2 milhões de pobres, porque não queremos partilhar o trabalho num país onde o desemprego vai aumentar, porque achamos que todos os problemas devem ser resolvidos pelos governos, porque não queremos maçar-nos a dar o nosso contributo como cidadãos e como comunidades.
A resposta é bem simples, na sua complexidade, e foi bem resumida pela autora: “Portugal tem um défice de responsabilidade civil, criminal e moral muito maior do que o seu défice financeiro”.
E nisto todos somos culpados: famílias, professores, comunidades religiosas, movimentos cívicos, responsáveis políticos e, talvez mais que todos, a comunicação social. Ninguém está isento de culpas.
O problema é que quando todos são culpados, ninguém é culpado, porque cada um olha para o lado com olhar acusador e nada faz para se mudar nem para mudar alguma coisa à sua volta.
Uma crise é o cenário ideal para mudar de vida. E o que nós precisamos é de mudar de vida. Será que esta crise vai dar uma ajuda? Em vez de discutirmos coisas miudinhas, até nas mais altas instâncias, seremos capazes de nos unir e ir ao cerne dos problemas?
Se não, a crise não só foi uma oportunidade perdida como foi ocasião para nos perdermos ainda mais.

2009-01-14

Boas normas para a crise

Muito da crise que vivemos tem a ver com os nossos hábtitos e os valores que nos governam. No meu artigo para o Correio de Coimbra faço uma refelexão partindo das Leituras da domingo passado onde poderíamos ir tirar duas excelentes regras: "Deus não faz acepção de pesooas" e "Não desfalecerá nem descansará enquanto não estabelecer a justiça em toda a terra".
Mas aqui deixo o artigo

TODOS JUNTOS VENCEREMOS
Nestes últimos dias tenho lido e ouvido bastante sobre a crise. A conclusão, que tirei, é que ninguém, mesmo os “profetas do passado” (os que já tinha previsto tudo isto há muitos meses), sabe com razoável probabilidade o que vai acontecer: nem os governantes nem os outros; só que os governantes têm que decidir e aos outros basta mandar palpites.

No meio de tanta confusão de saberes e sobretudo de (não) propostas, encontrei na Liturgia de domingo passado duas passagens que bem podem servir-nos de guia. A primeira vem da boca de Pedro: “Deus não faz acepção de pessoas” (Act. 10,34). E eu até diria mais, Deus faz mesmo acepção de pessoas, mas numa descriminação positiva: os que mais necessitam têm prioridade na sua solicitude e amor. A segunda é a palavra de Javé: “(O meu servo) não quebrará a cana fendida nem apagará a torcida que ainda fumega; proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem descansará enquanto não estabelecer a justiça em toda a terra” (Is 42, 3-4). Isto é, vamos aproveitar tudo o que há de bom e está em dificuldades (“a cana fendida e a torcida que fumega”) e tudo fazer, sem desfalecimento nem descanso, até que a justiça seja praticada, de modo transparente e eficaz, a todos, especialmente aos que menos têm.
Estas duas boas regras, se cumpridas com transparência e rigor, ajudar-nos-ão certamente a superar a crise no respeito pela dignidade de todas as pessoas e de todos os grupos.
Aos governantes isto implica especial atenção aos que já viviam no pobreza e aos milhares de desempregados que irão escorregar para essa situação inaceitável. Reforçar ao máximo verbas para estes, que são os que irão viver a crise na sua plenitude. Uma ajuda seria pagar as dívidas às PME e não só abrir-lhes linhas de crédito. Não reter o dinheiro para os agricultores, mas exigindo-lhes projectos de modernização e rentabilidade mínima. Em qualquer dos casos, sempre com critérios rigorosos e transparentes e uma adequada vigilância. Apoiar os bancos parece necessário para suportar a economia, mas com regras claras e fiscalizações muito rigorosas para evitar tentações de desvios para proveito próprio e não para defesa dos clientes e da nossa confiança e credibilidade nacional e internacional. Não sei o que pode ser feito, mas é urgente moralizar as reformas escandalosas, que certos gestores se auto-atribuíram e agora estão a receber em vez de serem penalizados pela sua má gestão, bem como as de tanto funcionário público que se reformou com uma boa maquia mas agora está a ganhar bom dinheiro noutra actividade: em tempos de crise, ou uma ou outra; acumular é um insulto à justiça e aos que poderiam ocupar esses postos de trabalho.
Aos deputados exigimos uma real preocupação pelo bem comum. É lastimoso o que parece preocupá-los bem como a sua actuação. Para a semana poderá ser a monumental questão de saber se o orçamento é rectificativo ou suplementar. Nas semanas passadas foram, por exemplo, as votações atabalhoadas sobre o Estatuto dos Açores ou sobre a avaliação dos professores no activo, ignorando a situação bem mais dolorosa dos milhares de professores desempregados!
Crítica severa merecem alguns dos empresários do “Compromisso Portugal”, que defendia que os centros de decisão deviam ficar no país: mal lhes cheirou a dinheiro, venderam logo aos estrangeiros. E já agora recordo aos investidores as palavras de João Paulo II: “A opção de investir num lugar em vez de outro, neste sector produtivo e não naquele, é sempre uma escolha moral e cultural. Postas certas condições económicas e de estabilidade política absolutamente imprescindíveis, a decisão de investir, isto é, de oferecer a um povo a ocasião de valorizar o próprio trabalho, é determinada também por um atitude de solidariedade” (CA 36).
Há que obrigar as chefias intermédias, a todos níveis, a cumprirem a sua função e a valorizarem com transparência os seus serviços. Por exemplo, segundo informações de vários amigos, há instituições onde a avaliação (e não estou a falar dos professores) foi feita ou dando bom a todos ou dando excelentes às secretárias dos directores, mesmo quando eram reconhecidamente pouco eficientes. Nestes casos o medo, como já tenho referido, impediu os prejudicados de reclamar, utilizando os mecanismos que a lei lhes confere!
As classes médias terão de aprender a viver com menos vícios e de modo mais frugal. Certamente que se o fizerem diminuirão muito o risco de deslizar para a pobreza.
Tudo isto para dizer que a superação da crise tem de implicar um esforço de todos, incluindo os pequenos gestos dos cidadãos, que por pequenos que sejam, são sempre multiplicados por milhões: apoiar as instituições de ajuda aos mais carenciados, em dinheiro, géneros e tempo; limitar a economia paralela, exigindo sempre facturas por qualquer serviço (quase ninguém, incluindo eu, tem a cultura cívica que impeça esta atitude contrária à boa cidadania); não fugir ao pagamento dos impostos, sobretudo da parte dos profissionais liberais; gastar de modo realista e dentro das respectivas possibilidades; poupar sobretudo na energia, na água, nos combustíveis; lutar contra todas as formas de corrupção, cunha e compadrio.
Vamos deixar de atirar as culpas para os outros. Todos em conjunto, sem descanso nem desânimos, vamos vencer a crise. Até porque todos somos culpados.

2009-01-10

O Genocídio continua

A guerra na faixa de Gaza é complexa e está minada por informações manipuladas e por objectivos distorcidos. Pouco tem a ver com a segurança de Israel. Basta olhar para a desproporção dos meios e ter em conta que Israel nunca assinou as tréguas que agora diz que o Hamas violou e deve ser castigado!
O Hamas é manifestamente um grupo terrorista que, aliás, Israel apoiou, ou até talvez tenha criado, para combater os Palestinianos, há anos atrás.
Depois da morte de Arafat, as eleições, em Janeiro de 2006, deram uma vitória estrondosa (e inesperada!?) ao Hamas. Em eleições livres e democráticas. Este resultado deveu-se, segundo o que li na altura, a duas razões: o protesto contra a elevada corrupção da Fatah e o facto de nas zonas do Hamas existir um bom sistema de saúde e de apoio social.
Mas os democratas ocidentais, com o seu sentido tão apurado de democracia, não podiam aceitar “tal afronta” (a democracia tem várias versões!!!). Em vez de estimularem a integração do Hamas no exercício da democracia afastando-o do terrorismo, tendo inclusivamente apoiado seriamente alguns elementos moderados, tentaram acabar com o Hamas por meios “pouco” democráticos e com exigências que sabiam que eles não iriam aceitar de imediato.
E nisto somos todos culpados. Aliás que os cow-boys americanos gostem de jogar às guerras (longe de sua casa, claro!) já estamos habituados, mas que a UE, que se gaba da sua tradição humanista, etc., etc. etc., tenha alinhado também no desprezo e na provocação ao Hamas é qualquer coisa que nos deve fazer pensar e... protestar. Tal como fez com a Rússia e agora anda a tentar apagar fogos que ajudou a atear.
E assim, em vez de termos agarrado a oportunidade para descomprimir aquela tensão quase insuportável, preferimos aumentá-la em nome da nossa sagrada concepção de democracia, que temos a missão de exportar (impor) por todo o mundo!
É evidente que nada disto desculpa o terrorismo do Hamas. E temos de reconhecê-lo e condená-lo por isso.

Mas os governos israelitas são também terroristas.
Primeiro: nenhum governo violou mais resoluções da ONU que Israel. Antes do começo da guerra do Iraque, a lista dos Estados que violaram resoluções da ONU estava assim ordenada: Israel, 32; Turquia, 24; Marrocos, 16; Croácia, 6; Indonésia e Arménia, 4; Sudão, 3; Rússia, Índia e Paquistão, 1. Israel faz o que quer e aundo quer, sempre sob a complacência e o apoio, sobretudo, dos governos americanos
Segundo: sistematicamente roubam espaços geográficos como os Montes Goulã e outros; destroem cidades como Beirute; bombardeiam escolas, mesquitas e edifícios civis com a estafada desculpa de que ali se refugiaria algum elemento do Hamas, cercaram Gaza não só com um muro fortemente vigiado, mas cortando a água e a luz a mais de um milhão de pessoas, obrigam a controles diários milhares de palestinianos que precisam de se deslocar para locais de trabalho. Ouvi ontem, no “Expresso da Meia-noite”, que, em anos anteriores todos os meses, passavam para a faixa de Gaza mais de 500 camiões de ajuda humanitária; há meio ano, passaram a ser autorizados cerca de 150 e antes de começar esta invasão 125 (cito de cor). Não é isto terrorismo puro? Algum de nós consegue imaginar com este frio, viver sem água, sem electricidade, sem asssitência médico-hospitalar, sem qualquer ajuda humanitária (ao fim de quinze dias os Israelitas fizeram o especial favor de parar os bombardeamentos três horas durante o dia para deixar entrar alguns camiões) e passar o dia mas sobretudo a noite a ser contínua e indiscriminadamente bombardeado, sem saber onde se meter: 800 mortos e 2000 feridos para já!
É evidente que os israelitas querem vingar-se da História e sonham com o “grande Israel”. E se Obama muda, por pouco que seja a política de apoio incondicional, é um desastre nacional que tem de ser evitado a todo o custo. E esta guerra serve também para isso ou talvez especialmente para isso.
Porque os palestinianos, para os judeus não têm o direito a viver. O Holocausto dos palestinianos continua. E, pelo menos agora, não podemos dar a desculpa que nada sabemos. Israel não pode ser o senhor do mundo, da lei e da moral… por muito que tenham sofrido ao longo dos séculos.
O terrorismo, seja de que tipo for, é inaceitável. Mas sou muito mais crítico com os democratas, porque não podem responder usando os mesmos métodos. A superioridade moral da democracia é recusar em absoluto a lei do talião e ser capaz de não responder com violência (e muito menos, quando é gratuita) à violência.
Os Palestinianos são nossos irmãos. Também os Israelitas são nossos irmãos. Palestinianos e Israelitas também são irmãos. Vivem naquela terra onde nasceu um Deus que se fez homem e é o Príncipe da Paz: “Com efeito, Ele é a nossa paz, Ele, que dos dois povos fez um só e destruiu o muro da separação” (Ef 2,14).
Vamos todos dar uma ajudinha!

2009-01-06

Ano terribilis?

Bento XVI escolheu para tema deste ano do dia Mundial da Paz: "Combater a pobreza, construir a paz".
O Presidente da República, na sua mensagem de Ano Novo começou por referir-se aos mais carenciados.
Dados do Banco Alimentar e organizações afins recordam-nos uma realidade bem profunda, por muito que queiramos ignorá-la.
Este ano vai ser mau, mas não necessariamente para todos. Nem para os que fazem mais barulho. A maioria ver-se-á em dificuldades para sustentar os seus vícios, mas não vai morrer de fome. Terá de mudar “um pouco” os seus hábitos, mas vai resistir à crise.
E para que muita dessa maioria não passe ao sector dos pobres, acredito que o Governo, como dizia ontem o primeiro-ministro, esteja empenhado em “ir até onde puder ir” para evitar o fecho de empresas viáveis com futuro, disponibilizar novas linhas de crédito para quem dele precisa e minimizar os impactos sociais entre os mais necessitados.
Há, no entanto, centenas de milhares de pessoas que já viviam com fome. E esses possivelmente nem darão pela crise, pois crise é a sua forma de viver. Mas este número irá aumentar com esta crise. Aí sim naqueles que estão perto dos limiares da pobreza, aí é que a crise se fará sentir de maneira violenta e essa franja vai certamente alargar-se, nomeadamente, com muitos reformados cujas reformas não chegam sequer ao salário mínimo. Para eles deve haver uma atenção especial, um esforço suplementar da parte dos cidadãos, das comunidades e do próprio Estado. Segundo um estudo do Público, “no sector privado, o grupo de pensionistas com pensões abaixo do salário mínimo nacional abrange 1,9 milhões de pessoas num universo de 2,1 milhões por velhice ou invalidez”.
É urgente, para lá das medidas que já foram tomadas, dar mais segurança a estas pessoas geralmente sem hipótese de recorrerem a um outro emprego, como escandalosamente fazem muitos com reformas chorudas, ou de beneficiarem de uma fervilhante economia paralela. Além disso, dadas as suas condições físicas, normalmente acabam por ter mais gastos obrigatórios sobretudo nas farmácias.
Depois há um outro conjunto de pessoas que não só perderam o seu emprego (e isto é quase uma inevitabilidade com esta crise) mas, além disso, foram despedidas sem o pagamento dos últimos salários e subsídios de Natal e até de férias. Não seria possível, o Estado superar esta roubalheira pagando essas dívidas e servir-se de mecanismos que já utiliza para obrigar os caloteiros a pagar, em dinheiro ou em géneros?
Não haverá lá no orçamento hipótese de tirar uma décima de ponto para remediar esta situação? Talvez não. Mas tudo depende das prioridades.
Bem sei que não sou economista... mas gostaria de não perder de todo o sentido da solidariedade que deve cimentar os membros de qualquer sociedade.

2009-01-01

Um ano para mudar de vida

Talvez ajude, neste tempo de crise, esta "Oração de Ano Novo" do Cardeal Suenens.

Dai-nos, Senhor, olhos para ver,
um coração para ajudar e fôlego.

E pedindo-te olhos para ver,
suplicamos que nos dês os Teus olhos para ver
o mundo, os homens e a sua história como Tu os vês.
E a nossa própria história.
Concede-nos que correspondamos ao Teu pensamento,
dia após dia e hora após hora.
Faz-nos tornar, pouco a pouco, naquilo para que nos criaste;
faz-nos adoptar a Teu ponto de vista, a Tua própria óptica.
Torna-nos dóceis à Tua Palavra que ilumina
e transforma qualquer vida.

Dá-nos um coração para amar,
um coração de carne e não de pedra,
para amarmos a Deus e aos homens e mulheres.
Dá-nos o Teu próprio coração,
para amarmos de verdade,
esquecendo-nos de nós próprios.
Temos necessidade de que nos enxertem o Teu coração
no lugar do nosso, que bate tão mal quando se trata dos outros.
Que sejas Tu, Senhor,
quem ama através de nós.
Dá-nos o Teu coração para amarmos o nosso Pai,
dá-nos o Teu coraão para amarmos Maria, nossa Mãe.
Dá-nos o Teu coração para amarmos os Teus irmãos,
que são também os nossos.

E dá-nos fôlego,
para não nos sentirmos sufocados a meio do caminho,
para nos ajudar a avançar para o dia de amanhã,
sem olhar para trás nem poupar esforços.
Fôlego para podermos fazer face
a tudo o que os homens - e Tu, portanto -
esperam de nos.
Fôlego para termos uma esperança nova,
como se a vida começasse esta própria manhã,
para esperaramos contra ventos e marés
por causa da Tua presença e da Tua promessa.
Levando em nós todas as esperanças dos homens,

mas também os seus sofrimentos.
Dá-nos fôlego, ou antes, o Teu fôlego:
Aquele que nos enviaste da parte do Pai,
o teu Espírito, o Espírito que sopra onde quer.

Senhor, preciso dos Teus olhos,
dá-me uma fé viva.
Preciso do Teu coração,
dá-me uma caridade a toda a prova.
Preciso do Teu Fôlego,
dá-me a Tua esperança, para mim e para a Tua Igreja.
Para que a Igreja de hoje
seja um testemunho para o mundo
e que este reconheça os cristãos
pelo seu olhar luminoso e sereno,
pelo calor do seu coração
e por esse sentimento indefectível que emerge
da nascente escondida e inalterável
da sua alegre esperança.

Dá-nos olhos límpidos, um coração novo, um fôlego vigoroso
para caminharmos com o Senhor
ao longo dos dias
e do ano que agora começa.