divórcio ou casamento eterno?...

2009-04-30

A propósito dos Bispos

O Bispo de Coimbra vai fazer 75 anos nos princípios de 2010. Tendo em conta a sua substituição, não seria altura da Diocese (começar a) pensar no perfil do seu sucessor? A este propósito teci algumas considerações no jornal diocesano, do qual reproduzo grande parte.

A pergunta que faço é simples. Será que nós, leigos, padres, religiosos, comunidades, a Igreja diocesana não tem nada a dizer sobre o assunto. Há longo tempo que a Igreja “não abre a boca” nestas situações. Nos primeiros séculos, os bispos eram eleitos, de várias maneiras, pela Igreja local. O clero e o povo reuniam-se para eleger ou para aclamar (ou não) o bispo escolhido e, só depois de “aprovado”, é que era consagrado pelos bispos da região. A conhecida regra “o que interessa a todos deve ser decidido por todos” era então levada a sério, mas o centralismo romano foi-se esquecendo dela até a eliminar de todo.
Não adianta nem quero falar do passado, mas seria bom que a Igreja, que tanto depende do passado, não atire fora só as normas que os principais responsáveis entendem ser-lhes desfavoráveis.
Hoje, de acordo com o Direito Canónico, “o Sumo Pontífice nomeia livremente os bispos ou confirma os que foram legitimamente eleitos” (c. 377.1), baseado na opinião da “Conferência Episcopal (que) indica, de três em três anos, à Santa Sé nomes de presbíteros que considera dignos e idóneos” (c. 377.2) e do Núncio que procede a consultas secretas para esse fim (c. 377.3).
A primeira pergunta que me sinto obrigado a fazer é se a Igreja é ou não Comunhão? E não se riam, porque se há palavra que a Igreja, a todos os níveis, mais desvalorizou (ia a dizer dilacerou, mas emendei a tempo) é o conceito de Comunhão. Todos os hierarcas falam em comunhão, mas quantos a praticam? Todos os leigos falam de Comunhão, mas quantos sabem do que falam e fazem dela o estilo de vida eclesial?
Mas, como diz o Documento final do Sínodo de 1985, “a eclesiologia da comunhão é a ideia central e fundamental nos documentos do Concílio”, que, segundo João Paulo II, é “a Magna Carta da Igreja”.
Assim sendo, a Igreja é Comunhão. A Comunhão é, pois, um dos pilares fundamentais de uma Igreja que quer ser uma comunidade de pedras vivas fundada na Eucaristia (PO 6) e ser “sinal e instrumento da íntima união com Deus e de unidade de todo o género humano” (LG 1).
Dito isto, há questões e propostas que gostaria de fazer.
Temos, nós todos que formamos a Igreja de Coimbra, o direito e o dever de participar na edificação desta mesma Igreja? Temos ou não o direito e o dever, que decorre da nossa condição de baptizados (LG 12; 31; 32; AA2; 3), de dar a nossa opinião, seriamente reflectida e tendo em conta a nossa realidade?
Penso que é indispensável que as comunidades pensem no perfil de Bispo que convém à Diocese, pois ninguém a conhece melhor que nós. Não estou a fazer nenhuma avaliação do nosso Bispo actual. Estou a dizer que é tempo, e o tempo já não abunda, de em nome da Comunhão darmos indicações sobre o tipo de Bispo que melhor servirá nas nossas condições eclesiais e sociais. Devemos fazer debates e encontros sobre este tema. Pensar sériamente e comprometidamente. Participar realmente na vida da Diocese.
Eu sei que há duas dificuldades graves a superar.
A primeira já a referi: o centralismo romano, o secretismo da decisão, o decisor final que se baseia nas suas mundividências e na opinião do Núncio e dos Bispos. Um e outros são gente que sabe, mas não são toda a Igreja como Comunhão. Mais, sabem muita teologia, bastante pastoral (espero eu!), mas nem sempre conhecem a real realidade da vida concreta, sobretudo dos “pequenos” pormenores que fazem a felicidade e a infelicidade da vida de cada um e da cada família. Na maior parte das áreas dos âmbitos da sociedade civil os peritos somos nós os leigos: não peritos de teoria(s), mas peritos da prática. E a nossa opinião é aí insubstituível (FC5, a propósito do casamento e da família. Por que não nos outros âmbitos?).
E quem vai fazer essa discussão? Para já, todos, directamente mas sobretudo através dos seus representantes. Posso referir os Conselhos Pastorais diocesanos e paroquiais, as várias Comissões e organismos de movimentos laicais. Há os Conselhos Presbiteriais e instituições afins. Há as Confederações e Comissões de Religiosos. Há muita gente que, representando todas as áreas da Igreja, pode e deve dar uma opinião, que não pode deixar de ser tida em conta numa Igreja que é (quer ser) Comunhão.
O problema é que não temos esta tradição; não nos ensinaram a dialogar em Igreja; somos, de um modo geral, razoavelmente analfabetos; sabemos pouco dos documentos do Concílio e do Direito Canónico.
Mas tal, como o caminho se faz caminhando, a Comunhão constrói-se “Comungando”.Temos caridade e fortaleza para tal? De ambas as partes? Se não, a Igreja continua “a não abrir a boca”.

2009-04-24

O terramoto e o Papa

Há dias, um amigo referia-me a sua desilusão pelo facto do Papa em vez de visitar as zonas atingidas pelo terramoto de 6 de Abril em Itália se ficasse por rezar pelas vítimas.
Foi para mim uma lição quanto ao diálogo da Igreja católica com os não crentes.
Eu realmente tinha achado um gesto muito significativo a autorização, aliás pedida por muita gente, para celebrar a missa de sufrágio em sexta-feira santa: «em consideração pelo carácter excepcional do evento, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos concedeu o indulto para a celebração de uma missa de sufrágio, apesar de a normativa litúrgica não prever outros ritos na Sexta-Feira Santa com excepção dos da Paixão do Senhor». E que encarregasse “a segunda Pessoa” do Vaticano para presidir às exéquias, bem como tenha enviado o seu secretário particular, “como sinal da proximidade pessoal do Papa com quem sofre por causa do terramoto”.
Foi anunciado que o Papa irá fazer a sua visita pessoal no próximo dia 26.

Dei por mim a pensar que acabara por valorizar mais esta excepção litúrgica (“verdadeiro milagre” para quem conhece os liturgistas e o fundamentalismo ritualista da Igreja) do que a presença pessoal do Papa. É oportuno lembrar que estiveram presentes o presidente da República, Giorgio Napolitano, e o primeiro-ministro, Sivil Berlusconi.

Estamos realmente longe do que “os outros” pensam e esperam da Igreja. E curiosamente o que esperam não são orações, mas amor, carinho, solidariedade, acolhimento.
Ora, lendo o Evangelho, lá nos deparamos com a parábola do bom samaritano, na qual Jesus faz uma crítica demolidora ao sacerdote e ao levita por não terem tratado do moribundo, tão preocupados estavam com o Templo e o seu serviço, e o elogio modelar ao Samaritano, que, certamente estaria também com pouco tempo devido aos seus negócios, mas que parou, saltou da montada, aproximou-se e fez o que lhe competia para salvar aquele desconhecido que só teria de comum com ele ser uma pessoa.
Pontos de vista? Ou uma de várias explicações possíveis para a falta de credibilidade da Igreja?
É assim que poderemos (estrou a falar de mim e dos cristãos em geral e não especificamente do Papa) evangelizar o mundo de hoje?
E, já agora para nós, cristãos, estamos realmente a ser fiéis ao Evangelho?

2009-04-22

Crise grande; soluções pequenas

Recentemente, num artigo, propus a todos que retivessem 5 ou 10% do seu vencimento para alguma emergência de vizinhos ou amigos, pois os tempos são demasiado imprevisíveis e até pode acontecer que sejamos nós próprios a beneficiar desse gesto de solidariedade.
Não imagino se alguém terá levado a sério esta “idiotice”, mas há alguns dias li uma notícia que ia muito nesta linha: “No contexto da Semana Santa, vários bispos espanhóis uniram-se à iniciativa dos bispos de Ciudad Rodrigo, Atilano Rodríguez, e de Segóvia, Ángel Rubio, de pedir aos padres diocesanos que entreguem 10% do salário à Caritas como gesto de solidariedade e ajuda a tantas pessoas que se encontram em situação de penúria devido à grave crise económica”.
Estes são pequenos gestos que podem ajudar a superar muitas angústias.
E só precisam de boa vontade e solidariedade. Porque há muita gente que pode (muito mais a que pode que a que não pode) ter gestos destes. E junto com algum dinheiro, há ainda a atenção, o apoio “moral”, o animar, o dar esperança, que são bens muito valiosos embora não se possa com eles abrir conta nos Bancos.
Como seria muito mais feliz um mundo solidário.
Porque o que nos faz felizes é sermos autenticamente humanos e o Homem é um ser para os outros.
Mas os ventos que actualmente sopram apontam para outros rumos e (des)nortes.
Que este exemplo prolifere!

2009-04-14

Mistério pascal

Entre todas as atitudes de Jesus há que dar especial destaque à sua morte como "consequência última da sua fidelidade na solidariedade: fidelidade a Deus até ao fim, permanecendo solidário da história humana, que está feita de doentes, de diminuídos, de crianças, de pecadores, muitas vezes numa situação de desumanidade por causa do pecado. Por isso, Jesus toma sobre si esta história com toda a seriedade e vai ao encontro da morte violenta, não por uma opção livre de fazer um gesto heróico, mas por fidelidade extrema à relação solidária com os pobres. Então a morte de Jesus é a consequência extrema da sua fidelidade ao anúncio do Reino de Deus. Converte-se, além disso, no último gesto de solidariedade com os pobres, porque não há pobreza maior do que a daquele que morre condenado pela religião e pela sociedade. Jesus é acusado pelo poder religioso e pelo poder político: morre como um revolucionário para a autoridade política e como um herege ou um blasfemo para a autoridade religiosa. É o cúmulo da exclusão, da marginalização e a situação mais baixa de pobreza" (R. Fabris).
Porém, todos estes gestos libertadores de Jesus só podem ser entendidos no seu real e profundo significado se forem vistos e articulados com o mistério pascal. Sem esta referência Jesus não passaria de mais um dos grandes sábios, profetas e reformadores. O que já não seria pouco, sobretudo para os crentes, que vêem nele um autêntico protótipo humano que lhes serve de exemplo e de estímulo a seguir.
Contudo o "facto pascal no seu duplo momento - morte de Jesus às mãos dos poderes do tempo e ressurreição de Jesus por obra do poder de Deus - tem um significado social de grande transcendência.
No primeiro momento, Jesus cai vítima dos poderes político, económico, oligárquico e religioso, porque a sua pessoa e a sua doutrina representam um ataque frontal, embora feito a partir da bondade e da máxima virtude, contra as bases de exploração do povo. Estes poderes vêem ameaçado o "sistema" de que vivem e logicamente entendem que a única saída é a eliminação física de Jesus e o desmantelamento do seu frágil grupo. Trata-se de uma realidade constante na história. E também, uma vez mais, se cumpre o desígnio do poder, e Jesus cai vítima do sistema. Esta solução tão radical dá-nos conta da dimensão da mudança, a todos os níveis, que significou Jesus.
Contudo, o segundo momento - a ressurreição - representa a Justiça e a opção de Deus pela causa de Jesus. A ressurreição não foi apenas uma vitória pessoal do Crucificado, que por acção de Deus vive novamente unido já de forma definitiva ao Pai, mas foi a confirmação de Deus à sua causa, ao seu estilo, ao seu modo de vida e à sua mensagem de libertação. Ao ressuscitá-lo, Deus deu razão a Jesus e desautorizou os poderes que lhe tinham tirado a vida. Daqui em diante, Jesus já não é mais um entre os humanos que lutam pela justiça e que estão ao lado dos pobres, mas é o Grande Sinal de Deus por estas causas. Os seguidores de Jesus, os seus discípulos, na medida em que vai entrando na participação real do Reino de Deus, irão tomando necessariamente a mesma opção do Mestre. Um cristianismo à margem destas opções de Jesus será sempre inautêntico, ficará realmente separado do seu Fundador” (Renau)..

2009-04-10

A multidão

Esta semana, santa, devia ser um tempo não para ler ou ouvir as palavras dos outros.
Mas um tempo para nos ouvirmos a nós mesmos e ao que Deus, “no santuário íntimo da nossa consciência” (cf . GS 16) ou na Palavra revelada, nos diz.
Uma das coisas que me diz esta semana tem a ver com a multidão que faz a ponte entre Domingo de Ramos e a Paixão de Cristo.
No domingo, uma multidão imensa com palmas e hossanas aclama, bajula, bendiz Jesus, como o maior profeta de todos os tempos.
Depois com o andar dos dias e com alguma campanha bem organizada, essa multidão toma uma posição perfeitamente contrária: prefere o maior ladrão da época a Jesus. Não sei se a multidão era a mesma. Mas era também multidão. E se não era a mesma ou estava a outra, a de domingo?
A multidão é sempre anónima, manipulável. Basta um líder dizer palavras inflamadas.
A separação entre uma e outra atitude é da espessura do fio da navalha. E como a multidão é instável facilmente cai para um lado ou para outro.
O pior é que nós pensamos que isso só aconteceu no tempo de Jesus e com Jesus.
Isto aconteceu em todos os tempos e lugares.
Isto acontece hoje também. Hoje chamo-lhe um pecado grave contra a cidadania. A maior parte anda ao sabor da corrente dos seus interesses. Pouco lhes interessa o bem comum. O problema dos outros não é “problema meu”. Olhamos e não vimos a realidade à nossa volta. Não usamos a cabeça (ver com a inteligência) e basta aparecer uma qualquer outra cabeça e nós logo acreditamos se vem ao encontro do que desejamos. Não usamos o coração (ver com o coração) porque isso implica envolver-me, compadecer-me com o outro, sentir os seus problemas como meus e agir em coerência.
E se o tempo é de crise, as dificuldades multiplicam estas atitudes egoístas.
Jesus foi aclamado enquanto interessou.
Jesus foi preterido quando interessou.
Também muitos cristãos assim procedem na Igreja e, naturalmente, na sociedade.
A comunhão na Igreja está ferida de morte.
A cidadania na sociedade está ferida de morte.
Embora o remédio seja muito simples: solidariedade e amor.