divórcio ou casamento eterno?...

2009-05-31

Fazedores da realidade

Henrique Monteiro, um jornalista que muito prezo e estimo, diz, no último Expresso, detestar que se diga que a Comunicação Social é o quarto poder.
Não sei quem foi o criador desta feliz e oportuna classificação. Sei que Paulo VI, há 38 anos, afirmava que os “meios de comunicação social (MCS), pela sua própria acção, chegam a representar como que um novo poder. E como não interrogar-se sobre os detentores reais de tal poder, sobre as finalidades que eles intentam, sobre os meios que eles adoptam e, enfim, sobre a repercussão da sua própria acção quanto às liberdades individuais, tanto no domínio público e ideológico, como na vida social, económica e cultural. Os homens (e as mulheres) que detêm este poder carregam uma grave responsabilidade moral” (OA 20).
E esta responsabilidade é realmente enorme, porque objectivamente, considero eu, são os MCS quem faz os acontecimentos. Eu sei que os jornalistas não concordam nada com isto. Mas vejamos. Se um acontecimento não for noticiado existe de facto? Claro que existe mas apenas para quem o praticou ou sofreu e duas ou três testemunhas. Mas, em termos públicos, de facto, só existe quando for noticiado.
E onde entram aqui os MCS? Quando fazem a escolha do que devem noticiar, quando devem noticiar e que elementos devem destacar.
Volto a H. Monteiro: “Mas defendo a prevalência da liberdade. Se Manuel Moura Guedes mentiu ou difamou, deve ser julgada pelos tribunais e não por uma agência do governo (com esta segunda alternativa estou inteiramente de acordo). O império da lei é igual para todos”.
Agora, isto não é tão linear, como parece. Se MMG ou outro qualquer jornalista difamar alguém, esse alguém fica difamado para sempre. E mesmo que o tribunal o venha a considerar inocente, o que nunca acontecerá antes de três ou quatro anos, quem o livra da difamação e da desonra pública sobre ele lançadas por um jornalista desonesto?
O jornalista será condenado a pagar uma multa, a ir preso uns dias ou talvez, mas um talvez muito extenso, poderá até ficar suspenso, mas entretanto continuou, dada a sua idoneidade moral, a difamar outro e outro (“quem faz um cesto, faz um cento”).
A justiça, mesmo igual para todos, não lava a mancha que caiu sobre o inocente.
Certamente que os jornalistas devem estar ao serviço da verdade, não das meias verdades, das insinuações mal intencionadas que, sem argumentos credíveis, crucificam na praça pública quem não tem motivos para tal.
Eu sei e estou convicto que não pode haver democracia nem cidadania a sério sem um jornalismo honesto, transparente e independente. E isto é fundamental
Mas a dignidade das pessoas e o bem comum são bens demasiado preciosos para ficarem subordinados à liberdade de todos e de um qualquer jornalismo.

2009-05-26

Mercenários da Lei

É realmente encantadora a candura virginal com que grandes advogados ficaram ofendidos com as palavras do Bastonário sobre uma realidade, de que muitos deles conhecem exemplos, o que não significa que a pratiquem.
Não é verdade que há advogados, não sei se são especializados ou não em crimes económicos, que ajudam clientes a cometer delitos de colarinho branco?
Pelo menos, a voz do povo sabe disso. Há quem os conheça. E há quem se sirva deles.
Aliás, para o cidadão comum, o advogado já tem uma conotação pouco simpática: todos conhecemos o uso e abuso de truques, que certamente serão legais, mas têm pouco de morais, para demorar processos, pois, em nenhuma outra profissão é melhor aplicável o ditado “o tempo é dinheiro”. Basta olhar para o que se passa sobretudo com os processos mais mediáticos. Por isso, uma coisa é certa: a maior parte de nós, os ignorantes da lei, só deseja não ter o azar de lhes cair nas mãos.
É claro que não são todos os advogados. Serão, certamente, uma minoria. Aliás o Bastonário falou apenas de certos advogados, não de todos, especializados nessas habilidades. Mas que há um número deles sem grandes escrúpulos (como em todas as profissões, mas isso não é desculpa!) há com certeza.
O facto de o Bastonário ter denunciado esta situação só vem confirmar uma realidade, cuja dimensão desconhecemos, mas que sabemos que existe. E só temos, como cidadãos, que agradecer-lhe esse serviço prestado ao bem comum.
Seria, pois, importante e um exercício de cidadania, numa sociedade tão carente dela, que os advogados fossem os primeiros interessados em desmascarar e expulsar da Ordem esses prevaricadores, que eles sabem que existem, em vez de querer abater o Bastonário por defender maior transparência e maior dignidade para a classe.
Mas a nossa sociedade é estruturalmente corporativista e a cidadania é a primeira vítima.
Salvem-se os advogados, sejam honestos ou desonestos.
A cidadania segue dentro de momentos, enquanto os euros vão escorregando.

2009-05-19

O Papa na Terra Santa

Aqui deixo alguns extractos do seu discurso de despedida, no Aeroporto Internacional de Telavive.

Senhor Presidente, agradeço-lhe a calorosa hospitalidade, que muito apreciei, e desejo deixar gravado que vim visitar esse país como um amigo dos israelitas, assim como sou um amigo do povo palestino. Amigos gostam de passar o tempo na companhia um do outro e é para eles profundamente penoso ver o sofrimento um do outro. Nenhum amigo dos israelitas e dos palestinos pode deixar de se entristecer pela contínua tensão entre seus dois povos. Nenhum amigo pode deixar de chorar pelo sofrimento e a perda de vidas que ambos povos têm suportado ao longo das últimas seis décadas. Permita-me fazer esse apelo para todo o povo dessas terras: Não mais derramamento de sangue! Não mais conflito! Não mais terrorismo! Não mais guerra! Pelo contrário, quebremos o ciclo vicioso da violência. Que haja paz baseada na justiça, que haja uma reconciliação e cura genuínas. Que seja universalmente reconhecido que o Estado de Israel tem o direito de existir e de gozar da paz e da segurança com fronteiras internacionalmente aceitas. Que da mesma forma seja reconhecido que o povo palestino tem um direito a uma terra independente e soberana, para viver com dignidade e viajar livremente. Que a solução dos dois Estados se torne uma realidade, não permaneça no sonho. E que a paz se espalhe para fora dessas terras, que sirva como uma “luz para as nações” (Is 42, 6), levando esperança para muitas outras regiões que são afectadas pelo conflito.

Uma das visões mais tristes para mim durante a minha visita a essas terras foi o muro. Enquanto passava por ele, eu rezei por um futuro no qual os povos da Terra Santa possam viver juntos em paz e harmonia sem a necessidade de tais instrumentos de segurança e separação, mas, pelo contrário, respeitando e confiando um no outro e renunciando a todas as formas de violência e agressão.
Senhor Presidente, sei como será difícil alcançar esse objectivo. Sei que é uma tarefa muito difícil para o senhor e a Autoridade Palestina. Mas asseguro-lhes que as minhas orações e as orações dos católicos em todo o mundo estão convosco enquanto continuarem os seus esforços por construir uma paz justa e duradoura nessa região.

2009-05-18

O sub-mundo da cidadania

É possível que muitos tenham lido “o nosso direito à indignação”, que corre na Net, perante o insólito mas não inédito caso acontecido a uma funcionária da RTP1.
Para os que não leram, aqui vai o resumo: a dita funcionária engravidou e ficou tão contente que espalhou a notícia por amigos e colegas. Fez-me lembrar as muitas manifestações de alegria que o Evangelho refere perante boas novas!
Quando os “superiores” souberam, chamaram-na para lhe “comunicar, friamente, que teria que escolher entre o filho ou o emprego”. O tempo escasseia pois a seu contrato termina em Junho. Para complicar mais o drama, o marido está desempregado.

Como o e-mail vem assinado, é de supor que se trate de um facto verdadeiro.
Assim sendo, gentalha desta, que não tem o mínimo remorso em tomar tal decisão, só pode ser considerada um pulha moral. E coerentemente não fez a “intimidação” por escrito, mas “à porta fechada, apenas oral, sem testemunhas”.
Este facto não é inédito, como disse. Já várias vezes me foi referido por terceiros e oralmente que muitos empregadores usavam esta chantagem.

Mas desta vez alguém teve a coragem de dar a cara e denunciar publicamente a situação. Um ponto muito positivo em favor da nossa cidadania.
Mas devemos também, no mínimo, exigir ao sr. ministro do emprego e ao da tutela que abram um inquérito rigoroso para sabermos o que realmente se passa. E, sendo verdade, como tudo parece indicar, que tal “sumidade moral” seja devidamente castigada, nomeadamente expulsa da função que exerce e com a publicitação do seu nome.

Andam para aí os defensores do aborto a clamar pela dignidade da mulher. Andam para aí os subscritores de abaixo-assinados contra o aborto a defender o direito à vida dos inocentes.
E agora o que vão fazer?
Não será altura de se unirem já que com uma simples decisão foram postos em causa, por um lado, os direitos da mulher e, por outro, os direitos da criança ainda não nascida!
Ou só fazem, uns e outros, demagógicos discursos teóricos para tudo ficar quase na mesma, depois de terminada a guerra que se apresentou muito mais como combate político do que como defesa da dignidade das pessoas?

Que cidadania é a nossa?
Estamos dispostos a admitir chefias destas?

2009-05-17

Os caminhos da cidadania

Ontem fui a um supermercado com a minha mulher. A dada altura, o carrinho ficou quase cheio e resolvi ir buscar outro. Uma funcionária indicou-me o fundo daquela enorme “catedral do consumo”. Quando lá cheguei, não havia carrinhos. Fiquei um pouco decepcionado, pois, apesar do aspecto exterior não o indicar (“Estás com bom aspecto, pá!” dizem-me os amigos), tenho razoáveis limitações para andar sobretudo depois daquele exercício de pass(e)ar de prateleira em prateleira até à prateleira final. Quero explicar que esta é uma das opções que faço, de vez em quando, para me obrigar a andar pelo menos três quartos de hora, que preciso para fortalecer os músculos das pernas e não enferrujar as articulações. Fim da justificação!
Surgiu, entretanto, outra funcionária que me perguntou o que eu queria. Foi ver num armazém interior, mas realmente não havia lá nenhum. Só me restava atravessar o edifício todo, sair pela outra ponta, ir ao parque exterior e voltar de novo. Coisa de um quarto de hora, mesmo para o meu “bom aspecto”.
A funcionária, sorridente, perguntou-me: “Não quer que vá buscar-lhe um carrinho lá fora?” E sem esperar resposta pôs-se a andar. Mal tive tempo de lhe dizer: “Espere aí, tenho aqui uma moeda de 50 cêntimos para destrancar o carrinho”. Voltou atrás e passados uns cinco minutos lá estava ela com o carrinho.
Sensibilizado, fiquei a pensar que são estes pequenos gestos, não obrigatórios por lei mas fruto da solidariedade humana, que fortalecem e tornam bonita e consistente a cidadania, que dão corpo à fraternidade numa humanidade que objectivamente é feita de irmãos e não de inimigos a abater ao primeiro incómodo que nos causam.
Gestos tão pequeninos, tão anónimos, que parece impossível que possam interferir de modo significativo nas leis que regem o Universo! Gestos que todos podem fazer, ricos e pobres.
Ma são estes gestos, que multiplicados por milhões, ganham força (“a união faz a foça”) e convertem a sociedade não num mero contrato “entre as partes”, mas numa “comunidade moral”, onde cada um se sente verdadeiramente responsável por todos os outros, conhecidos ou não.
Um bem-haja à Carla pela dupla lição: a da ajuda material, que me deu muito jeito; a da ajuda espiritual, que me leva a reforçar a crença de que a cidadania e a fraternidade são possíveis, mesmo quando estamos cansados ou tudo parece apontar em sentido oposto.

2009-05-14

Os túneis da cidadania

Independentemente de Lopes da Mota, presidente da Eurojust, vir ou não a ser inocentado no processo disciplinar agora aberto por alegadas pressões no caso Freeport, o mínimo ético e cívico que se lhe é exigido é demitir-se do cargo.
Pode até ser difícil provar que ele quis exercer pressões, mas, depois de ter admitido conversas sobre o assunto, ele tem a obrigação de se demitir, mesmo estando inocente. Uma cidadania sã constrói-se com gestos destes.
Como também se constrói e aprofunda com o gesto dos inspectores que denunciaram as supostas pressões, para que fossem analisadas. Se esta fosse a regra geral certamente que no futuro as pessoas teriam cuidado em não repetir a mesma atitude: é que infelizmente funcionamos melhor com o pau (do medo) do que a cenoura (do dever cumprido).
Neste sentido seria bom que todos os que se sentem objecto de pressões as denunciassem e não apenas alguns ou em certas circunstâncias.
Fazer, por exemplo, com que potenciais criminosos sejam avisados atempadamente para saírem de casa e limparem os seus computadores é contribuir para corroer a cidadania e a justiça.
E já estamos tão mal, tanto numa como noutra, que bem necessário é haver gestos nobilitantes nestes domínios.

2009-05-11

Bela Vista

Não basta ter este nome bonito para o bairro ser um exemplo dos nossos ditos “brandos costumes”. Os recentes acontecimentos facilmente o converteram no Bairro da Má Vista.
Embora a uma escala muito menor, os vários dias, que já duram os confrontos entre grupos criminosos e a Polícia, não podem deixar de nos lembrar o que aconteceu em França e na Grécia.
Portanto, um primeiro cuidado é não cair no erro de os julgar da mesma maneira, mas também de não os ignorar nem fazer deles temática eleitoralista.

Estes problemas de “má integração” dão geralmente este resultado. E a crise bem como a falta de empregos são um terreno fértil para o rebentar destes fenómenos.
Naturalmente que basta um qualquer facto, neste caso um muito grave (a morte de uma pessoa mesmo que envolvida em actividades pouco claras), para que tudo entre em polvorosa. Também aqui convém não confundir um acontecimento “casual” com as questões de fundo, que estão muito ligadas à marginalização exclusão social.
José M. Alves, vice-presidente do Observatório da Segurança e Criminalidade, aponta alguns caminhos para combater este fenómeno, que certamente terá tendência para se multiplicar:
- ter uma atitude policial imediata para isolar o grupo radical autor dos confrontos;
- não permitir que haja aproveitamento político do caso por grupos radicais extremistas;
- para lá da imediata intervenção policial, promover uma rápida identificação do grupo criminoso;
- “ir remendando socialmente”: actuar com dimensão social relativamente ao planeamento urbano e à criação de perspectivas para os jovens bem como combater a exclusão social e o desemprego.

Estes são problemas complexos das sociedades de hoje: não basta juntar pessoas ou arranjar-lhes casa; é preciso saber integrá-los, ter capacidade para os converter de desenraizados, oportunistas ou criminosos (alguns) em cidadãos activos e conscientes. No fundo, trata-se de uma intervenção social concertada, interdisciplinar, não só quanto a conteúdos mas também quanto a agentes e instituições, governantes e comunidades locais.

O sentido de inutilidade é corrosivo e tanto mais quanto mais adrenalina se pode pôr a correr.

2009-05-01

1º de Maio

Hoje não é dia de festa. É antes dia de lembranças e denúncias.
E de esperança.
Lembrar os que têm emprego precário e mal pago.
Lembrar os que trabalham e não recebem.
Lamentar que os sindicatos estejam mais preocupados com os seus associados do que com os outros trabalhadores.
Lamentar que os que têm trabalho e os próprios sindicatos não se lembrem dos que não têm trabalho.
Lamentar que não haja suficiente solidariedade entre os que têm trabalho “a mais” e os que não têm trabalho.
Lamentar que haja patrões que fecham a empresa só porque lhes apetece e sem qualquer respeito por quem os ajudou a ser o que são.
Lamentar que o Governo não exija um fácil acesso ao crédito par as PME.
Lamentar que o Governo não pague, e a tempo e horas, as enormes dívidas que estão a sufocar e a acabar com tantas PME.
Lamentar que a sociedade local não se empenhe na resolução de problemas tão “pequenos” à escala de esforço comunitário e tanto grandes à escala de quem os sofre.
Lamentar que sejamos, de um geral, um país de corporativismos fundamentalistas.
Lamentar que dentro da mesma “corporação” não haja suficiente solidariedade e os mais privilegiados se esqueçam dos que têm mais dificuldades.
Lembrar que o “emprego para toda a vida” acabou.
Lembrar que a Escola devia dar ferramentas e preparar para várias saídas.
Lembrar que um pouco de criatividade e de coragem para arriscar da parte dos cidadãos pode ajudar a resolver ou minimizar muitos dos seus problemas.
Lembrar que o Estado não é um poço sem fundo que deve resolver todos os nosos problemas individuais ou grupais.
Lembrar que depois da tempestade vem a bonança.
Esperar que o próximo 1º de Maio seja uma verdadeira festa vivida por todos.
Esperar que a pessoa deixe de ser considerada por alguns como uma simples mercadoria.